Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

27 fevereiro 2008

Geração Doril

Depois das chuvas, a vegetação ganha muito mais vida, em especial, o tom alaranjado das várias flores cujo nome desconheço, nascidas bem ao pé das pedras de mármore que cercam a nossa pitangueira.
Uma jovem de olhar tristonho, caminhando pela calçada, inconscientemente arranca uma folha da pequenina árvore somente para lançá-la ao concreto alguns metros à frente, sem ao menos se permitir o conhecimento de seu aroma.
O vento frio e as pesadas nuvens em vários tons de cinza prenunciam mais chuvas para o período da tarde. A quantidade d'água proveniente das chuvas tem sido tanta que um tom musgoso já começa a se espalhar junto ao rodapé das escadas, onde recentemente pintamos de branco.
Devido o período de retorno às aulas, o transito ainda não voltou ao seu movimento costumeiro e, talvez por isso, a tiazinha da perua escolar freneticamente dispara sua buzina com quase 300 metros do local onde lhe espera a pequena Bruna, com seu sorrisinho banguela e a mochila nas costas. Quem sabe, por ainda ser criança, consegue não se irritar com o pesado e barulhento fluxo de carros, bem como com a neurose de seus condutores, espalhada através de suas buzinas e o modo apressado com o qual dirigem.
Na esquina, encostado à velha e pequenina banca de jornal, avisto meu conhecido Gino, numa postura parecida com aquela de quem tenta recuperar o fôlego. Após alguns minutos de espera silenciosa, segue sua caminhada em minha direção, com passos visivelmente vacilantes. Mantém a coluna bem mais ereta do que o de costume e, pela expressão do seu olhar, torna-se claro que em seus movimentos existe a presença de dor. Enquanto ele caminha, preparo uma cadeira para que possa descansar e prosear um pouco à sombra da pitangueira.
- Bom dia Gino! Como anda sua existência? Com vida ou sem vida?
- Como já deve ter percebido pelo meu andar, minha vida anda um tanto travada.
- O que se passa?
- Não sei dizer ao certo se é a coluna ou o meu nervo ciático. Só sei que travou tudo e o pior é que agora sinto que a dor está começando a se espalhar para a parte posterior da minha perna direita. Estou vindo da igreja messiânica; fui até lá para que me ministrassem o Johrei, quem sabe assim eu melhoro um pouco. Faz tempo que eu tenho esse problema, mas, como desta vez, nunca havia atacado antes. Já estou há dois dias sem poder me movimentar direito, trancado dentro de casa sem ao menos poder trabalhar. Preciso correr atrás do prejuízo, pois você sabe bem como é que é, na minha idade, não posso me dar a esse luxo.
- Quem sabe, talvez a sua coluna esteja gritando por causa do acumulo de "prejuízos" que você possa estar carregando na sua mochila.
- Vai saber... Não acho nada difícil.
- Sabe, não sei se é ou não verdade, mas, dizem alguns místicos que as dores nas costas significam que podemos estar carregando fardos que não são nossos e, portanto, não são de nossa responsabilidade... Que estamos aceitando um modo de vida que difere muito com aquilo que pede o nosso interior.
- Olhando por esse prisma, até que faz bastante sentido... Tenho consciência de que muita coisa precisa ser revista e, entre elas, muitas devem ser deixadas de lado, no entanto, confesso que tenho medo de mexer com isso. Falta coragem.
- Gino, você tem consciência do que acabou de me dizer?
- Não precisa fazer essa cara de irmão mais velho... Claro que tenho!
- Então, vai ver que é por isso que a inteligência do seu corpo está fazendo você travar... É preciso ouvir os gritos do nosso corpo. Penso que toda a vez que o ser humano insiste em fazer vistas grossas para as situações conflitantes do seu cotidiano, quando insiste em manter os olhos e os ouvidos fechados para aquilo que o mantém estagnado, rapidamente a inteligência corporal entra em ação. O pior de tudo, é que muitos de nós fazemos parte da geração "Doril"...
- Sim, tomou "Doril, a dor sumiu"... Só que no meu caso não funciona bem desse jeito. Mas, e você? – Disse-me ele, tentando desviar a atenção do assunto.
- Que tenho eu? Que gostaria de saber?
- Como vai seu romance, ou melhor, seu casamento?
- Ah! Casamento... Sei!... Bem, aqui, de fato, as mentes continuam casadas. Está havendo um constante movimento de casamento, tanto na vertical como na horizontal.
- Isso é muito bom de ouvir. Se não tiver esse constante casamento na vertical, por melhor que seja a constancia e a qualidade do balanço na horizontal, não há tempo que impeça as colunas da casa um dia vir abaixo.
- Você escutou bem o que disse?
- Sim! – Respondeu-me com um sorrisinho maroto no canto do olhar, enquanto abaixava a cabeça levando a mão sobre sua calvície.
- Pois é! Sem a menor sombra de dúvida, se não existir esse casamento dos fragmentos da mente, não há como se tornar uma pessoa e, sendo apenas meia pessoa, não há casamento que agüente. Casamento tem que ser o encontro entre duas pessoas e não entre duas metades. Esse papo de "a tampa da minha panela" ou "a metade da minha laranja", para mim, é pura insanidade.
- Pior é que é isso o que a gente mais escuta a vida toda. Cresci ouvindo isso na minha família!
- É por isso que o que mais se vê por aí é esse nefasto movimento de empurrar a vida com a barriga – ou então com a coluna – esse conformismo e o comodismo de um jogo de interesses velados a dois. E assim a vida vai passando e essas pessoas "não saem de Ford e nem saem de Cinca"...
- Vê se pega leve!
- A carapuça serviu?
- Deixe-me ir, senão, daqui a pouco não consigo nem mesmo chegar à padaria. Agora vou nessa. Noutra hora passo por aqui para conversarmos com mais tempo, além do que, preciso passar aqui para pegar umas dicas de filmes com você.
- Para com isso! Está pensando que sou romeiro? Romeiro é que vive de promessa! Você só fala. Tudo bem! Vai nessa, mas vê se se cuida!
E, com o sorrisinho maroto no olhar e as mãos apoiando sua região lombar, lá se foi Gino em seu vacilante caminhar, enquanto eu, em meio de minha insatisfação, continuo a apreciar as cores alaranjadas da anônima flor crescida em nosso canteiro em tempos de carnaval.

