Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

Como numa bolha de sabão

Bruna Garcino
Devido ao péssimo movimento do comércio após o feriado prolongado do Carnaval, quase todos os estabelecimentos comerciais haviam encerrado suas atividades bem mais cedo do que o convencional. O fluxo de automóveis estava intenso e poucas pessoas caminhavam pelas calçadas.

Da varanda da nossa casa, poucas são as áreas verdes que podem ser vistas em meio da imensa massa de cimento armado.

São 19H30min e o sol ainda não se pôs e seu tom alaranjado dá um toque especial nas diversas nuvens cinzentas espalhadas pelo imenso céu. Alguns pássaros repousam em silêncio sobre o enorme abacateiro, assistindo ao espetáculo gratuito do pôr do sol. Parece haver silêncio somente nas árvores e várias são as pessoas que dormem encostadas nas janelas engorduradas da condução, de volta do trabalho para suas casas. Olhando-se para a direção do centro da cidade, pode-se ver uma larga e avançada linha cinzenta de poluição. Na esquina, uma senhora recolhe num saquinho plástico, as fezes de seu pequeno cão, um poodle branco, mesmerizado como dita a moda.

De camiseta regata, uma folgada bermuda e um par de chinelas havaianas, tocou a campainha de casa. Recebi-lhe um tanto surpreso, uma vez que, mal havia saído de viagem de férias para o interior de Minas Gerais. Bastante eufórico, havia programado essa viagem de moto para a mística cidade de São Thomé das Letras, local que já havia visitado antes. Desta vez, tinha programado de fazer um outro caminho passando antes por várias cidades do chamado “Circuito das Águas”, entre elas, São Lourenço, Caxambu, Baependi e Aiuruoca. Havia ficado de passar em nossa casa na véspera da viagem para que pudesse pegar conosco o endereço de um grande amigo nosso, proprietário de uma sorveteria na cidade de Caxambu, bem como algumas dicas de viagem, como hotelaria e passeios. No entanto, acabou viajando sem entrar em contato conosco. Como havia programado uma viagem de quinze dias, sua presença logo cedo foi a causa do meu espanto. Quando me aproximei do portão, pude perceber que ele não estava nada bem e que algo de ruim havia acontecido.

- E aí meu amigo? Que se passa? Já está de volta ou ainda não foi?

- Ah, cara! Vêm cá e me dê um abraço forte!...

Enquanto lhe abraçava, começou a chorar feito criança. Sua explosão emocional foi tamanha que me assustei chegando a pensar que algo havia ocorrido com algum dos seus familiares.

- Entra logo! Vamos subir e tomar uma água gelada! Tente se acalmar um pouco!... Por favor, sente-se, fique a vontade! Espere só um pouquinho enquanto pego uma água gelada para nos refrescar!

Acenando a cabeça afirmativamente, um tanto sem graça, procurava enxugar as lágrimas que escorriam pelo seu rosto. No ombro esquerdo, uma colorida tatuagem contrastava com o tom da sua pele clara.

- Olha só, beba esta água bem devagarzinho, depois, procure respirar bem fundo...

Uma vez recomposto, mas ainda cabisbaixo, começou a resmungar bastante envergonhado:

- Cara, não consegui!

- Não conseguiu o que meu amigo?

- Não consegui ficar só; não agüentei a solidão! Foi um mal-estar como nunca antes senti em toda a minha vida! Era como se eu não coubesse dentro de mim e em nenhum lugar! É uma coisa ruim no peito... Como uma sensação de morte! Você já sentiu isso alguma vez?

- Sim, mas, por favor, continue; sinta-se a vontade para falar dos seus sentimentos!

- As coisas já deram errado logo de saída, uma vez que acabei passando direto pela entrada para o “circuito das águas”. Tive que dar uma volta maior começando pela cidade de Cruzeiro. De lá, fui para Caxambu e quando cheguei, a cidade estava explodindo de tanta gente. Estava tendo Carnaval de rua e para todos os lados, o que se via eram casais de namorados. Os hotéis estavam todos lotados e não consegui falar com seu amigo, o Sr. Jamil. Até que consegui encontrar a sorveteria dele, mas, como ele não estava lá e eu não havia encontrado vaga nos hotéis de preço mais acessíveis, decidi não esperar por ele e seguir viagem para a cidade de Aiuruoca.

