Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

29 novembro 2007

Palavras

Mais um dia de céu limpidamente azul, em que a brisa leve não é capaz de trazer frescor para o calor dos fortes raios solares. Do outro lado da rua, algumas senhoras caminham pela calçada sobre a proteção colorida de suas sombrinhas, enquanto que deste lado, a insensibilidade dos pedreiros da construção, faz com que as pessoas tenham que perigosamente caminhar pela rua, uma vez que preparam o concreto a ser usado na laje, usando a totalidade da calçada. Nessas horas, nenhum fiscal da prefeitura aparece por aqui.

- Bom dia, JR! Está tomando conta da árvore?

- Não, Sr. Pitágoras, ela é que está tomando conta de mim, protegendo-me com sua sombra, dos fortes raios de sol dessa manhã maravilhosa.

- Como é? Não está lendo como de costume? Essa cena já está fazendo parte do dia a dia das pessoas que caminham por esta calçada.

- Hoje não, tirei a manhã para meditar um pouco.

- Você quer dizer, pensar um pouco?

- Não, digo meditar.

- Mas, meditar não seria fazer uso de uma determinada técnica para tentar silenciar a mente?

- Se assim fosse, então, a palavra mais correta seria "tecnotizando", ao invés de meditando, o senhor não acha? – Risos.

- Essa questão do uso da palavra é muito complexa.

- Levando em questão que a palavra não é a coisa, então, tudo bem. Se o senhor acha que o termo mais correto seria "pensar", então, que seja assim. O importante é nos entendermos, ficar com espírito da coisa e não com a limitação da palavra que divide.

- Acho importante prestar atenção no uso correto das palavras. A maioria das pessoas nem se quer possuem a consciência de que a palavra tem poder.

- Pudera, nunca fomos ensinados, ou melhor, incentivados a "meditar" sobre as palavras. Ao contrário, vejo que desde a mais tenra idade fomos condicionados a nos manter bem afastados de um dicionário. Lembro-me que fazer uso de um dicionário era recorrer a ajuda dos "pais dos Burros". Não é dessa forma que as pessoas se referem ao dicionário?

- Sim, é verdade!

- O resultado é que a grande maioria das pessoas acaba ficando somente na superfície etimológica e, portanto, recebendo tudo conforme seu fundo psicológico. E, como resultado, a palavra – que é um símbolo – não consegue atingir o seu simbolizado.

- É por isso que digo ser de máxima importância o bom uso da palavra. Um povo que desconhece sua língua é muito mais fácil de ser manipulado.

- Sem dúvida!

- Mas, você quer dizer com isso que não costuma "meditar" no sentido como esta palavra é usada pelo senso comum?

- Não mais, Sr. Pitágoras, não mais!... Isso para mim já é pele de cobra... Já descartei esse tipo de prática há muito tempo atrás. No entanto, devo lhe dizer que durante alguns anos também acreditei no uso dessas "técnicas", sendo que cheguei até a fazer uma verdadeira via cruxis por vários chamados "Centros de Meditação".

- Dias atrás eu estava na padaria tomando meu café da manhã, quando um bem editado folheto me chamou a atenção.

- Acho que sei de qual folheto o senhor está se referindo.

- Era um todo preto com uma imagem estampada de Buda, só não me recordo o nome da instituição...

- "Meditadores Urbanos".

- Sim, isso mesmo!... Meditadores Urbanos. Achei o nome bastante sugestivo, só não achei interessante ter que pagar para silenciar a mente... Só essa questão de ter que envolver dinheiro, já gera barulho em minha mente.

- Talvez tenham meditado muito para poderem criar esse nome! Ficou muito bom!

Nossa conversa foi interrompida pelo toque insistente do telefone da loja.

- Por favor, senhor Pitágoras, me dê um segundinho para que eu possa atender a ligação.

- Fique a vontade.

- Enquanto isso, deixe que a sombra da pequena pitangueira cuide do pipocar dos pensamentos da sua mente.

(...)

- Sincronicidades! – Exclamei com um enorme sorriso no rosto, enquanto caminhava em sua direção.

- Que têm elas?

- Antes de o senhor chegar, eu estava meditando a respeito do termo "consumose".

- Consumose? Que diabos significa isso? Desconheço essa palavra!

- Essa não está no seu arquivo?

- Essa não! Vai ver que é por causa da edição do meu "Pai dos Burros" ser bem mais antiga do que a sua. – Respondeu-me com seu sorriso amarelado.

- Sim, esse termo não se encontra em nenhum dicionário. Tenho meditado nele como uma forma de simbolizar a patologia do consumismo, essa terrível doença resultante desse capitalismo selvagem criado pelos selvagens homens ditos civilizados.

- Interessante!

- Mas, como lhe dizia, estava rindo por causa das sincronicidades. Veja, eu estava aqui meditando sobre a patologia do consumo, quando recebo uma ligação da equipe de edição do SBT, solicitando o telefone de um grupo de auto-ajuda, nos mesmos moldes de A/A – Alcoólicos Anônimos -, para pessoas que tenham a compulsão pelas compras.

- Mas, por que eles ligaram para você? Qual a sua ligação com eles?

- Nenhuma. Chegaram ao meu telefone devido ao conteúdo do site da Cuidar do Ser. Nele, tenho um link que indica vários grupos que ajudam a Cuidar do Ser que nos faz ser. Por isso ligaram para mim. No entanto, não conheço a existência de um grupo especifico para a questão da compulsão pela compra. Só sei da existência de um grupo chamado "Devedores Anônimos", foi isso o que disse para eles.

- Me fale mais sobre essa tal de "consumose".

- Ainda não tenho nada escrito sobre isso; trata-se de um inicio de estudo sobre essa abordagem. Antes de o senhor chegar, eu estava me questionando se todo esse acelerado e frenético avanço tecnológico tem sido capaz de preencher as profundas e, na maioria dos casos, inconscientes lacunas geradas pelo esquecimento da qualidade do ser que nos faz ser. Estava me questionando se a felicidade e o sentido da vida humana tem avançado na mesma velocidade das descobertas tecnológicas viabilizadas para garantir a liderança nesse competitivo mercado de consumo imediato.

- Creio que não, a meu ver, ao contrário, isso só tem servido para manter as pessoas distanciadas de suas próprias realidades vazias.

- Sabe, agora a pouco, enquanto meditava, um menino, não mais que uns 15 anos de idade, parou diante da porta do salão da barbearia ao lado, carregando um belíssimo catálogo de moda de uma rede de lojas do setor de surfwear... Material de primeira, de fazer inveja às grandes revistas de moda existentes há muitos e muitos anos. Bem diagramado, com papel especial, fotos coloridas de belas modelos por todas as páginas e da espessura de um bom livro. Tudo em nome do consumo de verão... Ao ver aquilo, pensei comigo como é mais fácil arrumar verbas de patrocínio para a editoração, diagramação e publicação de um catálogo de moda, do que para um livro que aponte para o despertamento do ser e, conseqüentemente, de um modo de vida pautado na simplicidade voluntária, na necessidade básica e não nas ilusões do mundo do consumo. Percebo que, a cada dia que passa o investimento sério no "ser" é substituído pelo ilusório investimento no "ter". Esse é verbo é conjugado do seguinte modo:


Eu tenho.

Tu não tens?

Ele tem!

Como vós não tendes

Então, não és:

Eles é que são!


- Sim, isso me parece ser um fato. Vejo que as verbas hoje são direcionadas para o que chamo de "Cultura de Almanaque" e, como nos dizeres de um grande amigo meu, para livros de "Sabedoria Mística Esquizotérica".

- Esquizotérica... Gostei muito desse termo! Creio que seu amigo tem toda razão, realmente, tem muita coisa esquisita dentro dessa área. Durante estes anos em que trabalhei como livreiro, tive a oportunidade de testemunhar o quanto que as pessoas procuram por títulos que acabam lhes fragmentando ainda mais e como resultado, ampliando a péssima qualidade de suas vidas de relação. Livros que levam a um profundo e sério mergulho em si mesmas, esses, nem pensar!

- É verdade!

- Esse tipo de livro nunca vai estar na moda! Para a grande maioria das pessoas, o que interessa é o tal do Segredo vendido por um bom preço pelos formadores do modismo literário. Não estão a fim de buscar por uma literatura que, por exemplo, possa ajudar no tratamento das feridas infantis que elas insistem em esconder no fundo embolorado de suas caixas de brinquedos de adulto. Não querem saber de livros que ajudem a lançar um olhar carregado de compaixão, capaz de fazer com que as grossas e enferrujadas grades do vitimismo sejam abertas, proporcionado liberdade para si mesmas e para aqueles a quem julgam seus vitimizadores. Parece-me que o mercado literário não está interessado em investir nos livros cujo conteúdo seja capaz de gerar uma nova visão balsâmica que possa resgatar alguns sobreviventes a deriva, castigados pelas fortes ondas desse imenso oceano de desamor.

- JR, mesmo que se estivessem interessados, lhe pergunto: haveria público para tais livros?

- Eu acredito que existe. Lembro-me de uma ocasião em que fui até uma editora, questionar o porquê de eles terem parado de editar os livros de um grande pensador e filósofo brasileiro, já falecido. Obtive do editor a seguinte resposta:

- Senhor JR, é preciso entender nossa posição. Somos uma editora e uma editora tem como objetivo a venda de livros. Enquanto publicamos 2.000 livros do autor de seu interesse, que por sinal, acabam ficando quase um ano ou mais em nosso estoque acumulando poeira, vendemos quase 30.000 exemplares de um Dom Casmurro em questão de dois meses. Se você estivesse em nosso lugar, o que faria?

Então lhe respondi:

- Faria 35.000 Dom Casmurro e 2000 livros deste pensador, mas, de forma alguma deixaria de editá-los.

(...)

- É, JR! Parece ser assim mesmo que as coisas funcionam! Hoje, mais do que nunca o que vale é o imediatismo numérico. A ética e os valores mais profundos estão dando lugar a valores virtuais.

- Sabe, pode até parecer utópica esta minha visão, mas, eu ainda acredito que existam pessoas que busquem com seriedade por livros capazes de depurar todas as células carregadas de seus bancos de memória, as quais lhe impede de processar os fatos do cotidiano sem as lentes distorcidas de suas lembranças. Acredito em livros que possam facilitar o reaprendizado da tão negligenciada leitura dos sinais que a vida, tão importantes nos momentos em que nos vemos em suas encruzilhadas, que na realidade, representam momentos mágicos carregados de significado. Acredito em livros que possam ajudar o ser, que ainda está longe de ser chamado de humano, a se libertar do vicio coletivo de carregar um passado de lamurias e insistir com ele infectar os ouvidos dos menos precavidos. Percebe?