Você não pode mentir sobre a sua natureza

22 fevereiro 2008

Ternura

Agora são 16h50minm. Ainda tenho alguns serviços de diagramação para fazer, no entanto, confesso que não tenho a menor disposição para fazê-los. No peito, uma estranha mistura de sensações: um vazio que clama por ser preenchido com uma broinha de milho da padaria e, juntamente com este, uma conhecida quentura parecida com aquela vivida em outros tempos... É uma quentura doce, bem no centro do peito, como uma presença... É como se o ar que passa pelos pulmões estivesse em brasa. É algo tão bom que o corpo pede por ficar imóvel, como mero expectador, enquanto a mente suplica por ação, por distração.

Aritmética do ser

Família, certidão, batismo, comunhão, crisma, religião.
País, capital, sexo, sangue, filiação.
Escola, cursinho, faculdade, diploma, doutorado, especialização.
Vestimenta, calçado, relógio, etiquetas, celular, estética, malhação.
RG, CPF, Serasa, SPC, conta bancária, cartões, aplicação.
Casamento, residência, mobília, automóvel, viagens, procriação.
Valores, sucesso, seguros, aposentadoria, blindagem, proteção.
Nickname, e-mail, site, blog, Orkut, virtualização.
Livros, palavras, textos, imagens, conhecimento, opinião.
Não sou nada disso; não sou nada criado pelo pensamento.
O que sou é invisível aos olhos...
Noves fora... Nada!

Peregrinos do Ser

saotome17
Pelo desejo
Da chama que não se apaga,
Alguns caminham
Pelos monastérios do Monte Athos.
Outros se abismam,
Nos mistérios silenciosos de seus atos.
Muitos mais peregrinam
Junto às estrelas de Compostela.
Raríssimos são os que se inclinam
Ao entendimento do que se passa
Pelos espaços de suas costelas.
Que desejo
Lhe chama e nunca se apaga
E por qual você caminha?
Que estrela lhe faz peregrino?
O que se passa com você
Quando tudo passa
Restando apenas espaços vazios?
Quando estes se apresentam
Para onde se orientam
Seus vacilantes passos?

Nelson Jonas

21 fevereiro 2008

O que estamos buscando?