- Mas por que você não foi para Baependi que fica no outro lado da estrada?

- Cara, o sentimento na hora era tão horrível, mas tão horrível, que fiquei meio que atordoado, fora de mim... Era como se estivesse perdido! A única coisa que eu queria era sair do meio de todo aquele agito.

- É uma pena que você não passou por Baependi. Lá há uma pequena trilha ao lado de um grande rio com algumas corredeiras. Ao final dessa trilha, depara-se com uma belíssima cachoeira, da qual não recordo o nome. Com certeza, nesta cidade você encontraria por melhores preços. É uma cidade pequena, mas bem organizada, com vários artesões. Mas, deixe isso prá lá e continue. Fale-me de seus sentimentos!

- Ok! Cheguei em Aiuruoca e encontrei um cenário totalmente diferente daquele de Caxambu. Não havia quase ninguém pelas ruas da cidade. Descolei uma pequena pousada, muito simples, porém limpinha, com um ótimo preço. Só tinha um pequeno grande problema: lá só havia casais! Aí meu chapa, a coisa pegou! A solidão arreganhou seus dentes sem a mínima dó! Até que tentei colocar em prática aquilo que a gente vem conversando sobre ficar observando os pensamentos... Mas, confesso que não consegui! Parecia que eu ia enlouquecer! Quando entrei no meu quarto, sentia uma vontade louca de subir na moto e voltar acelerado para São Paulo. Numa tentativa de relaxar, decidi tomar um banho, mas nem isso serviu para aplacar o enorme sentimento de solidão que parecia rasgar o meu peito. Olhava para as paredes do quarto e a única coisa que passava na minha cabeça era a seguinte pergunta: o que é que eu estou fazendo aqui? Cara, não tem como explicar por meio de palavras, o que eu sentia naquele momento. Só sei dizer que nunca havia sentido algo semelhante. Só para tentar ilustrar um pouco, era como se eu estivesse isolado do mundo dentro de uma enorme e transparente bolha de sabão. Eu queria manter contato com a realidade, mas, a fina bolha evitava qualquer tipo de relação. Eu só queria romper a bolha e sair acelerado dali!

- Você pelo menos consegue perceber em que situações a solidão pegou mais forte?

- Sim, claro! O sentimento já estava comigo antes mesmo da viagem! Para ser franco com você, quando vim lhe contar dos planos desta viagem, como você e a Dé estavam para também tirar férias, o que eu realmente queria era ouvir de vocês a manifestação de fazermos esta viagem juntos! Como nenhum de vocês se manifestaram, decidi deixar quieto. Na real, já saí de “Sampa” com esse sentimento na garupa da moto e parece que a cada quilometro que me distanciava daqui, o mesmo se tornava cada vez mais pesado, vindo a culminar quando me deparei com todos aqueles casais em Caxambu! Aí o bicho pegou! Não teve jeito de ficar comigo; eu queria estar em qualquer lugar, menos ali, acompanhado de mim mesmo!

- Creio que lhe compreendo, pois já vivenciei algo bastante parecido!

- Mesmo assim, arrumando forças não sei da onde decidi ficar mais um dia para ver no que é que dava. Um pouco mais tarde, decidi sair para comer uma pizza e não achei quase nada aberto. A cidade mais parecia uma cidade fantasma, uma vez que a maioria da população local vai para Caxambu por ser uma cidade mais agitada. Acabei achando uma pequena pizzaria, pedi por um brotinho de mussarela e tomei duas ou três cervejas para ver se aliviava um pouco os sentimentos. Quando acabei, não tinha o que fazer, a não ser voltar para a pousada! Fui para o meu quarto, deitei-me na cama, peguei o controle remoto e comecei uma frenética corrida pelos canais em busca de algo que me distraísse. Que nada! Somente desfiles ou programas evangélicos!... Que merda! Para piorar ainda mais a situação, não sei se foi o resultado das cervejas, comecei a ter um zumbido infernal nos ouvidos. Imagina só a cena: eu, a cama, o controle remoto, a TV, o zumbido e a solidão!... Na hora lembrei-me daquele filme – Jornada nas Estrelas - onde havia aquela máquina de “teletransporte”, lembra-se?