- Sim, percebo. Estou com você: acho que vale conspirar por esse sonho.

- Sabe, senhor Pitágoras, acho que mais do que nunca na história de nossa civilização, nunca estivemos tão carentes de pessoas que busquem com seriedade e paixão pela arte do cuidar; pessoas que busquem pelo trabalho interno capaz de remover os véus que as impedem de ver mais longe e que as mantém num estado profundo de letargia dentro das masmorras das velhas estruturas humanas. É sobre isso que venho há tempos meditando.

- Sim, acho que fizemos uma boa meditação juntos. Pena que neste mundo a gente viva e morra pelo compasso do relógio. Gostaria de poder, como você, dedicar mais tempo para momentos de reflexão. Quem sabe, um dia eu chegue lá.

- Sr. Pitágoras, se me permite, o momento é agora!

- Cada um sabe onde lhe aperta os calos.

- Se sabe mesmo, por que não assume a responsabilidade de fazer algo para aliviá-los?

- Essa é uma boa pergunta!

- Poderia meditar sobre isso?

- Vou tentar!

- Gostaria de poder compartilhar dos resultados.

- Com certeza. Até breve!

- Até mais!

25 novembro 2007

O que é ser Livreiro?

Começo meu texto do dia, fazendo questão de citar parte de um material super interessante que encontrei na Internet e que vem de encontro com os meus mais profundos sentimentos. O texto abaixo foi extraído do endereço: www.caravansarai.com.br/Livreiro.htm...


Livreiro
Ser livreiro não é uma profissão, é um estado de espírito.

Antigamente, as livrarias costumavam ter um profissional chamado de livreiro, pois que entendia muito dos livros oferecidos pela loja. Ainda hoje, existem algumas livrarias pequenas, geralmente administradas pelo próprio dono, onde este faz o papel de livreiro.

Mas as grandes livrarias de rua e os mega sites que vendem, entre outras coisas, livros, não costumam oferecer a seus clientes os serviços desse tipo de profissional.

Trata-se de um profissional "em extinção".

Um livreiro é aquele cara que adora livros, não só os que vende, como outros. Um bom livreiro tem que ser aquele tipo de pessoa que não sai de casa sem um livro na mão. Lê no ônibus, na fila do banco e se bobear, lê enquanto está andando pela rua e isso às vezes acarreta algum acidente...

Bingo! Esse sou eu, um profissional em extinção, deparando-se com o naufrágio de seu antigo sonho. O motivo deste naufrágio já estava previsto tempos atrás, no filme "Mensagem para Você", estrelado por Tom Hanks, Meg Ryan, onde de forma brilhante, retrata a força da grana destruindo coisas belas... Uma corporação literalmente engolindo os 42 anos de trabalho de uma família. Como uma boa livreira, Kathleen (Meg Ryan), lutou até os últimos centavos... A pessoalidade, a amorosidade, o prazer de ver um cliente e amigo saindo pela porta da loja com ótimo livro em suas mãos, perdeu-se para a impessoalidade, a mecanicidade, o desconhecimento e o interesse de livrar-se o mais rápido do "S" – expressão usado pelos comerciantes para designar o cliente -, com o intuito de garantir outra venda.

Pois bem, Kathleen, compactuo dos mesmos sentimentos! Os Cuidadores do Ser, após uma pequena reunião, diante dos extratos bancários, rendem-se ao fato de estarem naufragando... Infelizmente, temos que largar o bote... Decidimos encerrar nossas atividades comerciais no último dia de 2007.

Se é coincidência ou não, nossa reunião ocorreu logo que cheguei de Santana, trazendo comigo os dvd's "Nada é Para Sempre" e "O Naufrago"... (Li em algum livro que coincidências não existem... É o modo usado pelo Provedor da Grande Vida, para se manifestar em anonimato)...

- Sinto-lhe dizer, mas não tem mais como continuarmos, meu filho. Estamos tendo que colocar dinheiro do bolso para manter a loja. É triste, mas é a realidade.

Sem lhe falar nada, em minha mente, as palavras de Gandhi sobre a Verdade ecoaram trazendo leveza no ser: "A Verdade é cortante como diamante, mas também é doce como flor de pessegueiro". Em frações de segundos vi passar pela minha mente, o pequeno Toninho da loja de DVD's, contando-me sua história de naufrágio no mundo da pirataria e o seu resgate para o solo firme de um pequeno comércio.

- Se não há o que fazer, então, fechemos a loja. Digo-lhe isso sem o menor ressentimento. Sou grato a tudo que consegui com a Cuidar do Ser; se não fosse por ela, eu não seria quem eu sou hoje. Encerraremos as atividades comerciais, mas, o espírito do Cuidar, nunca será fechado dentro do meu ser. Sabemos muito bem, que o que temos hoje conosco, não tem mais nada a ver com as origens da Cuidar do Ser; estávamos a anos mantendo um moribundo num balão de oxigênio... Nada é para Sempre... Deixemos ir... O Provedor da Grande Vida não nos deixou na mão durante todos estes anos; com certeza, algo se manifestará que trará um novo vigor, uma nova maneira de se Cuidar do Ser. Fique tranqüila. Está tudo bem! Isto também passará!

Pude perceber que ela segurou o choro enquanto dobrava as três folhas amarelas dos extratos.

- Fizemos o que foi possível, assim como a Cuidar do Ser, fez por nós e por tantos, enquanto lhe foi possível. Creio que uma nova etapa está por vir, além do mais, já está bem em tempo da senhora descansar. Fique tranqüila. Já tivemos provas suficientes de que, no fim de tudo, as situações que nos parecem criticas e desesperadoras, acabam se mostrando bem melhores para todos os envolvidos. Isso é um fato!

- Você tem certeza do que está falando?

- Fique tranqüila, minha mãe! Não me sinto bem em vê-la correndo para cima e para baixo com essas sacolas de roupas. Sei que você gosta disso, mas, já está na hora de descansar e se dedicar mais para si mesma, seu marido e netas. A gente se vira. Tratemos de mandar fazer logo uma faixa para liquidar as mercadorias. Nesta semana já fala com o proprietário e a imobiliária. Fique tranqüila, tudo vai acabar bem! Agora vou subir, almoçar e escrever um texto sobre a experiência que vivi agora pela manhã lá em Santana. Até daqui a pouco.

E assim, em poucos minutos, sem a menor hesitação, da mesma forma que conversamos sobre a abertura da Cuidar do Ser, decidimos pelo seu fechamento. Ao entrar em casa, quando coloquei os DVD's sobre a mesa de vidro, olhando para a capa do filme "O Náufrago", confesso que senti um frio do medo do desconhecido correndo pela espinha. E, novamente, uma frase percorreu a minha mente: O pior naufrágio não é aquele que acontece em alto-mar, mas em terra firme quando nos acovardamos em nos lançar nas ondas do grande oceano das possibilidades. Foi uma frase rápida, mas, suficientemente forte para me deixar em paz. Mais tarde, conversando com minha fiel companheira Deca, ela me trouxe mais uma frase que me proporcionou maior sustentação:

- Existem situações em nossa vida que não temos que virar a página, mas sim, arrancá-la de vez... Olhe bem para a minha história, não troco o pior dia de hoje, pelos melhores que tive no meu passado.

- Você tem razão. Agora, o que você acha de assistirmos o presente que ganhei daquele rapaz?

- Qual?

- "O Náufrago"? Talvez tenha algo para mim naquele filme.

- Tudo bem! Vamos lá!

- Vamos lá ver o que a maré vai nos trazer!

L

IVROS II





MENSAGEM AOS LIVREIROS





MANIFESTO





LIVROS



24 novembro 2007

Eu não estou nem aí

Eu não estou nem aí
Com o manuscrito
De Jesus Cristo
Com os Templários
E o Poder do Mito
Com os Gnósticos Evangelhos
Apócrifos e os locais sagrados:
Isso é tudo para mim é velho...

Eu não estou nem aí!
Nada disso me impressiona
Nada disso me impulsiona.

Eu não estou nem aí
Com as secretas sociedades
E linhagens tidas como sagradas
Com a conspiração do Santo Graal
Maria Madalena, Lancelot e Perceval:
Prefiro desvendar meu condicionamento social...

Eu não estou nem aí!
Nada disso me instrui
Nada disso me possuí.

Eu não estou nem aí
Com a simbologia maçônica
Os antigos mistérios cátaros
Bushido e os códigos do Samuraí
Com o Segredo de Quem Somos nós
Com Mitos das Lendas Celtas e Drúidas:
Tem coisa muita mais séria e dolorida...

Eu não estou nem aí!
Com tarô, búzios, astrologia, cartomante
Pêndulos, pedras e cristais,
Tudo isso tirei da estante.

Eu não estou nem aí!
Com Pistis Sophiah, Trimegistro, Nostradamus,
Lei do Karma, Viagem Astral, Eneagrama,
Gnose, Maias, Atlântida, Kundalini
E o raio da Era de Aquário:
Tudo isso limpei do armário...

Eu não estou nem aí!
Nada disso me cativa
Nada disso me traz vida.

Eu não estou nem aí
Com os rituais e simpatias
Bruxarias e o mundo das magias
Com Hammurabi, Nag Hammadi
Os pergaminhos do Mar Morto:
Tudo isso para mim é morto...

Eu não estou nem aí!
Nada disso me impressiona
Nada disso me impulsiona
Nada disso me instrui
Nada disso me possuí
Nada disso me cativa
Nada disso me traz vida...

A paciente arte de Cuidar do Ser

A arte de Cuidar do Ser está na prática de uma escuta afetuosa capaz de ir além da limitação das palavras, ir mais fundo de si, sendo. É abrir-se ao outro escutando o teor de seus pensamentos, sentimentos e sendo sensível a sua vibração energética. Esse tipo de cuidado alicerçado na sensibilidade da escuta é que cria o campo fértil para a manifestação de uma inteligência amorosa transformadora.

A Arte de Cuidar do Ser é praticar a escuta atenta que transcende palavras, simbolos e imagens estruturantes condicionadas. É lançar um olhar firme, afetuosamente penetrante, capaz de facilitar ao ensinante-aprendiz, romper com as grossas, resistentes e inconscientes camadas de condicionamentos geradores de conflitos.