O homem e seus desejos em conflitos
Entre outras coisas pergunta-se:
Como viver neste mundo
Fora da violência?
Onde está a bem-aventurança
Capaz de revelar
O mistério da compreensão?
Já próximo da essência da maturidade
Na pele passa a sentir
A importância da transformação.
Passa a buscar pela
Verdade libertadora
Capaz de levá-lo
Da insatisfação à felicidade.
Perguntas e respostas
Formuladas sobre
A cultura e o problema humano,
A conquista da serenidade,
A realização sem esforço,
Sobre o porquê não lhe satisfaz a vida
Direcionam-lhe para
O começo do aprendizado
Com o qual aprende
Uma nova maneira de agir.
Dá então, o passo decisivo
E passa a buscar pelo
Autoconhecimento – base da sabedoria.
Inicia uma viagem por um mar desconhecido
Em busca do homem livre,
Do novo ente humano.
Experimenta um novo caminho
De mutação interior
Através da observação
Da mente e o medo.
Faz reflexões sobre a vida,
Sobre seu verdadeiro objetivo
E passa a tecer
Comentários sobre o viver
E diálogos sobre a visão intuitiva.
Exercita então,
A arte de aprender a ensinar e aprender.
Levanta para si mesmo
A questão do impossível:
Se existe ou não
Essa luz que não se apaga,
Essa suprema realização,
Essa única revolução
Que é em si mesma,
A primeira e a última liberdade.
Percebe então que
Nosso único problema
É o medo de alçar
O vôo da águia...
E longe dos pés do mestre
Tem a percepção criadora
Da fonte da sabedoria
Onde nela brilha
Nossa luz interior.
E, através da mesma
Compreende que
O futuro é agora...
E, a partir de então, a pergunta
O que te fará feliz?
Deixa de ser o alvo de suas
Meditações
Uma vez que teve a seriedade
Para atravessar o imenso deserto
Capaz de levar o ser humano
Da solidão à plenitude humana.

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Em agradecimento a Krishnamurti

20 fevereiro 2008

Deserto do Real


Olá, Pequeno! Espero que você esteja bem e que sua insatisfação não esteja alcançando picos tão altos quantos os meus.

Estou lhe escrevendo para compartilhar um pouco dos meus sentimentos do dia. Neste exato momento são 14h06min e lá fora o sol está ardido com o ar bastante seco. Aqui dentro do peito, a secura parece chegar ao nível mais alto por mim já vivido e, o pior de tudo, é que nem sinal de uma pequenina nuvem de chuva se quer. Tudo é deserto...

Acabo de me excluir de uma comunidade no Orkut, na qual entrei com a expectativa de poder compartilhar de alguns textos de Krishnamurti. Muito antes da existência do Orkut, eu já fazia parte de um fórum de Mensagens no MSN, o qual também deixei por causa do intelekrishnamurtismo presente na mesma. Era – e ainda me parece ser - uma verdadeira guerra de egos, onde vários membros pareciam estar ali não para encontrarem material reflexivo, mas sim, para disputar um palavrório com o qual nada se consegue. Cada palavra sua era analisada, com um clima analítico inquisitório. E a maior das piadas: um dos membros se colocava como uma espécie de "explicador de Krishnamurti", tratando de enviar diuturnamente, páginas e mais páginas dos textos do K, sublinhados, em negrito, EM CAIXA ALTA com suas explicações egocêntricas colocadas entre parêntesis, isso quando não era o texto todo SUBLINHADO, EM NEGRITO, ITÁLICO E CAIXA ALTA E COM A COR DIFERENCIADA... Creio que seja capaz para você imaginar o quanto era irritante se deparar com um texto neste estilo. Por mais que K tivesse deixado claro em suas palestras de que "Os ensinamentos são importantes por si mesmos e intérpretes ou comentadores apenas os distorcem, sendo aconselhável ir diretamente à fonte, os próprios ensinamentos, e não valer-se de nenhuma autoridade", o membro em questão insistia com autoridade, manter tal comportamento. Como penso que controvérsias públicas não podem nos levar a nada, deixei de lado tal grupo.