- Sim, lembro-me muito bem! Gostava muito do Dr. Spock!

- Pois bem! O que eu mais queria naquele momento era poder apertar um botão e instantaneamente aparecer em São Paulo, deitado nos braços da Ângela e ficar bem apertadinho com ela... Cara, que sentimento horrível! Hoje de manhã não tive dúvidas: logo cedo, pé na estrada!

- E que conclusão você tirou dessa experiência?

- Que eu não nasci para ficar só!

- Só isso? Mais nada? Não foi mais além?

- Não, não fui! Só sei que nunca mais viajo só!

- Você não acha precipitado fazer uso dessa frase “nunca mais”?

- Ah, não quero nem saber!

- Você não acha estranho o fato de um ser humano não conseguir sentir o prazer de uma viagem em sua própria companhia? Não conseguir desfrutar pelo fato de não estar acompanhado?

- Sei lá!... Sinceramente, acho que isso seja “normal”!

- E até onde ser “normal” é sinal de ser saudável? Creio que um sinal de saúde está na capacidade de estar bem consigo mesmo, em qualquer lugar, independente das situações externas. Se dependemos de uma companhia para podermos estar bem, se não conseguimos desfrutar da beleza do momento pelo fato de não estarmos acompanhados, não seria isso um sinal de falta de inteireza?

- Não sei não! Sempre ouvi dizer que o homem é um ser sociável!

- Eu concordo com isso e em nenhum momento estou afirmando o contrário ou então, fazendo apologia ao isolamento neurótico praticado por muitos. Mas, não conseguir ficar só por três dias apenas, para mim, extrapola em muito a saudável necessidade de se sociabilizar. Como você vê isso?

- Sei lá! Só sei que não quero passar por isso nunca mais!

- E como você espera se libertar desses sentimentos?

- Nunca mais viajando sozinho!

- Será que ao fazer isso você estará realmente se libertando desses sentimentos dos quais você está fugindo?

- Sei lá! Talvez!

- Não estaria com isso condicionando o seu bem-estar? Não estaria se limitando? Não estaria alimentando um modo de vida dependente?

- Não creio!

- Será que, ao se juntar com outra pessoa, você estará ficando livre da solidão, ou tão somente remediando a situação, sentindo apenas a metade da sua solidão? Tem até um insano ditado popular que afirma que “uma dor dividida é apenas meia dor”!

- Melhor meia dor do que sentir aquilo novamente com toda a sua propriedade!

- Mas meu querido amigo: meia dor ainda é dor! Você não prefere ficar totalmente livre da mesma? Prefere se conformar a buscar pela excelência do seu próprio ser? Prefere fazer como tantos: decorar sua cela do que encontrar as chaves da mesma?

- Quer saber de uma coisa... Acho que é melhor parar por aqui! Vim até aqui para poder desabafar um pouco, mas acho que com esse monte de perguntas vou acabar saindo ainda pior do que quando aqui cheguei!

- Ok, meu amigo! Se você prefere que eu me limite a colocar um pouquinho de sulfa sobre a chaga aberta desse seu furúnculo emocional, ao invés de apertá-lo e ajudá-lo a se libertar de toda impureza que no momento lhe infecta, causando-lhe esta dor insuportável, tudo bem! Esse é um direito seu!... Mas, desculpe-me, acho que você procurou pela pessoa errada. Se é consolo o que você busca, realmente não sou a pessoa mais indicada! Se você quer alimentar sua fragmentação o problema é todo seu. Agora, se você quer cuidar do ser que lhe faz ser, então, o problema é nosso!...

Bastante sem graça, curvou-se e manteve seus olhos voltados para o tapete da sala. Permanecemos em silêncio por alguns instantes. Abruptamente encheu seu peito de ar, deu um pulo do sofá e como uma criança birrenta começou a reclamar:

- Quer saber? Eu nem mesmo ia vir até aqui! Tinha mesmo pensado em me manter afastado por uns quinze dias e depois aparecer dizendo que tudo tinha saído as mil maravilhas, mas depois, pensando bem, vi que não estaria fazendo a coisa certa. Acabei de chegar; só tomei um banho e subi para lhe contar tudo o que aconteceu... E olha só como você me recebe: com uma baita tijolada dessas!