A Arte de Cuidar do Ser é conspirar pelo processo individual e pessoal capaz de apontar para o "despertamento" do milenar sono coletivo. É criar a atmosfera fértil capaz de facilitar ao ensinante-aprendiz na percepção da insana totalidade estruturante, enraizada na busca de consolo para o sofrimento fértil. É desafiá-lo a buscar - dentro de si - a capacidade de sustentar seu sofrimento de forma inteligente, uma vez que é só no solo da compreensão do próprio sofrimento, que as raízes da integridade pessoal podem germinar.

A Arte de Cuidar do Ser esta em exercitar uma paciência inteligente, simultaneamente com um contínuo e destemido inventariar do livro que somos, até chegarmos ao conhecimento de seu autor único.

Nelson Jonas

23 novembro 2007

Grandes são os desertos

O valor da doação espontânea

Acordei atrasado, com o toque do telefone. Na noite anterior eu havia me programado de acordar bem cedo, para ir até a Paróquia Santana, verificar a possibilidade de alugar uma de suas salas para dar inicio a um grupo de auto-ajuda. Como fiquei assistindo um bom filme até tarde e meu corpo resistia a idéia de sair da cama para atender a ligação, deixei o telefone tocar até que parasse. Olhei no relógio e vi que já eram quase 9:00 horas da manhã. Virei para o outro lado da cama quando o telefone tocou novamente. Atordoado e de mau humor, fui atendê-lo...

- Alô!

- Bom dia! Por favor, é da Autoreg?

- Não, senhor, este número não é mais dessa loja de automóveis.

- Desculpe-me. Por acaso o senhor teria o telefone deles?

- Não tenho como lhe ajudar, senhor.

- Ok, muito obrigado e desculpe o incômodo.

- Por nada, tenha um bom dia!

Vai ver que ele me ligou só para me acordar – pensei comigo.

Como estava atrasado, tratei de me arrumar às pressas e bebi um copo de leite quente enquanto preparava a carta com a solicitação da sala para ser entregue na secretária da Igreja. Ao chegar ao ponto, para minha surpresa, o mesmo estava bastante lotado. Dei graças por não ter que me sujeitar todos os dias a esta situação e poder me dar ao luxo de esperar por um coletivo vazio.

Ao chegar em Santana, tive que esperar quase vinte minutos para ser atendido pela secretária da Paróquia, uma vez que ela estava dando atenção para uma senhora da terceira idade, que havia perdido o marido há poucas semanas. Enquanto elas conversavam, fiquei observando o mural de avisos da paróquia, o tamanho daquela igreja vazia, o cofre logo na entrada da igreja junto a parede da secretaria e as grades de proteção da mesma. A secretária conversava com aquela senhora por trás de um grosso vidro, onde apenas uma pequena fresta dava passagem para o som. Pude perceber o esforço feito pela secretária para romper com a impessoalidade que aquele grosso vidro criava. Junto ao batente do vidro, um bloco de papéis para anotar o nome das pessoas a serem lidos durante a missa, onde a frase "valor da doação espontânea" estava marcada em destaque. Atrás de mim, duas salas davam lugar a uma pequena loja de livros, imagens, velas e outros adornos religiosos. Quando chegou minha vez de ser atendido, entreguei-lhe a carta e falamos rapidamente sobre o motivo da minha presença. Ficamos de nos falar novamente, na semana seguinte. Agradeci sua atenção e disse-lhe que retornaria a ligação conforme o combinado.

Sai pela calçada observando o comércio, as lojas, a população, os camelôs e a enorme quantidade de lixo, que naquela hora do dia já se esparramava pelas calçadas e guias. Há uma energia bastante pesada no local. Várias barracas de cd´s e dvd´s piratas, dando destaque aos de material pornográfico com suas fotos coloridas bem expostas. Garotas uniformizadas tentavam seduzir os pedestres com promessas de crédito fácil. Bonés, camisetas, bermudas, tênis, artigos eletrônicos, todos falsificados e contrabandeados sendo vendidos sobre o olhar da policia militar e a policia metropolitana. Aproveitei o momento para passar num pequeno sebo, para ver se dava a sorte de encontrar algum exemplar dos livros de Krishnamurti, mas, como em outras ocasiões, não obtive sucesso – a maioria das pessoas nem ao menos sabem quem é esse escritor. Saindo de lá, passei na Padaria Polar, onde pedi por uma média quente e um pão com manteiga na chapa para quebrar um pouco da frieza e impessoalidade do atendimento. No caixa, um senhor com o olhar bastante sério ensinava uma jovem a operar o sistema. No balcão, todos se alimentavam apressadamente.

Já a caminho da plataforma de ônibus, uma pequena porta que dava para um pequeno e estreito corredor me chamou a atenção. Pelas paredes estavam expostas várias capas de DVD´s originais, porém usados. Um jovem rapaz, um pouco obeso para a sua pequena estatura, contrariando a mecanicidade do atendimento da região, cumprimentou-me com um simpático sorriso.

- Bom dia! Já conhece nosso pequeno espaço?

- Ainda não, senhor.

- Por favor, fique a vontade. Ao final do corredor temos muito mais títulos. Não gostaria de conhecer?

- Vamos lá!

Antes mesmo que eu lhe perguntasse algo, o jovem rapaz disparou a falar:

- Trabalho somente com cd´s e dvd´s usados, semi-novos e originais. Não trabalho mais com pirataria, apesar de ter vivido disso por mais de quinze anos da minha vida. Vivi um verdadeiro inferno durante estes anos em que eu me orgulhava de dizer, batendo no peito, que meu nome era trabalho e meu sobrenome, hora extra. Foi como camelô de pirataria que cheguei ao fundo do poço... As pessoas que passam por aqui, não sabem nada daquilo que passamos atrás destas barracas improvisadas... Boa parte do que ganhamos, os "zomes" acabam tomando... É muita sujeira, fofoca, disque-disque... Um verdadeiro circulo vicioso de inveja e corrupção... É cada um por si e a propina por todos... Vivi muitos anos preso nisso, porque achava não saber fazer de modo diferente... Tive que chegar ao fundo do poço... É como a televisão... A gente passa anos e anos assistindo a TV Globo por que acredita não ter nada de melhor para assistir... E não acha mesmo por que os olhos estão fechados...

A energia que ele transmitia com a sua fala era tão contagiante, que ficava difícil de olhar para os títulos dos dvd´s. A principio, meu condicionamento pedia para não dar atenção, mas, decidi deixar as capas de lado e olhar para ele.

- Eu vivi esse mundo da rua, durante muitos anos... Aprendi muito nessa faculdade. Existe tanta maldade e perversidade, que não tem como você não ser contaminado com ela. Eu vivia só para o dinheiro e o dinheiro vivia só para os gastos com as mulheres, de onde eu tirava a minha idéia do que fosse o amor. Mas foi quando eu tive uma experiência espiritual que me resgatou desse mundo... Hoje, o que ganho fica a milhas de distância daquilo que eu ganhava com a pirataria e o contrabando, só que faz toda a diferença... Hoje me sinto limpo e o que eu ganho, ganho com qualidade.

- Compreendo muito bem o que você está me dizendo. Qual é o seu nome?

- As pessoas me conhecem como Toninho.

- Sou o JR. Pode ter certeza de que estou tendo um grande prazer em conhecê-lo.

- O prazer é todo meu!

- Diga-me, quanto custa este DVD? – Perguntei-lhe apontando para a capa cujo título era, "Nada é para Sempre", estrelado por Brad Pitt.

- Esse está R$10,00. É usado, no entanto, está em perfeitas condições. Se quiser, posso passá-lo para você, JR.

- Por favor, deixe-o separado enquanto procuro por outros títulos.

- Está bem.

- Enquanto procuro, conte-me mais sobre a sua história, principalmente sobre sua "experiência espiritual".

- Se não fosse ela eu ainda estaria lá, corrompendo e sendo corrompido. No entanto, tive a graça de ter sido resgatado. Hoje, voltei até a estudar, estou fazendo supletivo. Engraçado, fiz a faculdade da vida e agora faço o supletivo atrás de conhecimento.

- E o conhecimento daqui de dentro? – perguntei-lhe tocando o centro de seu peito.

- Este, Deus aos poucos está me fazendo conhecer. – respondeu-me com o mesmo sorriso simpático.

- Isso, para mim, é o mais importante de tudo. Conheço muita gente letrada, pós graduada e totalmente analfabeta de si mesmo... E quanto custa este aqui: "O Naufrago"?

- Esse também é usado, mesmo preço, R$10,00.

- Mesmo sendo duplo?

- É mesmo, esse é duplo... Não faz mal! Já havia lhe dado o preço, fica por isso mesmo.

- Por favor, veja o valor correto.

- Palavreado é palavreado, R$10,00.

- Se para você está bem, então, para mim tudo bem, também. Deixe-o separado.

- Com licença, vou dar atenção para aquele senhor na entrada da loja. Fique a vontade. Tem muito título bom espalhado por aqui. Vai garimpando que você vai encontrar raridades, jóias raras do cinema.

- Ok, Toninho.

Enquanto ele dava atenção a um senhor que pela conversa, já era um antigo cliente seu, fiquei pensando no porque dele ter me dito tudo aquilo sem se quer ter me visto uma única vez. Pude sentir que ele realmente amava aquilo que fazia e que, através da conversa, tentava transmitir um pouco da sua alegria pela sua nova maneira de viver. Senti que naquele momento, havia encontrado alguém com quem poderia manter conversas nutritivas, alguém com uma história de vida, que sem dúvida alguma merecia espaço em meio das minhas Histórias para Cuidar do Ser.

- Toninho, hoje vou levar somente o filme "Nada é Para Sempre". Estou com pouco dinheiro, outro dia volto para continuarmos esta prosa e com certeza, levar outras raridades da sua loja.

- Será um prazer poder atendê-lo.

- Você pode me passar seu cartão com o seu telefone?

- Olha só, estou sem telefone, pois tiver que cortar algumas despesas, mas aqui está o meu cartão.

- Aqui estão os R$10,00. Obrigado!

- Eu que lhe agradeço. Vai na paz!

Ao pegar a sacola plástica, percebi que ele havia colocado os dois DVD's.

- Toninho, você colocou os dois títulos, não vou levar "O Náufrago".

- Por favor, JR. Faço questão.

- Como assim?

- Espero de coração que você encontre aquilo que está buscando nesses filmes. Fique tranqüilo, sei o que estou fazendo, não estou tendo nenhum prejuízo. Fique com ele.

- Você tem certeza?

- Por favor, aceite-o!

- Muito obrigado! Muito obrigado! Pode ter certeza de que voltarei e continuaremos nossa conversa!