Hoje, passado algum tempo, através de uma nova ferramenta on-line, o Orkut, percebo que as coisas continuam na mesma. Parece que nesses grupos de "discussão" – acho que esses grupos deveriam ser chamados de "grupos de controvérsias" – ninguém sofre. Todos são pessoas bem resolvidas, equilibradas, livres de qualquer tipo de dúvida, de insatisfação, de tédio, do sentimento de mesmice ou de secretas compulsões... Nada disso! Chego a apostar que se fosse possível o próprio K surgir novamente neste espaço tempo, fazendo uso de um "Nickname" qualquer, esses membros com certeza tratariam logo de dissecar cada uma de suas letrinhas com um intelektualismo egocêntrico de causar irritação em qualquer santo. Ali, você precisa estar atento a cada letra desde o título, o conteúdo do "post" e sua assinatura. Não há um real clima de "comum unidade", mas sim de "análise comum", de "disputa de razão". Creio que é justamente por isso que comunidades como esta não crescem e não pela dificuldade de compreensão dos ensinamentos do K, como alguns destes membros controversos tentam justificar o mirrado número de membros atuantes. Esses membros, sem perceberem, adotam uma postura de "especialistas em K" e acabam quase sempre por inibir uma amigável troca de idéias. Como não conseguem perceber as coisas por si mesmos, invariavelmente acabam se escudando nos próprios textos do K e, desse modo, gerando em si mesmos uma "atrofia perceptiva", termo este que foi muito bem colocado por um dos membros da comunidade:

...A atrofia perceptiva pode acontecer quando nos transformamos em especialistas... Mais importante que ENCONTRAR um exemplo prático de um determinado conceito é valorizar e prestar atenção aos processos subliminares, as novas percepções que vão sendo criadas, aos insights.

Acredito que o processo de autoconhecimento não pode ser realizado apenas de forma analítica, pois nenhum sistema de análise vai fazer jus a complexidade e singularidade de cada ser humano.

Todo sistema de análise acaba de certa forma "possuindo" quem o adota, programando seu jeito de pensar, de tal forma que ao olhar para algo só o que encontramos é o próprio sistema. Ao observar um mesmo fato um filósofo vai encontrar filosofia, um artista encontrará a arte, um psicólogo a psicologia, e por ai vai... Pois cada um deles estará condicionado a ver o mundo sobre um determinado ponto de vista. Isto pode ser bom por um lado, mas também pode ser muito prejudicial se não conseguimos preservar a singularidade e espontaniedade das avaliações que realizamos quando somos IGNORANTES (no sentido de não carregar toda uma bagagem conceitual).

E vejo que é exatamente isso que acontece nesses grupos com vários dos seus participantes: trocam os condicionamentos do passado pelos condicionamentos de suas observações sobre as observações feitas pelo K. Creio que seria interessante colocar uma tarja colorida bem na entrada dessas comunidades com os seguintes dizeres:

NÃO FAÇA DE KRISHNAMURTI UMA DROGA: A VÍTIMA PODE SER VOCÊ

Mas, o que realmente interessa não é a ação desses membros, mas sim, compartilhar do meu momento atual. Sinto que estou num enorme deserto. Não há mais para onde correr, para onde ir, onde freqüentar e até mesmo o que ler. Sinto como nunca ser uma máxima o teor do dito popular: quanto mais é dado mais se é cobrado. O fato é que a clareza das observações feitas por Krishnamurti acabou jogando tudo por chão. Nenhum sistema de crenças ficou em pé, o que acho uma verdadeira benção, pois a crença é somente para os infantes. Creio que as observações feitas por K funcionam exatamente como um "programa de desilusão que em seu devido tempo, acaba se auto-desprogramando", como se fosse uma espécie de "softer" carregado num arquivo temporário, com o intuito de deletar todos os vírus do sistema social que por anos e anos tomou conta do nosso hardware cerebral. Sinto-me num "ponto zero" onde absolutamente nada do passado parece fazer sentido, inclusive os próprios textos de Krishnamurti. Sinto uma necessidade imperiosa de deixá-lo para trás, assim como todos os tipos de ferramentas pelas quais fiz uso para compreender a minha dor existencial, das quais, como resultado, consegui a visão de mundo que tenho hoje: uma verdadeira Matrix, onde todo sistema falhou. É uma espécie de limbo, ou seja, não dá mais para voltar ao antigo modo de vida (não voltaria nem se fosse possível), mas também, não me vejo como uma pessoa livre. De fato, há uma maior compreensão das dificuldades presentes na vida de relação, mas, no entanto, não existe a libertação das dualidades criadas pela mente. Há uma lucidez que demonstra a total insanidade de recorrer aos velhos e disfuncionais mecanismos de fuga gerados pelo sistema, mas, não há a presença de paz: ao contrário, há uma inquietude constante, um perene descontentamento, uma imensurável insatisfação. Como nas falas do personagem Morfeu do filme Matrix: seja bem-vindo ao deserto do real. Não dá mais para me iludir com as chupetas e chuquinhas do sistema: preciso de alimento sólido.

