Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

Sobre o bolor emocional

Toda sexta-feira a história parece se repetir; o trânsito se intensifica, assim como o estresse dos seus condutores. A uns quinze metros de nossa porta encontra-se um semáforo de três fases e devido a sua presença, o tão necessário, precioso e sagrado silêncio torna-se impossível, uma vez que, de cinco em cinco minutos, sempre surge um motorista estressado disparando a buzina de seu carro. Basta um deles começar, para que os demais se sintam contaminados e incentivados a fazer o mesmo. Há uma definição de “um minuto”, a qual acho extremamente inteligente e que retrata bem esta situação:

(...) “Um minuto é o tempo exato entre o verde do sinal e o som da buzina do neurótico do carro detrás”

São 10h20min e o sol parece querer derreter o asfalto e mesmo na sombra a temperatura é bastante alta.

Na esquina, um casal “coletor de ferro velho” descansa numa pequena sombra diante de seus dois carrinhos abarrotados com sacarias repletas de garrafas plásticas, latinhas de cerveja e refrigerantes. Param em cada concentração de lixo, revirando todos os sacos pretos em busca de garrafas e latinhas de alumínio. Infelizmente, em nosso bairro não existe uma cultura de reciclagem de lixo, o que tornaria bem mais fácil e com menos riscos de contaminação para a vida destes e outros coletores.


Fomos ensinados desde pequenos a fazer a nossa higiene bucal e corporal, no entanto, nos passaram a idéia distorcida de que a “lavagem cerebral” é algo pernicioso para o ser humano, devendo, portanto, ser totalmente renegada. Como resultado, boa parte da população possui uma existência limpinha por fora, mas, imunda por dentro. Como num dito popular que sempre ouvi por parte de minha mãe:

“Por fora bela viola, por dentro pão bolorento!”

O bolor é uma cultura de bactérias. O bolor nunca pode surgir em algo que seja dinâmico, que tenha movimento, liberdade, calor e abertura. Ao contrário, se manifesta em ambientes fechados, estagnados, escuros, frios, não ventilados. É a umidade concentrada que causa o bolor e para acabar com a umidade precisa-se de luz!

Carregando duas sacolas plásticas repletas de material de escritório, chegou com o semblante bastante pesado, que por si só, demonstrava ir muito além do cansaço causado pelo peso e pela elevadíssima temperatura ambiente. Um tanto ofegante me cumprimentou:

- Bom dia JR!... Tem um lugarzinho fresco para dividir comigo embaixo dessa pequena e invejada sombra?

- Mas é claro! Sinta-se a vontade! Espere somente um momento para que eu possa pegar mais uma cadeira! Este lugar é tão bom que já o escolhi como meu escritório! Você que vive da escrita, não faz idéia do quanto que este cantinho é inspirador... Através dele, basta abrir os olhos e os ouvidos do coração que as letras começam a fluir com toda intensidade. Todos os dias tenho sido brindado com excelentes experiências do cotidiano.

- Imagino!

- Você gostaria de um pouco de água fresca?

- Aceito sim! Quem sabe, assim fique mais fácil de engolir tudo aquilo que está atravessado aqui na minha garganta!

- Ora! Ora! Que se passa? O que está acontecendo? Onde está o seu “otimismo em gotas”? Onde está a força do pensamento positivo que você espalha com seus livros?

- Tem momentos que tudo fica muito difícil! Estou vivendo uma situação em casa bastante estressante! Quem sabe, se meu marido se inspirasse um pouquinho em você, sentando-se um pouco com a natureza, deixasse de levar uma vida tão mecanizada e medíocre... Ele só pensa em trabalho... Não consegue falar de outro assunto... É das 07h00min da manhã até altas horas da madrugada do dia seguinte! Todo dia é a mesma coisa... Fico me perguntando onde é que foi parar toda aquela paixão dos nossos “velhos tempos”... Ele já levanta estressado, acelerado, mal conversando durante o sempre rápido café da manhã... Já não existe mais o café na cama e o beijinho de despedida, hoje, mais se parece com uma obrigação; não consigo sentir um mínimo de energia amorosa. Todo dia é o mesmo ritual sem simpatia... Das 8:00 ás 20:00min trancafiado em seu maldito escritório – que ele trata como um santuário – e duas vezes por semana, vai direto para a Faculdade onde ministra aulas de “Comércio Exterior” até às 23:00hs. Quando chega mais cedo em casa, vai direto do chuveiro para o sofá da sala, ficando o resto da noite tendo um caso com o maldito controle remoto da TV, isso quando não resolve ficar com sua mais nova amante: a nova CPU do seu computador e seu monitor LCD. Passa horas e horas tendo orgasmos solitários nos chats sobre comércio exterior... Ainda se fosse algo que pudesse mexer com o seu interior, quem sabe até que eu o incentivasse.