- Vá com Deus!

Quando sai da pequenina loja, parei para pensar enquanto olhava para o movimento espremido da calçada... Fiquei pensando no que acabara de vivenciar naquela pequenina artéria do coração corrompido do comércio de Santana, mal podia acreditar... Havia mantido contato, em meio de tudo aquilo, com um homem de sangue revigorado, cujo dinheiro não era tudo... E com o sentimento de profunda gratidão, segui meu caminho em direção da plataforma de ônibus.





Você amaria desse jeito?...

22 novembro 2007

Quem quer isso?

Na sociedade atual, a base do sucesso está alicerçada na ganância, na cobiça, na exigência por mais e mais, bem como no abuso da vontade própria.

A grande maioria acredita que o tal de "sucesso" poderá proporcionar aquilo que acreditam ser felicidade e liberdade. No entanto, estas pessoas não percebem que os mesmos meios utilizados para o alcance desse fim são os que reforçam cada vez mais as grades de suas próprias prisões.

O tal de sucesso está no ajustamento ao padrão estabelecido, na cópia e na imitação que impede a manifestação da criatividade inteligente. Ter sucesso é ser mais um prisioneiro dos padrões estabelecidos pela mídia corrompida, portanto, ter o sucesso do coletivo é negar a manifestação da inteligência e, conseqüentemente, nunca estar livre da comparação, do medo e da insegurança.

Nesta sociedade normótica, seja qual for o patamar do "sucesso" adquirido, maior o peso da comparação, a pressão dos desejos e da ânsia por segurança. Nesse ponto se faz interessante relembrar o dito popular: "Quanto mais tem, mais quer; um é pouco e um milhão é pouco demais!"...

A cada dia que passa, sinto que Sucesso é estar livre de qualquer forma de influência ou pressão social, da comparação da ansiedade, do medo, do tédio e da insatisfação; ser um homem portador de uma mente quieta, alerta, atenciosa, sensível, capaz de alimentar relacionamentos dotados de uma genuína afeição, cuidado, atenção, consideração, envolvimento e compromisso...

Mas me pergunto: quem quer isso?...

Essa idéia, hoje, não faz sucesso!



Plebe Rude - Pressão Social (original)
André X
Há uma espada sobre a minha cabeça
É uma pressão social que não quer que
eu me esqueça

Que tenho que estudar
que eu tenho que trabalhar
que tenho que ser alguém
não posso ser ninguém

Há uma espada sobre a minha cabeça
É uma pressão social que não quer que
eu me esqueça

Que a minha vitória é a derrota dele
e o meu lucro é a perda de dele
que eu tenho que competir
que eu tenho que destruir

Há uma espada sobre a minha cabeça
É uma pressão social que não quer que
eu me esqueça

Que eu tenho que conformar
conformar é rebelar
que eu tenho que rebelar
rebelar é conformar

E quem conforma o sistema engole
e quem rebela o sistema come

E quem conforma

Inventariando a profissão

Todo fracasso no enfrentamento de uma situação da vida
deve ser creditado em última análise,
a uma limitação da consciência.
Joseph Campbell

1. Você tem experimentado sensação de vazio, falta de sentido, depressão vaga, desilusão profissional, ausência de valores, desejo de realização pessoal e espiritual?

2. Você sente que em seu trabalho apenas uma pequena parte do seu potencial mental é utilizado?

3. Você sente que seu trabalho atual não corresponde as necessidades da sua alma?

4. Você já se questionou com propriedade quanto ao que realmente quer fazer da sua vida, ou de que maneira tornar o seu atual trabalho mais significativo?

5. Você se sente preso a crenças sociais acerca do tipo de trabalho que "deve" desenvolver, sobre a maneira como "deve" realizá-lo e quanto a carga horária que "deve" exercer?

6. Você sente que a sua vida profissional está enfadonha, que lhe embrutece ou enerva?

7. Você se sente como uma "mera peça da engrenagem de um sistema " a ser substituída a qualquer momento?

8. Você consegue perceber a diferença existente entre "emprego" e "trabalho"?

9. Você se sente angustiado pela necessidade de obter um trabalho significativo, capaz de satisfazer as necessidades tanto da sua personalidade, quanto da sua alma?

10. Você sente que a sua auto-imagem e amor próprio estão vinculados ao tipo de trabalho e/ou a qualidade da remuneração salarial que você possuí?

11. O local ou o tipo de trabalho que você exerce foi escolha sua?

12. O questionamento de uma "mudança de área profissional" lhe provoca desconforto, ansiedade ou medo?

13. Você sente inadequação, vergonha e necessidade de mudar de assunto quando abordado quanto a sua vida profissional?

14. Você se sente obrigado a permanecer na atual área profissional a fim de ganhar dinheiro para a sua sobrevivência?

15. Você sente que foi "convocado" para exercer o seu trabalho e sente prazer em executá-lo independente do valor do seu salário, status ou da opinião dos seus familiares e amigos?

16. Você sente que o seu trabalho traz satisfação para você mesmo, assim como para as pessoas que se beneficiam com o seu trabalho? Proporciona-lhe alegria, criatividade, aprendizado significativo e permuta de amor?

17. Você sente que "realmente ama" o que faz? Sente-se energizado e realizado interiormente?

18. Você se sente "dependente" do seu atual local profissional?

19. O seu trabalho atual beneficia o mundo a curto e a longo prazo?

20. Que aspectos do seu trabalho podem ser considerados inferiores? E quais os aspectos superiores?

21. Você se sente conflitado pelo querer da sua voz interior e o medo do desconhecido, bem como da perda do atual salário e da aceitação social/familiar?

22. Você se sente apto a abrir mão de cada um dos papéis e regras do estágio atual de seu desenvolvimento para alcançar e dominar novos estágios que possam revelar seus talentos e dons à lei do amor e da compaixão?

Para se aprofundar no tema acima, confira o Livro:
TRABALHANDO COM ALMA - Ed. Cultrix
Um abraço fraterno,

Nelson Jonas

Abaixo bons vídeos sobre insatisfação profissional






20 novembro 2007

MANIPULAÇÃO DE MASSA


ATÉ QUANDO VAI FICAR SEM FAZER NADA?.....

16 novembro 2007

Nós neste cemitério, por vós esperamos

Acordei bem cedo com muitas questões em minha mente, entre elas:

Existe alguma realidade que esteja por detrás da aparência dos acontecimentos cotidianos?

Qual é o apelo mais apaixonado do meu ser?

O que aspiro com todos os poros do meu ser?

Qual é o propósito da minha vida no qual me entrego com apaixonada constância e firmeza?

Qual a verdadeira natureza do meu ser?

Qual é o exato objetivo da minha existência?

Qual é o meu lugar neste espaço tempo?

(...)

Não são questões fáceis e tão pouco agradáveis para se iniciar mais um dia...

Sinto que, a menos que exista uma base de ordem interna entre pensamento, sentimento, emoções e instintos, torna-se impossível o alcance da necessária qualidade interna capaz de olhar para estas perguntas com profunda seriedade e dedicação. Sem certa ordem em nossa natureza psíquica, torna-se impossível o alcance das respostas para estas questões, as quais são tão necessárias para a potencialização de uma vida dotada de verdadeiro significado e propósito. Quando se quer extrair o metal puro de uma substância bruta, a mesma tem que ser submetida á várias etapas de processos químicos, afim de que todas as suas impurezas se destaquem e possam ser retiradas e fundidas.

Tenho constatado muitas pessoas chegarem neste momento da busca e acabando por recair em seus velhos e disfuncionais padrões de comportamentos dependentes compulsivos, por ainda não estarem aptos, por não terem ainda alcançado o ponto de saturação com as mais variadas formas de ilusão propagadas pelo consciente coletivo. Não tenho como afirmar o que as fez optarem pelo retorno aos seus insanos comportamentos passados; talvez tenham queimado etapas tão necessárias deste processo. Algo parecido com a lagarta querer alcançar a potencialização do seu estado de borboleta, sem se quer ter passado pelo período de assimilação e purificação da crisálida. Percebo que sem que ocorra um processo inicial de reformulação psíquica, onde todos os conceitos e sistemas de crenças são minuciosa e destemidamente questionados, a tendência ao movimento de retorno é muito grande...

Acho que essas pessoas recaem porque ainda não sabem como fazer uso da melhor maneira possível de suas faculdades mentais, como por exemplo, o discernimento, tão necessário para a compreensão do verdadeiro e do falso, do Real e do irreal. Creio que é por isso que se deixam arrastar pelo que é ilusório, trocando o que há de melhor por aquilo que julgam ser bom. De fato, o bom é o grande inimigo do melhor. Enquanto essas pessoas estiverem se identificando com o ilusório, não haverá a menor possibilidade de adentrarem em níveis de consciência mais sutis.

Sutileza... Essa me parece ser uma importante palavra. Sem a capacidade de percepção das sutilezas ilusórias da mente, essas recaídas haverão de estarem sempre presentes. Estas pessoas serão vitimas constantes do que costumo chamar de um "estado de principiante crônico". Enquanto abrigarem em si a ilusão de que relacionamentos, drogas, plantas de poder, magias e simpatias, sistemas de crenças entre outras tantas coisas possam ser necessárias para o despertar da verdadeira expressão do seu ser, continuarão sendo vitimas de seus pensamentos e, como resultado, suas vidas não terão qualidade. Isso não se trata de intelectualismo barato, mas sim, de um fato que pode ser constatado por todo aquele que ainda não tiver sua sensibilidade asfixiada.

Sinto que enquanto a pessoa não alcançar aquele ponto de dor, aquele ponto de saturação psíquica, que caracteriza o limiar que separa os adolescentes dos adultos psíquicos, - olha que estamos cercados somente de adultos físicos - não haverá a mínima possibilidade de perceber que sua mente pode ser usada tanto para a continuidade de seus conflitos, como para a potencialização do despertar da inteligência. Para mim, sem dúvida alguma, a dor é a pedra de toque do desenvolvimento consciencial e de um modo de vida orientado por uma inteligência amorosa e criativa.

Outro questionamento meu que tem sido comum nos últimos dias é quanto essa insana tendência humana de se conformar com aquilo que é tido como "normal" pelo consciente coletivo. Não vejo sentido algum em se ajustar a essa máquina impiedosa de ambição, competição, exploração e destruição mutua, que é a sociedade capitalista.