Talvez, ao ler este texto, você possa estar se perguntando: de que valeu então tudo isso? Posso lhe afirmar que, onde todos enxergam prejuízo, vejo lucro. Não troco a gritante insatisfação que sinto hoje pela euforia gerada pelos manjares ilusórios do passado. Estou ficando com "o que é" que está se passando aqui e agora dentro de mim. Como escrevi no texto anterior, sinto-me num momento de total impotência sem resistência e confesso que estou me sentindo uma nulidade, um zero, sem saber qual é a ação a ser tomada, a não ser a ação de não me entregar novamente ao processo de reação condicionada... Como nos dizeres do poeta:

"Eu não quero mais mentir, usar espinhos que só causam dor, eu não enxergo mais o inferno que me atraiu, dos cegos do castelo me despeço e vou a pé até encontrar um caminho o lugar pro que eu sou"...
É isso aí irmano... Agora me despeço e vou cuidar, não de você, mas de mim!

Quem ouvir algo de novo, grite alto!

Um abraço fraterno, do seu sempre amigo, JR.
Fui!

18 fevereiro 2008

Impotência sem resistência

O som da campainha do Messenger por pouco não foi abafado pelo forte som dos pingos da chuva contra a cobertura de zinco do prédio ao lado. Pegou-me distraído em meio dos meus questionamentos rotineiros sobre o sentido da existência humana. Do outro lado da tela, para minha surpresa, um amigo que há tempos estava sumido da net.
- JR? Está por ai?
- Olá Erick! Que bom revê-lo em minha tela! Como vão as coisas por aí?
- Caminhando!
- E a sua criança? Está cuidando bem das demais crianças da casa?
- Estou tentando! Com dificuldades, mas caminhando! E você?
- Estamos aqui nos contrariando!
- Como assim, JR?
- Cumprindo com as obrigações criadas pelos nossos ancestrais e não questionadas pelos chamados "normais"?
- Esse é o véio JR!... Sempre brincando com as palavras!
- Antes fosse brincadeira, Erick! Já parou para questionar tudo aquilo que chamam de obrigação?
- Se eu fizer isso, acabo louco!
- Desculpe-me meu amigo, mas, acho que não questionar isso tudo é que nos mantém nesse modo de vida que há muitos leva à loucura.
- Não sei não, JR!... Acho que a gente não pode levar a vida tão a sério... É preciso ver o lado bom de tudo senão a vida fica muito pesada. Acho que quando a gente faz assim, fica muito mais fácil de dar um sentido as coisas...
- Erick, desculpe-me, mas para mim, sua última frase é totalmente sem sentido. Essa história de "você" dar o sentido é totalmente ilógica, uma vez que esse "você" é o grande causador de todos os problemas. O grande problema, para mim está na limitação de visão do tal "você". É ele que nos mantém nessa – desculpe-me a palavra – merda de rotina.
- Entendo. JR, você não está mais fazendo palestras voltadas para a espiritualidade?
- Não, parei com tudo: nem faço e nem assisto.
- Por que disso? O que te irrita nesses tipos de palestras?
- Diga-me uma coisa Erick: como é que pode alguém que ainda não se libertou, querer ficar falando sobre um monte de temas? Tem mais: estou mais ocupado com outras atividades. Atualmente, o que mais me pega é a impotência que sinto diante da falta de possibilidade de uma existência com real sentido. Quanto às palestras, sou extremamente sensível a falsidade dos "ares de espiritualidade". Não agüento essas "falas mansas", totalmente carregadas com o egocentrismo sacerdotal.
- Entendo.
- Não agüento ver neguinho imitando Buda, Cristo, K ou quem quer que seja, ou então repetindo um monte de frases prontas extraídas desses livrinhos de auto-ajuda. Dá para sentir isso até pela aparência física dessas pessoas. Esses palestrantes querem ser tudo e falar sobre tudo, menos sobre a realidade deles. Não agüento isso.
- Imagino, JR. Sinto o mesmo que você quando me deparo com esses atuais "mestres de meditação e relaxamento".
- Pois é! Nenhum deles aparece na frente da câmera e diz o que realmente sente, não falam do tédio, da ansiedade ou da insatisfação... Ao contrário, aparentam uma vida "Doriana" onde é tudo bonitinho com final feliz! Nenhum deles fala sobre as loucuras que fazem quando ninguém os vê, do que se passa no interior do "quarto escuro" de suas mentes...