- Meu amigo, acho que você está se ressentindo com a pessoa errada. Eu não sou a razão do seu sofrimento; ele já está aí com você! Só que eu não posso me permitir compactuar com o seu conformismo! Não seria nada ético da minha parte! Gosto demais de você e por querer vê-lo em vôos mais altos e cheios de leveza é que me recuso em apoiá-lo com frases melosas, repletas de um mentalismo barato. Se é isso o que você busca, as prateleiras das melhores livrarias estão repletas desses livros de auto-ajuda que em nada ajudam! Pense bem nisso!

Um tanto desconcertado, tentou fugir do assunto, desviando o foco de si mesmo, perguntando-me sobre o que havíamos feito durante o feriado de Carnaval.

- Nada de especial! Ficamos em casa, lendo, descansando, assistindo alguns filmes, recebendo alguns amigos e assando uma carninha! Tudo com muita simplicidade!

-Isso é bom!... Então? O que você me diz? Teria algum livro para me indicar que talvez pudesse me ajudar a ver melhor essa merda toda?

- Olha só: quando estava trabalhando essa questão da dependência de relacionamentos, onde acabei optando por um período de solidão, dois foram os livros que muito me ajudaram. Um deles, de um psicólogo brasileiro, Flavio Gikovate, intitulado “Ensaios sobre amor e solidão”. Você o conhece?

- Já o vi num Programa da TV Cultura, o “Café Filosófico”!

- E o outro livro trata-se de uma coletânea extraídas das palestras feitas pelo pensador Krishnamurti, intitulado “Sobre o amor e a solidão”. Ambos me incentivaram bastante nesse emergencial movimento de abrir-se para o vazio fértil da solidão. Isso me faz lembrar a frase de um amigo e poeta que retrata bem o que há de mais sagrado nesse movimento: (...) É no vazio fértil de um bambu que a flauta se habilita para dar a graça do seu som...

- É realmente uma bonita frase!

- Se não tirarmos os nós internos do bambu, não há como a flauta nos brindar com sua melodia!... Meu amigo, nós somos esse bambu e o medo da solidão é apenas um desses nós que nos impedem de descobrir o som da nossa própria mensagem! Se você quer descobri-la precisa se abrir para o ferro em chamas que é a observação. Pense nisso!

- Ok! Prometo que vou pensar!

- Meu amigo, você não precisa me prometer nada; trata-se da sua vida e não da minha! Isso é apenas com você! A propósito: daqui a duas semanas vou reunir meus amigos para comemorarmos o meu aniversário. Gostaria muito de poder contar com a sua presença!

- Pode contar!

- Então? Você vai vir só ou acompanhado?
Juntos, caímos na gargalhada! Ele olhou nos meus olhos, abraçou-me e me beijou o rosto com a barba mal feita. Pude perceber que a nossa conversa havia rompido um pedacinho das paredes do seu birrento “eu”. Sabia que ele voltaria e estava feliz por ter sido firme com o que pedia meu coração. Sabia que nossa conversa havia lançado sementes que a seu tempo, criariam raízes e produziriam seus frutos, impedindo-o de se identificar, como muitos, com as estrofes do poeta:


(...) a solidão e fera, a solidão devora
É amiga das horas, prima-irmão do tempo
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração...


- Se queremos deixar de sofrer o descompasso causado pela solidão precisamos nos abrir para ela, dar-lhe as boas vindas e sentar com ela. É num fértil período de solidão que a lagarta, em sua crisálida, transforma-se na borboleta. Se tememos nos abrir para o vazio da crisálida, não podemos de forma alguma encontra por novas cores, maior leveza, beleza, graça e a possibilidade de alcançar novos horizontes nunca antes imaginados... Então? O que você vai escolher? A verticalidade dos instintos ou a horizontalidade apontada pela solidão?...

Desejo-lhe saúde e plenitude

E bons momentos de solitude!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!