Qual é o sentido de uma vida de servidão empresarial, pautada na mecanicidade de ações mesméricas? Qual o sentido disso?... Conseguir um pouco de respeitabilidade, um ou dois bons carros na garagem de uma casa própria, onde se possa relaxar ao mesmo tempo em que se deixa crescer a barriga juntamente com a arrogância e altivez?... Qual o sentido dessa servidão empresarial que rouba-nos a maior parte dos dias de nossa existência?

Qual o sentido de se ajustar a essa máquina impiedosa que é a sociedade, se o ajustamento a ela paulatinamente destrói a nossa sensibilidade, nossa integridade física e psíquica?

Qual é o sentido de manter relações com seus prazos de validade vencidos, relacionamentos onde se encontra somente distanciamento emocional, conflito, intriga, confusão, cuja continuidade é sustentada somente pela respeitabilidade social ou pela comodidade de ambos os envolvidos?

Tudo isso para conquistarmos umas migalhas daquilo que achamos ser segurança e respeitabilidade?

É em função disso que dedicamos nosso tempo e energia?

É em função disso que negamos o conhecimento de um modo de vida onde se possa experimentar a vida de forma integral?

Qual o sentido de se conformar em levar a vida, direcionada por padrões estabelecidos por terceiros, sendo que, muitos deles nem mais estão vivos ?... (se é que algum dia estiveram)...

Estas são perguntas que em mim não silenciam.

10 novembro 2007

Trocando figurinhas, mas sem colar.

A campainha soou por volta das 16:00 horas. Ao pé das escadas, meu querido amigo Novaes, de óculos escuros apoiados sobre o couro cabeludo recentemente aparado e num visual bastante esportivo.

- Ora, ora, meu amigo Novaes, que bons ares lhe trazem?

- Vim arriscar aquele cafezinho filosófico... Está muito ocupado?

- O trabalho pode esperar, mas o servir não! Afinal, qual o sentido da pressa se o que nos espera é a morte? Acha mesmo que eu desperdiçaria a riqueza inestimável de uma boa prosa para ficar diante de uma tela sem vida criando estampas de moda?... A moda passa, o que não passa é o que se compartilha ao sabor de uma boa xícara de café. Vamos lá! Façamos valer a pena o momento! Carpe Diem, meu amigo, Carpe Diem!

- Tem certeza de que não estou mesmo lhe atrapalhando?

- O que me atrapalha são as conversas e atividades mesméricas? É isso o que lhe traz aqui?

- Com certeza não!

- Então, ótimo! Aqui, tempo não é sinal de dinheiro, tempo é cuidar para se livrar do tempo!... Vamos lá, me diga como vai a sua existência: com vida ou sem vida?

- Graças a Deus estou bem melhor!

- Sobre qual Deus você se refere? Afinal de contas, são tantos os deuses no abrangente e lucrativo mercado religioso televisivo, que fica difícil de se identificar!

- Eita condicionamento arretado! Desculpe-me, mas esse está difícil de tirar da boca. Dê-me um desconto, afinal de contas, mais de trinta e cinco anos alimentando essa expressão!

- Fica frio! Eu mesmo tenho que estar atento à esses cacoetes verbais!

- Mas, respondendo a sua pergunta, bem melhor, carinha, bem melhor!

- Vamos nos sentar lá no fundo, assim podemos ter mais privacidade em nossa conversa!

- Demorou! Vamos lá!

- O que você vai querer?

- Quero um "carioquinha" e uma garrafa d'água com gás.

- Osmar, por favor!

- Oi, JR! Nem te reconheci! Cadê a barba e o bigode?

- Foi por água abaixo!

- Você fica bem diferente sem ela, fica com cara de moleque!

- Mas a cabeça, continua a mesma!

- O que vão querer?

- Olha só, Osmar, traga aqui para o meu amigo pernambucano, aquele "carioquinha" no capricho, que só um cearense como você sabe fazer, para os paulistas como eu degustarem!

- Esse é o JR, sempre filosofando e brincando com as palavras!

- É a filosofia que dá abrigo para os que buscam por mais vida, meu amigo! Por acaso você sabe o que significa a palavra "filosofia"? Sabe a origem dela? Já pesquisou num dicionário?

- Não!

- Ela tem sua origem no grego e significa "amor à sabedoria". Aposto que você nunca teve a curiosidade de procurar também pelo significado e origem da palavra "sabedoria"...

- Vixi, não tenho tempo para isso não! Vida de pobre não dá para essas coisas não!

- Traga-me um bom copo de capuchino que depois te conto!

- Está bem! Esse JR!

- Você é foda! Quer dar um nó na cabeça do garoto?

- Que nada! Troco altas idéias com ele neste balcão! Gente boa! Na simplicidade dele, solta sempre pérolas raras do cotidiano. Ainda bem que os balconistas de padaria não despertaram para a escrita, pois se assim o fizessem, os Paulos Coelhos da Vida perderiam seus empregos e teriam que substituí-los nas respectivas padarias. Mas me fale sobre você...

- Nada disso! Hoje vamos variar um pouco! Toda vez que venho aqui, sou sempre eu que fico falando e você só ouvindo com esse seu olhar profundo.

- Falar é prata, calar é ouro!

- Para com isso! Desembucha logo! Trate de falar de você...

- Então espera que lá vem o Osmar com o nosso pedido...

- Um capuchino, uma água com gás e um carioquinha! Não vão querer nada para comer?

- Para mim não, e você, JR?

- Vontade daquele pãozinho com manteiga na chapa é que não falta, mas, preciso fechar a boca um pouquinho... Estou em faze de crescimento lateral e a patroa não gosta muito disso, não! Então, quer saber o que significa a palavra "saber" e qual a sua origem?

- Se for ligeiro tudo bem, a padoca está cheia!

- Vem do latim, "sapere", que significa "ter gosto", "saborear" por si mesmo! Agora me responda: o que pode ter de ruim em querer "amar e saborear a vida"?

- E desde quando se precisa de filosofia para amar a vida? Ela por si só não basta?

- Não disse para você, Novaes, que os Paulos Coelhos da Vida estão correndo um sério risco de desemprego?

- Acho que não são só eles que correm esse risco: a maioria dos políticos e técnicos de futebol também! Eles passam o dia todo ouvindo em silêncio, tudo quanto é tipo de opinião de um monte de insatisfeitos crônicos, não assumidos, tentando fugir de sua dor através de uns copos de cerveja, ao mesmo tempo em que olham todas as bundas das senhoras que entram em busca de pão! Não é preciso ser filósofo para se constatar isso.

- Fato! Obrigado, Osmar! Faz o seguinte, depois dessa, nossos cérebros precisam de uma massa nutritiva: traga uma cestinha de pães de queijo! Vê se não me traz os murchos!

- É prá já!

- Olha só JR, não pensa que vai me distrair com toda essa prosa! Anda logo, vai me falando, o que é que está acontecendo?

- Como assim? Do que você está se referindo?

- Tem boi na linha! Estive no grupo de estudos na sexta-feira e me falaram que você e a Deca não vão mais. É verdade?

- Sim!

- Posso saber o por quê?

- Você sabe muito bem que, tempos atrás, eu já havia deixados o grupo. Acabei voltando para atender as necessidades da Deca e acompanhá-la.

- Sim, você já havia me contado isso!

- Francamente, não tenho visto sentido algum nas reuniões, uma vez que o que encontro nelas, é um aglomerado de pessoas que não estão realmente comprometidas com o autoconhecimento. Com raríssimas exceções, depara-se com um ou outro com um "potencial de seriedade", se é que possa dizer assim. Você me compreende?

- Sim!

- O que mais vejo são pessoas se relacionando com seus "castelinhos mentais", ou então, usando o grupo para fugirem da solidão, ou preocupadas em garantir entretenimento para os finais de semana.

- Também já percebi isso!

- Se fosse isso, até que dava para agüentar! O pior são aqueles que não perdem a irritante neurose de ficar relatando nos mínimos detalhes o comportamento de outras pessoas, que nunca estão na roda naquele momento e, portanto, não tem como se defender. Essas pessoas não conseguem sustentar uma conversa sobre os próprios pensamentos e sentimentos, e, invariavelmente, em questões de segundos, tratam de transcorrer suas falas num labirinto de assuntos superficiais e estéreis. É um desfile de julgamentos e criticas, que fazem com que, não só os ouvidos mas todos os músculos do corpo voltem para casa bastante tensionados.

- É triste meu caro!... Só que vocês não podem deixar de irem lá, pois tem muita gente precisando do compartilhar da experiência de vocês.

- Desculpe-me, meu amigo, mas, acho que você está fortemente enganado!

- Será?

- As pessoas não estão buscando de forma alguma por isso. Não vejo pessoas comprometidas com o autoconhecimento, a busca da verdade e sua resultante autonomia psicológica.

- Será que você não está sendo cético demais?

- Não creio. A coisa toda fica só no nível do bafo e, como você bem sabe, "bafo de boca não cozinha ovo". As pessoas estão querendo falar do seus "castelinhos" – o que é de seu direito -, ou então, em busca de um "príncipe encantado" que satisfaça todas as suas exigências egocêntricas. Só que não vejo nenhuma delas realmente imbuídas em derrubar as "torres do castelo" que lhes aprisionam. Elas querem ser "Rapunzel" a espera do príncipe encantado, devidamente motorizado, com uma "bela espada" e, de preferência, que tenha tido aquilo que elas pensam ser "sucesso". Eu estou mais é a fim de acabar com todos os contos de fada e os cantos das sereias. Eu te pergunto: quem é que está a fim disso?

- Olhando por esse ponto, acho até que você tem um pouco de razão. Só que você precisa levar em conta, o fato de que um ponto é tão somente um ponto.

- Quem sabe você tenha razão, uma vez que nunca afirmei não mais estar doente do olhar. Sabe, para mim, esse grupo é página virada, não tem mais como freqüentar essa sala. No entanto, as portas da minha sala estarão sempre abertas para aqueles que forem realmente sérios, que estiverem de fato comprometidos em compartilhar suas experiências relativas a observação daquilo que lhes impede de potencializar os seus talentos e viverem uma vida com a totalidade do seu ser. É por isso que decidi não freqüentar mais.

- Mas você não acha perigoso ficar só? Acha que dá para praticar o "descanso" do grupo?