- Isso é um fato! Vivem proclamando uma paz interior que só engana os mais desesperados.
- Erick, estou farto disso tudo: Palestras, livros, internet, fóruns, Orkut, comunidades que nada tem em comum... Estou farto de todo esse palavrório, de toda essa masturbação mental... É tudo ego e interesses velados. E quer saber? Acho melhor o ego de um egoísta assumido do que o ego de um egoísta mascarado de espiritualista... Raça de hipócritas... O que os move é a respeitabilidade e o desejo de poder, prestigio, reconhecimento social e dinheiro.
- De fato, não se vê seriedade em quase nada! É muita papagaiada...
- Somente disputas acirradas por razão travada entre vários idealistas falidos. Não tenho mais saco e energia para nada disso. Eu quero saber por mim mesmo o que é que pode dar um real sentido a minha existência e não uma distração a mais.
- Sinto o mesmo!
- Não faz sentido algum acordar todos os dias somente para correr atrás de alguns suados e mirrados trocados, somente para pagar as "obrigações"... A palavra já diz: tudo é obrigado.
- Pois é, nada é de graça ou vem pela graça... Tudo é forçosamente forçado sem o menor questionamento.
- Pior é que se você questiona, acaba sendo rotulado de "utópico", ou então, de ter uma visão de vida tipo "don quixotiniana".
- Parece que hoje você está num daqueles dias, JR... Deve ser a síndrome de segunda-feira... Brincadeirinha!
- Quer saber? Tem horas em que a minha vontade é mandar tudo e todos para a...
- Não é diferente comigo, JR! Tem vezes que esses tipos com "carinha de felicidade", com ares de "senhor entendido e resolvido", quase me mata... Pior são aqueles cujo tamanho da pança demonstra o quanto são insatisfeitos e o quanto tentam matar a insatisfação pelo estomago... Pior que alguns deles chegam até ter horários na televisão. O foda é que parece que ninguém vê isso...
- Há!... Esses sorrisinhos de mestre espiritual ou de pastor de ovelhas é uma coisa de louco... Eu não tenho mais estomago para isso...
- Pelo jeito, JR, o bicho está pegando aí do seu lado!
- Nem me fale! Não tenho mais estomago para ouvir esse pessoal "mal amado e mal trepado", com suas roupinhas coloridas, repletas de adornos, vendendo felicidade de prateleira esotérica ou religiosa. Não consigo ver felicidade nessas pessoas... Basta uma boa olhada no fundo do olhar para perceber que o único brilho existente é o da brilhantina ou do laquê dos cabelos.
- Realmente não tem vestígio de vida alguma.
- Não tem expressão!... Fico me questionando quanto ao por que da dificuldade dessas pessoas assumirem o próprio tédio, a insatisfação e a falta de sentido... Por que é mais fácil se iludirem com toda essa pompuosidade espiritualista? Chego a sentir nojo de tudo isso. Eu te pergunto: olhe bem para todas essas figuras que estão por ai nesse imenso mercado de auto-ajuda-religioso que em nada ajuda... Você entregaria seus segredos para algum deles?
- De modo algum... Pura papagaiada, papagaiada e mais papagaiada... Tudo engrenagem de um sistema financeiro escondido na capa da auto-ajuda esotérica ou religiosa. Também sinto uma profunda alergia disso tudo. Pra onde olho, só encontro pessoas psicologicamente falidas, imitando um monte de gente. Fico me perguntando onde foi parar a originalidade?
- Eu confesso que gostaria imensamente de conhecer alguém realmente sério com a coragem de falar abertamente sobre a realidade vazia de sua vida. Alguém que gostaria de estudar junto essa questão que assola há todo mundo, seja de forma consciente ou inconsciente. Mas o fato é que desconheço quem queira estudar com seriedade essas questões... A maioria está em busca de distração, de palavras e mais palavras vazias jogadas ao vento encostados num balcão qualquer. As pessoas não estão querendo entrar em contato com o que realmente sentem.