- Puxa! Para mim isso é uma grande surpresa, uma vez que, quando se olha para vocês dois juntos tem-se a impressão de que ambos foram feitos um para o outro!

- Tudo aparências meu caro! E quer saber de uma coisa? Já estou farta de viver de aparências! Não sei o que está acontecendo comigo... Se fosse a tempos atrás, com certeza já teria dado um belo pé na bunda dele! Creio que se não fosse nosso pequeno filho, não sei não! Estou dando um tempo para que ele cresça um pouquinho mais e tenha condições de compreender melhor nossa situação! Você é a primeira pessoa com quem falo sobre isso! Nem sei por que disparei a lhe falar!

- Sinta-se a vontade! Obrigado pela confiança depositada em minha pessoa!

- Se não fosse pelo Natanael, acho que já teria jogado nosso casamento para o alto!... Estou cheia de ter os meus passos, meus movimentos, minhas roupas, meus negócios controlados... Quero minha vida de volta! Você não faz idéia: ele tem ciúmes até do meu passado! Acho que ele queria uma mulher sem história! Deus me livre dele saber que estou aqui, sozinha com você, falando a respeito das nossas particularidades... Isso seria o suficiente para uma boa briga e uma semana inteira de bico, que se cortado, daria para colocar numa feijoada para cinqüenta pessoas!

- Parece não ser melzinho na chupeta não!

- Sei lá... As vezes chego a pensar que ele deve carregar dentro de si, situações mal resolvidas de seu antigo relacionamento os quais vive projetando e infectando a nossa relação. Estou cansada de dizer para ele que não sou pára-raios emocional de ninguém! Ele que vá procurar pela ajuda de um psicólogo, Saint Germain, Oxossi, Padre Ciço ou quem quer que seja; não agüento mais!

- Minha amiga: isso é que eu chamo de “bolor emocional!”

- Para você ter uma idéia melhor, a coisa chegou a tal ponto que me limito a falar o mínimo possível, uma vez que, sempre que tento expor meus sentimentos acabamos tendo enormes brigas infantis! Sinto-me como que num júri: tudo que eu disser poderá ser usado contra minha pessoa, mesmo que eu jure dizer a verdade somente a verdade! E vai entender: se eu me calo ele entra na paranóia de que estou pensando no meu ex-marido, ou então, estou escondendo algo e logo começa com suas indiretas que acabam me magoando! Poxa vida! Será que ele não tem um pouquinho de “semancol”?

- Essas indiretas são bem características de nós homens. Eu mesmo já me flagrei várias vezes com esse tipo de comportamento imaturo. A Dé fica doida com isso!

- Pensando bem, não sei não se esse tipo de comportamento refere-se tão somente aos homens; acho que é inerente do ser humano!

- Pode ser!

- E o pior de tudo, JR, é que não vejo nenhum tipo de comportamento por parte dele que demonstre o sincero desejo de arrependimento e de aproximação. Ele se fecha de tal forma em seu orgulho que se eu não fizer o movimento é capaz de ficarmos por semanas sem nos falarmos e aí me sinto “dormindo com o inimigo”. Nessas horas, nem te falo o que se passa dentro da minha cabeça! Estou tão cansada que tomei a decisão de não fazer mais nada para mudar as coisas. Estou cheia de me rebaixar, de me podar, de engolir meus sentimentos em nome do bem dele! Eu sou gente! Tenho sentimentos e em minhas veias correm sangue!

- Tenha calma! Isso pode gerar um ambiente insuportável!

- Quer saber: chega de suportar! A vida não foi feita para ser suportada! Não é isso que espero para o resto da minha existência! Quero vida e vida em abundância! Não quero me conformar a ter a mesma vida que levam meus pais. Cansei de assistir a novela “solidão a dois” bem interpretada por eles. Não quero terminar meus dias assistindo novela na sala, enquanto ele se masturba mentalmente em seu escritório diante do computador. Creio que a pior coisa que um ser humano possa fazer consigo mesmo é se conformar a vivenciar uma solidão a dois. Creio que não pode existir nada mais desgastante e que embote tanto a mente e o espírito como isso: solidão a dois!

- Mas, por favor, diga-me uma coisa: com todo o conhecimento que você adquiriu durante todos estes anos, você realmente acredita que ele tem o poder lhe tornar uma pessoa solitária? Ou o comportamento dele é uma verdadeira benção que acaba por refletir a sua já existente e pessoal solidão?

- Não parei para pensar sobre isso!