- Claro, uma vez que as discussões nesse grupo mais me cansam do que outra coisa. Novaes, hoje entendo bem a essência daquele dito popular "antes só do que mal acompanhado". Não vejo inteligência em querer gastar vela com defunto ruim! Se é para empregar a energia, tem que ser com atividades que ultrapassam essa superficialidade que nunca nos levará ao centro de nós mesmos. Isso não tem nada a ver com o isolamento neurótico, uma vez que estou aberto para estar junto daqueles que realmente demonstrarem seriedade. Já tem gente falando pelos bastidores de que estou criando uma gama de relacionamentos codependentes em torno de mim. Não creio. A saber, de quem partiu esse tipo de comentário, essa mesma pessoa é que se encontra num neurótico isolamento de si mesmo através de um relacionamento de fachada. Hoje, não dá mais para compactuar com esse tipo de insanidade. Não dá mais para fechar os olhos e fingir que não se sabe de nada. Talvez isso seja bom para alguns dos nossos políticos, mas não para mim.

- É, já vi muito esse tipo de comportamento nos noticiários de televisão nestes últimos cinco anos.

- Meu irmãozinho, cansei de conversa fiada, intelectualismo barato, fofocas e jogos de intriga. Isso em nada pode ajudar na compreensão daquilo que nos mantém nesse crônico estado de sofrimento anônimo. Prefiro mil vez o silêncio da minha sala, na companhia da minha esposa, do meu bagunceiro cachorro, um bom livro ou a meditação em algum texto. Sempre digo que ainda não estou pronto, que ainda me deparo com momentos de tédio, insatisfação e incompletude. Talvez, nossa única diferença esteja no fato de eu não estar mais me iludindo com muitas das coisas com as quais estas pessoas ainda se iludem. No entanto, sinto que ainda estou doente do olhar. Você me compreende?

- Sim!

- Pois bem! Quero estar com aqueles que se reconhecem também doentes do olhar e manter um diálogo aberto e direto com eles – não para criar uma nova forma de dependência -. Quero estar com essas pessoas "trocando figurinhas, mas sem colar".

- Não sei não! Será que não seria melhor você pensar um pouco mais nesse assunto? A sala sem vocês dois vai ficar muito xoxa, e vai acabar fechando em pouco tempo... Nenhum grupo vinga sem uma liderança servidora.

- Espero que isso não aconteça. No entanto, já vi isso acontecer antes, e, foi só quando a sala fechou que as pessoas se deram conta da falta de seriedade com que levavam as coisas.

- É só quando a água bate na bunda que as pessoas se movimentam!

- Eu costumo dizer que o doente emocional é que nem um fusquinha 64: muitas vezes, só pega no tranco!

- Sendo assim, acho que nossos cafés terão que ter seus espaços reduzidos.

- Por mim, tudo bem, só que existe uma pequena condição...

- Qual?

- Que você também procure reduzir espaço existente entre o "você" que você acredita ser e o "você" que realmente é...

- Isso eu já estou tentando faz tempo! (e aqui para nós: como é difícil!)

- Tenho um recente amigo on-line que me escreveu dias atrás, me dizendo que "tentar é não fazer"...

- Aí você está pegando duro demais!...

- Novaes, querido... "Fazei-vos duros!", já dizia Nietzsche...

- É mais também não se esqueça do que dizia o Chê: sem perder a ternura!

- Você acredita mesmo que ao fazer isso eu estaria "perdendo a ternura"?

- Se acreditasse nisso, você acha que eu estaria tomando um café com você?

- Novaes, para algumas questões, somente com tratamento de choque! Sinto que não estou pronto, não estou inteiro. Talvez seja por isso que eu não consiga criar um ambiente de identificação com estas pessoas. Sinto que em solidão, possa penetrar com mais propriedade nas questões que ainda me impedem de "ser em totalidade". Sinto que no grupo até encontro com pessoas que concordam com esse meu ponto de vista, no entanto, concordar não significa "comprometimento".

- Você acha que eu sou um desses que não está comprometido?

- Por que você me pergunta isso?

- Tenho medo do auto-engano!

- Desculpe-me, Novaes, mas isso é só você com seus botões... Aceita outra água?

- Não, por enquanto não.

- Que bom! Quando começamos nos falar, logo nas primeiras vezes, sua ansiedade era tamanha que você chegava a tomar quase que dois litros de água em menos de uma hora.

- Nem me lembre desse período!

- Veja só: já diminuiu para 250 mls... Progressos!

- Acho que devido a sua ajuda, estou ficando menos "aguado"... – risos.

- Não estou ajudando ninguém. Tenha sempre em mente: estamos tão somente "trocando figurinhas"... Eu não estou pronto... Ainda não completei meu álbum. Agora, vamos nessa.

09 novembro 2007

Paraplégicos mentais em recuperação

- Bom dia, Pessoa!

- Bom dia, JR!

- Diga-me desse lado do oceano que nos separa fisicamente – muitos aqui são mais distantes com certeza -, quais as suas novas descobertas sobre o Ser que lhe faz ser?

- Não são muito boas... É provável que eu morra sem Ser.

- Pesada essa constatação! Explique-se melhor.

- Durante anos, eu cultivei o intelecto a fim de alcançar este preciso lugar de consciência em que me encontro. Este intelecto me possibilitou saber qual o caminho da Verdade, que eu tanto procurei: o caminho da Verdade Factual. Mas, este mesmo intelecto tomou minha liberdade e fez de mim prisioneiro de mim mesmo. Sei qual o meu caminho, mas não consigo caminhar.

- Tenho visto, através do contato com várias pessoas, principalmente pela Internet, em vários grupos de discussão, que existe uma grande tendência humana de se deixar prender nas grossas amarras da rede do intelecto.

- É como se o intelecto tivesse sido, desde o meu nascimento, a muleta ou a bengala de apoio às minhas frágeis e débeis pernas da mente. Minhas pernas se encontram tão acostumadas a essa muleta, a essa bengala, que eu caio para o lado se fico sem ela. A Auto-Observação é muito difícil para mim - minhas pernas da mente se encontram por demais atrofiadas... Durante 26 anos eu não as usei desacompanhadas de muletas, e agora, se tento andar sem muletas, eu caio e sofro dores ainda maiores do que aquelas que eu sofro andando apoiado.

- Parafraseando Tolstoi, "o intelecto não representa mais do que uma nova forma de escravidão, a escravidão impessoal que substitui a antiga escravidão pessoal".

- O Intelecto é o mais forte dos condicionamentos: ele se confunde e se mascara de Identidade a fim de impedir que a nossa real identidade se vire contra ele - ele tem um mecanismo muito forte de auto-proteção. Eu diria mesmo que é uma fortaleza quase impenetrável.

- A meu ver, tudo que o intelecto nos oferece para beber é um copo d´água salgada, com o propósito de nos deixar ainda mais sedentos e continuar no controle de nossa existência sem vida.

- E esta é a razão pela qual eu cheguei junto à porta de entrada do caminho da Verdade Factual, mas não consigo entrar nem fazer caminho. Me encontro de mãos e pés amarrados pelo Intelecto - o mesmo que me proporcionou a chegada a este lugar. É irônica e perversa esta realidade.

- Pessoa, será que existe mesmo um caminho para a Verdade?... Caminhante, o caminho se faz ao caminhar... Já dizia teu conterrâneo!

- É provável que eu morra sem Ser. E eu vivo triste e angustiado com essa probabilidade e essa forte possibilidade.

- Sinceramente, não creio nisso. Creio sim ser provável que você deixe este planeta formado muito mais por água, chamado Terra, sem ser aquilo que seu intelecto diz que você deveria ser. Estamos sendo, cada um no seu processo, cada um no seu compasso. Sabe, há muitos anos atrás, um senhor, alcoólatra em recuperação, em sua simplicidade, disse-me uma frase que inicialmente foi apenas um verbo, mas, que no passar dos dias acabou virando carne e habitando dentro de mim: Se algum dia você quiser se comparar com algo, se compare apenas com o dia de hoje, quando você entrou por esta porta deste grupo de autoconhecimento. Se ao final da observação você perceber que o seu estado é pior do que este dia, então, muito há no que refletir. Caso contrário, adiante irmão!

- Eu devia ser como toda a gente: viver despreocupado e inconsciente do Ser. Afinal, que é a morte para quem é/vive morto? Ou, talvez, eu devesse reaprender a andar, como os paraplégicos que recuperam a possibilidade de locomoção. É isso que eu sou? Um paraplégico em recuperação?...

- Ao ouvir seus sentimentos de agora, surge em minha mente à seguinte questão: será que a lagarta, na solidão e aperto de sua crisálida também se ressente como você o faz agora, ansiando conformar-se por uma vida pautada na horizontalidade dos instintos degenerados pela ação do egoísmo capitalista?... Há que se aprender a ver lucro onde o nosso intelecto só consegue ver prejuízo... Avante irmãozinho! Um colorido Infinito de múltiplas possibilidades no mundo da verticalidade do Ser, pacientemente nos aguarda, mesmo que vacilantes e ainda apoiados em algumas muletas.

08 novembro 2007

Livros, pedras e imagens

- Boa tarde, senhora!

- Boa tarde! Fique a vontade, só estou vendo por enquanto.

- Se eu puder lhe ajudar, basta me fazer um pequeno sinal. Fique a vontade.

- Você trabalha com incensos?

- Bem atrás da senhora.

- Ah! Ando com tanta sorte ultimamente, que se fosse uma cobra, com certeza teria me picado.

- Algum aroma da sua preferência?

- Prefiro os florais.

- Vejamos: temos de acácia, aloe vera, flor de pitanga, flor de laranjeira, gardênia, gerânio...

- Menos de jasmim, pois meu marido odeia, acha muito forte.

- Ok, senhora! Temos também de mil flores, rosa amarela, rosa branca, rosa mística, rosa chá, rosa vermelha, tulipa...

- Tulipa também não! Acho um horror, lembra velório!

- Ok, senhora!

- Quero dois de acácia, aloe vera, flor de pitanga, rosa branca e também de rosa vermelha.

- Muito bem, senhora! Ótimos aromas!

- Não consigo ficar sem incenso em casa... Deixe-me ver o cristal que está exposto ali na vitrine.

- Só um momento, por favor... Aqui está ele.

- É nacional?

- Não, senhora, austríaco e com certificado.

- Vou levá-lo! Você tem ametista e perita?

- Tenho sim, senhora. De que tamanho a senhora precisa?

- Pequenos, para patuá.

- Aqui estão, senhora.

- Quero estas aqui. Coloque também este quartzo preto... Você trabalha com prataria?

- Sim, senhora. Por favor, aqui neste balcão.

- Preciso um com camafeu e que tenha prata e ouro. Tenho tido muita dificuldade para encontrá-lo.

- Nesse modelo, infelizmente, hoje, não tenho como servi-la. Mas, se a senhora não estiver com muita urgência, poderei verificar com os meus fornecedores.