- Vejo que o tédio é a grande realidade humana. Mas, como a grande maioria não agüenta ficar com isso, correm atrás de qualquer tipo de distração de aluguel... Um novo mp3, um videozinho, um texto qualquer, uma nova comunidade, abrir a caixa de e-mails ou o Orkut 40 vezes ao dia atrás de uma mensagem que valha a pena, um flertezinho pelo Messenger com aquele carinha que mora num país distante...
- E não se esqueça: a noite uma transadinha básica!
- Seria cômico se não fosse trágico! Mas, essa me parece ser a rotina da grande maioria das pessoas.
- Pois é, JR! Só que ninguém quer falar disso! Nada disso: ao contrário, empurre tudo isso com a barriga para debaixo do tapete! Hipocrisiaaaaaaa eu quero uma pra viver!...
- Erick, você me parece ocupado, vou desligar. Deixarei você com você mesmo, afinal de contas, no inicio de nossa conversa, você me disse que está de bem com você!
- Não é bem assim, sabe como é: força de expressão!
- Se não está ocupado, porque demora tanto para dar continuidade em nossa conversa?
- Sabe o que é?
- Não!
- Em nossas conversas, quase sempre você acaba dando um nó na minha cabeça. Quando saio do Messenger, nem sei prá que lado vou! Fico lendo suas frases e imaginando você emputecido com a minha falta de coragem de meter a mão na minha realidade e deixar de vez o meu conformismo e a minha zona de conforto. Tem outras vezes em que fico com medo de dizer alguma bobagem... Essa é a verdade! Aí eu fico me questionando: se nada faz sentido, o que a gente está fazendo aqui e agora? Temos que dar um sentido e, na real, penso que somos nós mesmos que damos sentido aos acontecimentos em que estamos envolvidos.
- Penso que uma coisa é algo realmente fazer sentido e outra bem diferente é a gente querer dar um sentido as coisas...
- Da maneira que você fala, parece-me que a única opção que se apresenta é ficar com essa impotência...
- Não sei, só sei que o que sinto agora é impotência sem resistência e estou sentido ela como nunca antes. Não quero mascará-la ou então anestesiá-la. Estou com ela aqui e agora e digo que de fato é extremamente dolorida.
- Entendo.
- O fato é que percebo o quanto que as pessoas têm medo de se depararem com a própria realidade de suas vidas, com o vazio de suas relações, de seus trabalhos, de suas existências sem vida. E vejo que, para não entrarem em contato com essa triste realidade, se entregam para algum sistema de crença, algum ritual, alguma benzedeira, ao consumismo ou até mesmo, geram filhos! Tudo na expectativa de saírem da mediocridade em que percebem viver. No entanto, não conseguem ficar de frente com a própria irrealidade da realidade em que vivem.
- Digo por mim, se fico longe dessas minhas distrações, começa a surgir um monte de dores pelo meu corpo... Começo a somatizar doenças, começo a entrar em depressão e acabo recaindo num dos meus padrões de comportamento compulsivo. Quando não recorro a nada disso, percebo-me recaindo no intelectualismo. É fogo: se correr o bicho pega se ficar o bicho come.
- Pois é faça o que fizer o tédio, o vazio, a insatisfação, a falta de sentido e a incapacidade de saber de verdade o que é estar em paz, o que é o amor, continua lá... Comendo lentamente nossa existência.
- Sim! Pior é que é isso que mesmo que tenho visto acontecer comigo. É só começar a falar sobre isso que minha cabeça começa a dar um nó... Sinto que agora preciso sair para tomar um ar...
- Que acontece?
- Meu cérebro parece estar fritando!
- Disse alguma asneira?
- Você? Imagine!
- Meu amigo, tem que existir algo pela qual eu possa dizer que valeu encarnar neste espaço tempo.
- Eu me pergunto a mesma coisa.
- Caso contrário, seria um grande desperdício da natureza, criar um ser para viver nessa rotina ridícula, apressada, barulhenta e sem sentido.
- Concordo plenamente! Não faz sentido viver num mundo onde tudo é grana... É muita desgraça, nada ser de graça, ou pela graça.
- Tudo bem! Vai lá tomar o seu ar! Nessa impotência sem resistência, tente manter-se vivo sem estar morto em meio de tanta falácia, falta de ressonância, nesse abismal vazio que não tem eco... Cuide-se bem! Fui!