- Você não acha que isso pode ser um ótimo material de reflexão? Olhar para a própria permissividade, para a própria impossibilidade de estabelecer limites saudáveis no relacionamento? Olha só: Lembro-me de ter lhe vendido há uns dois anos atrás um exemplar do livro da Melody Beattie, intitulado “Codependência Nunca Mais”; você se recorda se ainda está com ele?

- Sim, lembro-me sim! É um de capa escura com o título em dourado... Com certeza está na minha biblioteca!

- Caso você não encontre por esse, existe um outro muito interessante cujo título é “Juntos porém Livres; não me recordo o nome de seu autor mas sei que o mesmo se encontra esgotado, mas, que se você procurar pelos sebos, com certeza poderá encontrá-lo. Se você ainda estiver com o livro “Codependência Nunca Mais”, sugiro que você dê uma boa olhada no capítulo em que a Melody fala sobre a necessidade de se estabelecer limites saudáveis. Há também um outro capítulo muito interessante onde ela aborda os “scripts velados” mantidos numa relação adoentada. É preciso tirar o foco do outro e olhar para o nosso próprio comportamento. Não se esqueça de que quando apontamos um dedo para alguém, existem três apontando para nós. Muitas vezes, com o nosso comportamento, com as nossas reações emocionais desequilibradas estamos sendo os grandes mantenedores do comportamento doentio do outro. Quando paramos de apontar para o outro e começamos a olhar para o nosso próprio comportamento passamos a compreender a nossa co-participação nesse “script” socialmente aceito e muitas vezes incentivado! Quando compreendemos o falso torna-se possível alimentá-lo! Isso faz com que tenhamos ações iluminadas pela inteligência, o que faz com que alguém que esteja preso em suas próprias emoções acabe entrando num verdadeiro caos, onde quem sabe, possa pela primeira vez perceber a necessidade de ajuda. É preciso deixar de compactuar com a doença que somos nós e reescrever a própria história. Quando fazemos isso torna-se impossível para o outro conseguir apertar os nossos botões emocionais.

- Não sei não! Acho que com ele nem isso possa surtir efeito. Todos os seus familiares sempre me disseram o quanto que é difícil se relacionar com ele. Não posso reclamar de que eu nunca tenha sido avisada, que tenham me entregado o pacote fechado. Na realidade, pensava que comigo a coisa seria diferente, que seria apenas uma questão de tempo e que com jeitinho, aos poucos, conseguiria mudá-lo.

- É! Muitas vezes pensamos que somos deuses! Que temos a capacidade de mudar aquilo que não está ao nosso alcance e que nem mesmo é de nossa responsabilidade. Quando fazemos isso, negamos a nós mesmos a nossa maior responsabilidade: cuidar do ser que nos faz ser.

- Tudo bem! Mas vê só mais uma coisa; vê só se você ia agüentar esse tipo de atitude... só me escute!...

- Tudo bem; prossiga!

- Estávamos brigados já fazia dois dias; nenhum olhar, nenhuma palavra! Natanael já estava sentido as coisas! Começou a demonstrar isso através da sua bronquite! Quando ele estacionou o carro na garagem, decidi - juro que do mais fundo do meu coração-, recebê-lo com um beijo amoroso, juntamente com nosso filho e com o Bob, nosso labrador de pelos da cor champanhe. Sabe o que ele fez? Disse em alta voz, sem ao menos se importar com a presença do pequeno, que “já estava cheio de toda essa falsidade!”

- Caracas! Assim fica difícil mesmo... Nosso amigo está bem doentinho mesmo!

- Pois é! Fala prá mim: como se relacionar numa boa com um adolescente num corpo de adulto?
Houve um pequeno momento e silêncio... As palavras não me ocorriam à mente... De repente, aproveitei a brecha, agachei-me atrás do balcão à procura de um pequeno livro. Perguntei-lhe se mesmo assim, aceitaria um livro emprestado sobre a cura de relacionamentos. Sem titubear me respondeu:

- Aceito sim! Na altura do campeonato. Até condução errada está valendo!

Um pouco reticente, estiquei meu braço esquerdo para lhe entregar o livro. Bastante sem graça, ao se deparar com a capa, soltou um tímido sorriso. Tratava-se do seu 13º livro, o qual versava sobre a cura dos relacionamentos e que já se encontrava em sua 8ª edição. Respirou fundo, mais aliviada e sua frase seguinte deixou claro que havia entendido a minha sugestão.

- É! Pensando bem, acho que está na hora de rever os meus conceitos!

- Minha amiga, se você olhar de olhos bem abertos para dentro de você à procura do seu próprio bolor emocional, tenho certeza que poderá encontrar um verdadeiro manancial de cura. Lembre-se: a penicilina só pode ser descoberta por Alexander Fleming, depois de muita observação atenta e sem escolha.

Vai em paz e que a inteligência lhe acompanhe!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!