- Que pena! Deixe estar! Tenho muita urgência e preciso antes de sexta-feira, pois tenho que usá-lo numa cerimônia... E estes livros?

- Todos estão em liquidação, senhora. Qualquer um deles por apenas R$10,00.

- Por que está liquidando os livros?

- Neste país, é bastante complicado trabalhar com livros, senhora; especialmente quando se trabalha com livros voltados para o autoconhecimento. Minha experiências nos últimos anos tem demonstrado que a grande maioria das pessoas não buscam por livros que as leve para uma viagem ao interior de si mesmas... Preferem contos do além, romances com final feliz, livros de como conseguir sucesso sem fazer o mínimo esforço, ou então, esses livros de modismo esotérico ou de auto-ajuda que em nada ajudam e só embotam mais a mente. Por isso é que estou liquidando os mesmos, uma vez que não pretendo trabalhar com esse tipo de literatura.

- Você não acredita que esse tipo de leitura possa ter alguma utilidade?

- Claro, para o bolso do autor, para o caixa da editora e de quem os vende sem o menor peso na consciência.

- Pensando desse modo, fica mesmo difícil de se trabalhar com livros.

- Senhora, se me permite, não posso ser considerado como um livreiro. Gosto muito de uma expressão criada por uma finada amiga: sou um "farmacêutico de letrinhas". Procuro trabalhar com livros que possam de alguma maneira ajudar na tão negligenciada arte de Cuidar do Ser. No entanto, livros com tal conteúdo, acabam por amarelar nas prateleiras e, por esse fato, o que é ainda pior, estão deixando de ser editados por não oferecerem resultados financeiros imediatos para as editoras. Se eu aceitasse vender livros sobre as memórias sexuais de uma prostituta esportista, a vida do Airton Senna, ou do tipo "peça e será atendido", ou coisa parecida, talvez, daria certo. No entanto, esse não é o espírito que move a Cuidar do Ser, como já diz o nome da nossa loja. Sempre procurei trabalhar com livros que ajudam a "desvendar" aquilo que foi "vendado" através da venda desses livros repletos de mediocridades e condicionamentos. É por isso, que os estou liquidando.

- Entendo!

- Mas, se a senhora procurar pela estante com os bons olhos que tem, ainda poderá encontrar alguns títulos com um ótimo conteúdo. Fique a vontade.

- Obrigada!... Vou levar estes dois: "Tudo que uma jovem bruxa precisa saber – feitiços para o dia a dia" e "Aurora – essência cósmica criadora".

- Ok, senhora. Posso ajudá-la em mais alguma coisa que a senhora esteja precisando?

- Você trabalha com pêndulos de cristal?

- Trabalho sim, senhora.

- Vou querer dois.

- Branco ou rosa?

- Tanto faz! Você não tem aqueles que acompanham uma fitinha vermelha? Minha consultora de Feng Shui sugeriu desse tipo.

- Com fitas vermelhas, não vou ter, senhora.

- Tudo bem! Vou levar estes mesmo, depois trato de adaptar uma fita.

- Mais alguma coisa, senhora?

- Você não trabalha com imagens? Estou precisando uma da Santa Edwiges.

- Infelizmente, não tenho senhora.

- Que pena! Estou precisando de uma para passar para frente. Bem, por hoje é só! Por favor, veja quanto deu e tire metade neste cartão e o restante neste outro.

- Ok, senhora... Sua senha, por favor... Muito bem! Aqui estão as suas vias! Este é o nosso cartão com o nosso telefone e o endereço do nosso site na internet. Se a senhora gosta de bons textos, com certeza poderá desfrutar de uma ótima coletânea que estamos fazendo a quase cinco anos, além de dicas de filmes e outras coisas mais para a prática da arte de Cuidar do Ser.

- Obrigada!

- Eu que lhe agradeço pela preferência. Precisando, por favor, disponha!

- Pode ter certeza de que vou voltar! Até mais!

- Até mais, senhora! Tenha um dia repleto de bons momentos!

- Obrigada, para você também!

Dores de Parto

Um novo dia se inicia com a temperatura úmida e fria. O vento está forte.

A serra elétrica, os automóveis, coletivos, motos e caminhões revezam-se no rompimento daquele silêncio fértil, que mesmo na calada da madrugada é interrompido a cada quinze minutos, devido a rota dos aviões rumo ao Aeroporto Internacional de Guarulhos.

Pelas calçadas, as pessoas dão continuidade a um modo de vida irrefletidamente acelerado.

Todos correm e reclamam da falta de tempo.

Até onde minhas vistas conseguem atingir, a grande maioria dos imóveis possuem suas paredes rabiscadas com giz de cera, cujo significado dos rabiscos não consigo decifrar.

O gemido da serra elétrica parece estar mais agudo do que nos dias anteriores, causando desconforto aos ouvidos.

Uma nova semana se inicia, com os mesmos sons, as mesmas pessoas, a mesma aceleração irrefletida, com o mesmo lixo esparramado pelas calçadas, característicos das manhãs de segunda.

Tudo isso, lá fora...

Aqui dentro, o tédio, o vazio, a incompletude e os mesmos questionamentos carentes de respostas, nas manhãs de segunda...

A mesma dificuldade de enquadramento nesse modo de vida acelerado pelas normas de um capitalismo desalmado.

A mesma limitação de visão que impede o desabrochar de um modo de vida, realmente significativo e qualitativo.

Os sentimentos são de impotência, os quais tento materializar por meio da escrita.

A serra elétrica parece não descansar um só segundo e agora, junto a ela, o som da marreta, do martelo e da talhadeira contra a parede do lado esquerdo da loja – estão reformando o Centro Espírita Casa do Caminho.

Com clareza cada vez maior, sinto que tudo aquilo que não corresponde a minha vida me limita. Meu sentimento de impotência pode ser traduzido pela certeza daquilo que não quero mais para a minha vida e pelo desconhecimento do meu real lugar neste espaço tempo. Apesar do modismo da Física Quântica, com seu mar de infinitas possibilidades, permaneço onde me encontro, devido a minha limitação de visão. Fora meu relacionamento afetivo, não consigo me comprometer com aquilo que hoje se apresenta diante de mim, resquícios do meu passado. E, tratando-se de vida, a meu ver, o comprometimento é fundamental.

A cada semana que se inicia, maior é o sentimento de estar preso, tateando em círculos por um labirinto de mesmices... Tenho a nítida sensação de estar me movendo num circulo vicioso, para o qual, a limitação dos meus pensamentos não consegue achar uma saída que me possa brindar com sentido e liberdade. Não bastasse isso, dentro deste labirinto, mantenho contato com inúmeras pessoas que pela cadência desengonçada, morrerão sem ao menos terem feito a volta em torno de si mesmas... A constatação desse fato me incomoda muito mais do que o continuo e irritante barulho da serra elétrica.

Não sei precisar em que momento da minha caminhada, muito menos em qual livro li que o primeiro passo para a descoberta de si mesmo está em reconhecer a própria insatisfação e admitir que todos os métodos de fuga são incapazes de apaziguar tal insatisfação. Vejo que aqui me encontro, diante deste impasse: não há como retroceder, muito menos me conformar e a única opção que se apresenta é apenas observar...

Tornando mais clara ainda a minha insatisfação com aquilo que hoje faço para custear as minhas já simplificadas despesas mensais, recebi um post em meu Blog, logicamente anônimo (um mecanismo bastante usado na Internet de se dizer o que se pensa sem a necessidade de sustentar o que se diz), onde seu autor me chamava de falso por comercializar aquilo que não acredito. Alegava ele que, devido ao fato de eu ser um "discípulo" de Krishnamurti, deveria como ele, romper com a minha atual fonte de renda. Depois de meditar sobre o texto anônimo, penso ser interessante alguns pontos esclarecer:

  1. Eu sou JR e não Jiddu Krishnamurti. Portanto, procuro ser eu mesmo e não a cópia de alguém.
  2. Não sou discípulo de Krishnamurti, Jesus, Buda, Maomé, meus pais ou quem quer que seja. Apenas tento aprender a respeito do ser que sou, com as ferramentas que se apresentam.
  3. O fato de não saber ainda qual é a minha vocação, não me dá o direito de me sentar e pensar na vida à custas de outras pessoas, portanto, mesmo não gostando, não acreditando em quase nada do que hoje comercializo, tenho que ainda fazê-lo, servindo aos outros em troca do meu sustento. E penso que assim o farei até possuir a convicção do meu lugar neste espaço tempo.

Sinto que boa parte das pessoas à minha volta também se encontra em tal situação, no entanto, raríssimos possuem a honestidade para admitirem esse fato para si mesmo, muito menos para terceiros. Não tenho medo de admitir isso, portanto, não creio ser cabível ser rotulado como falso. Aos clientes que me perguntam se acredito naquilo que vendo, digo sem o menor constrangimento de que o faço para servi-los em troca do meu sustento. Como ainda não tenho respostas, continuo a questionar e observar.

Sinto cada vez mais que a descoberta da vocação pessoal é uma espécie de escalada longa e bastante íngreme, no entanto, algo no mais fundo do meu ser me dá a certeza absoluta de que a sua descoberta supera em muito a agonia de permanecer no labirinto da mesmice.

Creio que a insatisfação para ser resolvida, precisa ser sentida, aceita e entendida, não evitada por algum método qualquer, como o faz a grande maioria. Não creio ser possível a descoberta da vocação pessoal, quando se evita o passo inicial da aceitação da insatisfação pessoal. Penso que somente ousando manter um contato visceral com a insatisfação é que se pode gerar o ambiente fecundo para o desabrochar da vocação pessoal. Creio que é um processo semelhante ao da gestação. Ansiosamente, espero pelo trabalho de parto.

04 novembro 2007

APENAS VIVER


- Viva, JR!
- Viva, Pessoa!