13 fevereiro 2008

Bafo de boca

Sim! Definitivamente, Luciano Pires tem razão nas linhas de seu texto, intitulado, “Quem escreve”. Nele, o autor expressa com clareza aquilo que têm que agüentar aqueles que escrevem, sejam pelos e-mails recebidos, ou pelas disputas intelectualistas presentes nos incontáveis fóruns espalhados pela rede. Nas palavras de Luciano:

...“Nestes tempos internéticos, o frio aparece no momento em que apertamos a tecla “enter” e lançamos nossos escritos ao mundo. Em segundos milhares de pessoas estarão lendo o que escrevemos. Nossas idéias serão apreciadas, desprezadas, amadas, odiadas, encaminhadas. Seremos julgados. Pessoas tirarão conclusões sobre nossos valores e convicções com base no que entenderem de nossos textos. E nunca sabemos por antecipação como nossos escritos serão entendidos.”

E, a partir daí, o que não falta são as criticas, na grande maioria dos casos, quase sempre uma resposta irrefletida disparada pelo fundo psicológico do leitor, repleta de “achismos” do mesmo. E, nesse caso, o teor do que o escritor tentou passar através da limitação das palavras, perde-se nas lentes escuras do fundo psicológico do leitor. E o pior de tudo: não raro, ao invés das idéias serem analisadas, analisa-se o escritor...

Neste final de semana, durante as comemorações do aniversário de uma amiga, seu companheiro meu mostrou um vídeo extremamente interessante a respeito da promiscuidade sexual e a alarmante estatística dos casos fatais causados pela AIDS. Como nas palavras deste meu amigo, o vídeo é de uma terrível beleza estética e conceptual a serviço de uma triste Realidade: A cada 10 segundos, uma pessoa morre devido o vírus da AIDS.

Como achei o vídeo bastante interessante para ser usado na Arte de Cuidar do Ser, pedi ao meu amigo para que me encaminhasse o link do mesmo para que eu pudesse disponibilizá-lo em nosso site, bem como retransmiti-lo para aos nossos contatos. Dois dias após, ao abrir os meus e-mails, com alegria deparo-me com o link www.lepoison.com/sidaction...

Rapidinho, tratei de encaminhá-lo para os meus contatos e acabei cometendo o deslize de também encaminhá-lo para uma comunidade no Orkut, onde são debatidas entre outras coisas, as idéias de um homem que pelo que tudo indica, “parece ter dado certo”... Pronto... Em poucos minutos vejo as palavras do Zé expostas no fórum:

...Interessante associação entre sexo e morte, entre Eros e Tanatus. Eu acho esta campanha burra e ineficaz. Sexo em si, todos sabemos, faz parte da existência, assim como o nascimento e a morte. Do jeito que é apresentado, parece que o sexo é o agente etiológico causador da SIDA, e não o vírus... A ignorância é o verdadeiro fator de morbidade e de risco. Acho mais produtivo focar as campanhas no uso de preservativos, do diagnóstico precoce da gestante, e na educação do jovem para o auto cuidado e a auto-responsabilidade para com a sua própria saúde. Sexo não mata. Afinal a vida não é uma doença mortal sexualmente transmissível.

Para outro participante, aquilo que vi, acabou também refletido em seu olhar: um vídeo prá lá de criativo e de uma arte da realística triste. Mas a coisa não parou por aí... O forense critico ainda não satisfeito com a tentativa de impor sua razão, escudou-se em textos e mais textos extraídos do autor estudado em tal comunidade, para defender que tal campanha apresentada pelo vídeo seja realmente “burra e ineficaz”.

Não perdi tempo em alimentar controvérsias... Eu não creio que tal campanha possa ser vista como “burra e ineficaz”. Penso que realmente burra e ineficaz é toda e qualquer critica irrefletida, que por sua vez é sempre destituída de propostas seguidas de ação.

Como nas palavras de Osho:

Na verdade, quem consegue criar, cria; e quem não consegue criar, critica.
Pessoas não criativas se tornam grandes críticos.
É fácil criticar poesia, mas é difícil escrever poesia.
É fácil criticar uma pintura – você pode criticar Picasso, mas não consegue pintar como Picasso.
É fácil criticar tudo.

Como costumo dizer: Bafo de boca não cozinha ovo! Difícil é estudar novas possibilidades e, mais difícil ainda é com seriedade, lançar-se à ação.



Clique aqui para ler o texto de Luciano Pires, intitulado "Quem Escreve"
Clique aqui para ver o vídeo em full screen

12 fevereiro 2008

Estações do Ser

Há dias que nada escrevo.
Feito um deserto
Onde nem mesmo idéias gotejam,
Assim se faz o meu instante.
Tudo ao redor
Feito miragem delirante,
Nada sacia...
Foi-se o tempestuoso tempo do ser
Bem como o curto tempo de calmaria.
Agora, em silêncio a alma vivencia
A estiagem do não ser
Causando uma interior precipitação
Por efeito da dor em condensação
Cuja dimensão não pode ser medida.
E, envolto nessa atmosfera,
Uma pequenina gota que seja,
A alma espera.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!