- Antes de mais, agradeço a você toda a sua atitude paciente, e ternamente generosa, comigo. Meu último e-mail, repleto de questões confusas, de labirintos intelectualistas, encontrou em você um oceano de clareza. Parece-me que minha intenção era mais criticar, atacar, do que realmente compreender.
- Fique na boa! Quem se presa a escrita, tem que estar aberto e preparado para todo tipo de reação emocional. É interessante notar em mim mesmo, a maneira como reajo a cada manifestação dos leitores. Aprendo muito sobre mim, a cada situação desse tipo.
- JR, não me leve muito a sério, pois, não sou cônscio de mim mesmo. Só agora estou dando os primeiros passos de um caminho que, mesmo sendo óbvio, é, provavelmente, o caminho mais difícil. É muito difícil me auto-observar, sem motivo, sem julgamento, sem comparação, sem intelecto, sem o peso desgastante das memórias emocionais...
- Sei muito bem o que você quer dizer com isso, Pessoa!
- A auto-observação simples e crua é a própria vida, mas minha mente me mantém prisioneiro numa espécie de não-vida, de inconsciência.
- Seja bem-vindo ao Planeta Terra, irmão!
- Agradeço também ter continuado a me enviar textos para nutrir a consciência, como este aqui sobre "A Inteligência", com o qual concordo, tão simplesmente, por ser verdade/realidade/fato. Aliás, minha desistência dos estudos universitários se prende também com a minha percepção intuitiva de que nos bancos da escola não se ensina inteligência, apenas memória (intelecto). E eu ambicionava por mais do que meros conhecimentos técnicos. Eu queria VIDA. E, depois de três anos atravessando um deserto de livros, teorias, filosofias, reflexões, opiniões, investigações, eu me dou grato por ter encontrado o caminho para essa VIDA: a consciência.
- Consciência é a resposta, já dizia Robert Happé! Está aí um ótimo livro para você ler!
- Sim, a consciência!... Curiosamente, esse caminho não tem trilho, não tem sinalização indicando direções, aliás, nem sequer existe antes de eu o pisar. É como andar no escuro. E é assim que eu me sinto desde que eu "despertei" - me sinto andando em caminho incerto e invisível.
- Bem-aventurados os que andam por caminhos incertos e invisíveis, pois eles alcançarão a Inteligência!
- Pois é!... Malditas e Benditas sejam as crises existenciais! Digo "Benditas" porque nos resgatam do estado vegetativo, mas digo, também, "Malditas" porque não há nada mais cruel do que ser "um homem com um garfo em terra de sopas" - título curioso de um livro de Jordi Sierra i Fabra. Diz este autor, nesse mesmo livro:
"Um homem com um garfo numa terra de sopas, bebe e come com as mãos, porque o garfo não lhe serve para nada, nem nunca lhe irá servir"...
Reconheço, JR, que esta metáfora está incompleta. Se "garfo" é auto-consciência, e "sopas" é a "normose", duas opções existenciais lógicas existem: ou eu abandono a terra de sopas e cultivo, isolado, um quintal de hortaliças para comer com o garfo que eu possuo (viveria uma vida coerente comigo mesmo), ou eu abandono meu garfo e como sopa como toda a gente, ou seja, com uma colher (abdicaria do meu garfo, e viveria coerente com quem me rodeia).
- Decisão difícil, não é irmãozinho? O que você pretende fazer?
- Ainda não acabei meu raciocínio... Existe, contudo, uma terceira opção, aquela a que o escritor se refere: comer sopa, mas com as mãos. Justifica o autor:
"E essas mãos são tudo o que tem, da mesma maneira que o ser humano na vida apenas tem a sua honestidade para a viver. Há muitas terras cheias de sopa, carregadas de cores, convidando-te com cantos de sereia, oportunidades, êxitos, luxos... mas a única colher para apurar a existência reside em nós mesmos. Mãos e coração."

- Muito interessante!
- É óbvio que a opção mais sensata é esta última, e é precisamente aquela que eu reconheço em você ao ler seu blogue. Consiste em viver na comunidade, não se isolando, mas filtrando a realidade através do coração.
- É o que tenho procurado fazer e, ao mesmo tempo, é o que entendo pelo termo "simplicidade voluntária".
- Contudo, existe um fato que me perturba, JR, na sua vida e na minha também...
- Pois então, me conte!
- Será saudável ser um humano consciente e continuar vivendo no meio da insanidade e da normose?
- Pessoa, se isso não for saudável, o que será então?
- JR, você é um ser humano profundamente cônscio e, contudo, você me diz que o seu negócio, seu trabalho, que implica ter que vender futilidades comerciais aos seus fregueses, lhe provoca um mal-estar existencial, uma futilidade em si mesmo.
- Sim, é isso mesmo o que sinto! Quanto a ser "profundamente consciente"... Tenho meus deslizes!
- Bem sei, JR, que temos contas e faturas para pagar ao fim do mês, que temos que garantir o nosso sustento e da nossa família. Eu trabalho, também, em semelhantes circunstâncias. Mas vale a pena sacrificar a nossa sanidade mental pelo conforto civilizacional?
- Depende do que você entende por "conforto"...
- Não são os índios da Amazônia muito mais felizes que nós, vivendo despreocupadamente os dias, vivendo o presente, não se importando sequer com a garantia segura do seu sustento?
- Não faço idéia, uma vez que nunca vivi a realidade deles! Uma das coisas que tenho procurado me abster de fazer e que vem apresentando salutares resultados é a comparação.
- Vejo que nós, ocidentais civilizados, temos muito apego à nossa sobrevivência: fazemos Seguros de Vida, de Casa, de Carro, psicologicamente nos adaptamos a quem nos rodeia, "vendemos" nossa alma e honestidade por um punhado de regalias...
- Nem todos!
- Eu adivinho o que você me responderia... Que, à semelhança do pensamento budista, o "Caminho do Meio" é o mais sensato, ou seja, comer "sopa", mas com as "mãos"; que seria insensato abdicar dos avanços tecnológicos e do conforto porque o problema não são os objetos mas a forma como a nossa mente reage a eles; e que um homem verdadeiramente cônscio não é afetado por aquilo que o rodeia, é independente, porque se foca na sua própria mente. Você me responderia que (usando a metáfora que o príncipe Siddhartha usou) se eu esticar pouco uma corda de um instrumento musical de cordas, a corda não produz som, é inútil; se eu a esticar demais, a corda se partiria, e seria inútil também. Que é preciso encontrar um Equilíbrio existencial.
- Acho que você está vendo uma clareza mental em mim, a qual eu mesmo ainda desconheço... Sou apenas um ser humano em construção, ainda não estou pronto!
- Eu procuro esse Equilíbrio Existencial. Krishnamurti apareceu na minha vida dizendo que essa "procura" embota, logo de início, a mente. Concordo com ele, mas ele nunca precisou trabalhar para garantir seu sustento, nunca precisou se "prostituir" como nós todos temos que nos prostituir, diariamente, vendendo a nossa honestidade por um punhado de moedas que garantam uma existência que mais não serve do que para garantir a continuação de uma espécie humana vegetal (uma praga para o planeta terra).
- Pessoa, desculpe-me, mas, creio que lidar com "achismos" sobre a pseudo-realidade do outro, em nada pode nos tornar seres manifestadores de uma Inteligência Amorosa e Criativa. Não sabemos e nunca saberemos qual foi a "navalha cortante" na pele de Krishnamurti ou de outro qualquer! Quanto ao que penso a respeito dele, acho que não deve ter sido nada fácil ser separado da família, ter que ser criado como um semi-deus para dar respostas para as exigências descabidas de um punhado de insatisfeitos crônicos bitolados por um sistema de crenças e sincretismos. Se fosse fácil, por que teria desfeito uma organização como aquelas? Por que teria devolvido todos os bens materiais que haviam sido doados para a organização que ele encabeçava?... Bem, isso não vem ao caso! O que importa é compreender o por que sofremos, o por que de não termos em nossa existência monótona, vida em abundância!
- Me questiono, JR: Qual o interesse de minha existência?
- Ótima questão!..
- Não tenho intenção de me reproduzir - o planeta terra está superpovoado por humanos.
- Seriam mesmo humanos? Leva muito tempo para se tornar humano!...
- Não tenho intenção de competir - me encontro além da selva humana. Não tenho intenção, nem desejo, de produzir cultura ou outra forma de entretenimento. Não tenho intenção de viajar (a viagem interior é bem mais interessante).
- Sim, apesar de por vezes, ser bastante desgastante! No entanto, não a troco. Como dizia em tempos idos Marco Aurélio: Explora-te por dentro. É dentro que está a fonte do bem e ela pode jorrar sempre, se a explorares sempre.
- JR, é possível APENAS VIVER?... Eu só queria APENAS VIVER!
- Viver e não ter a vergonha de ser feliz, como dizia o poeta brasileiro Gonzaguinha!
- JR, não precisa responder. Minha mente é confusa. Minhas questões são confusas. Eu sou um Pensador Compulsivo, depois de um dia de "prostituição" no trabalho, também eu procuro compensar a dor através de padrões de comportamentos compulsivos!

- Sei!... Através de drogas de aluguel!
- Não vou pedir a você que me adicione ao grupo de mensagens dos Pensadores Compulsivos. Preciso acabar, primeiro, de imprimir os textos da Coletânea Krishnamurti que você generosamente me deu e que, muito lentamente, me ajudam a ver claramente os problemas.
- Você vai precisar de bastante tempo para se estudar com clareza através da imensa clareza daqueles textos.
- Mesmo sabendo que pensar em termos de "futuro" é um obstáculo à concretização do "agora", eu tenho esperanças que, depois de uma segunda leitura destes textos, mais profunda e recolhida, eu veja mais claramente os problemas que me impedem, ou me resgatam, de ser como toda a gente que me rodeia.
- ...Só encontro gente amarga, mergulhada no passado, procurando repartir seu mundo errado, nesta vida sem amor que eu aprendi!... Essa estrofe, que reflete bem o seu pensamento, é de um finado compositor e poeta brasileiro chamado Taiguara. Me identifico muito com esta estrofe!
- Aqui, em meu país, existe uma canção que diz... Pode alguém ser quem não é?
- Grande pergunta, irmãozinho!... Qual seria a sua resposta?
- Eu sou "quem não é". "Eu não sou eu, sou outra coisa qualquer", como dizia Fernando Pessoa. Esta nossa conversa é, sobretudo sobre a HONESTIDADE. Eu sou incapaz de ser desonesto comigo, e por isso eu sofro tanto com coisas que são banais e verdades adquiridas para as outras pessoas. E esta é uma pergunta que apenas pessoas como eu e você, JR, têm a coragem de enfrentar. Encontrei em você um companheiro de igual honestidade. Bem haja, JR!
- E eu te pergunto agora: onde estão essas pessoas? Por que se escondem?... Foi exatamente com o intuito de encontrar estas pessoas que comecei a escrever... Saiba de uma coisa: foi muito bom te "reencontrar", espero que continue voltando... Apesar de você não concordar muito com esta frase, digo-te: Você não está só! Um grande abraço!
- Um Abraço do tamanho do oceano que nos separa e até breve!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!