Um novo dia se inicia com a temperatura úmida e fria. O vento está forte.
A serra elétrica, os automóveis, coletivos, motos e caminhões revezam-se no rompimento daquele silêncio fértil, que mesmo na calada da madrugada é interrompido a cada quinze minutos, devido a rota dos aviões rumo ao Aeroporto Internacional de Guarulhos.
Pelas calçadas, as pessoas dão continuidade a um modo de vida irrefletidamente acelerado.
Todos correm e reclamam da falta de tempo.
Até onde minhas vistas conseguem atingir, a grande maioria dos imóveis possuem suas paredes rabiscadas com giz de cera, cujo significado dos rabiscos não consigo decifrar.
O gemido da serra elétrica parece estar mais agudo do que nos dias anteriores, causando desconforto aos ouvidos.
Uma nova semana se inicia, com os mesmos sons, as mesmas pessoas, a mesma aceleração irrefletida, com o mesmo lixo esparramado pelas calçadas, característicos das manhãs de segunda.
Tudo isso, lá fora...
Aqui dentro, o tédio, o vazio, a incompletude e os mesmos questionamentos carentes de respostas, nas manhãs de segunda...
A mesma dificuldade de enquadramento nesse modo de vida acelerado pelas normas de um capitalismo desalmado.
A mesma limitação de visão que impede o desabrochar de um modo de vida, realmente significativo e qualitativo.
Os sentimentos são de impotência, os quais tento materializar por meio da escrita.
A serra elétrica parece não descansar um só segundo e agora, junto a ela, o som da marreta, do martelo e da talhadeira contra a parede do lado esquerdo da loja – estão reformando o Centro Espírita Casa do Caminho.
Com clareza cada vez maior, sinto que tudo aquilo que não corresponde a minha vida me limita. Meu sentimento de impotência pode ser traduzido pela certeza daquilo que não quero mais para a minha vida e pelo desconhecimento do meu real lugar neste espaço tempo. Apesar do modismo da Física Quântica, com seu mar de infinitas possibilidades, permaneço onde me encontro, devido a minha limitação de visão. Fora meu relacionamento afetivo, não consigo me comprometer com aquilo que hoje se apresenta diante de mim, resquícios do meu passado. E, tratando-se de vida, a meu ver, o comprometimento é fundamental.
A cada semana que se inicia, maior é o sentimento de estar preso, tateando em círculos por um labirinto de mesmices... Tenho a nítida sensação de estar me movendo num circulo vicioso, para o qual, a limitação dos meus pensamentos não consegue achar uma saída que me possa brindar com sentido e liberdade. Não bastasse isso, dentro deste labirinto, mantenho contato com inúmeras pessoas que pela cadência desengonçada, morrerão sem ao menos terem feito a volta em torno de si mesmas... A constatação desse fato me incomoda muito mais do que o continuo e irritante barulho da serra elétrica.
Não sei precisar em que momento da minha caminhada, muito menos em qual livro li que o primeiro passo para a descoberta de si mesmo está em reconhecer a própria insatisfação e admitir que todos os métodos de fuga são incapazes de apaziguar tal insatisfação. Vejo que aqui me encontro, diante deste impasse: não há como retroceder, muito menos me conformar e a única opção que se apresenta é apenas observar...
Tornando mais clara ainda a minha insatisfação com aquilo que hoje faço para custear as minhas já simplificadas despesas mensais, recebi um post em meu Blog, logicamente anônimo (um mecanismo bastante usado na Internet de se dizer o que se pensa sem a necessidade de sustentar o que se diz), onde seu autor me chamava de falso por comercializar aquilo que não acredito. Alegava ele que, devido ao fato de eu ser um "discípulo" de Krishnamurti, deveria como ele, romper com a minha atual fonte de renda. Depois de meditar sobre o texto anônimo, penso ser interessante alguns pontos esclarecer:
- Eu sou JR e não Jiddu Krishnamurti. Portanto, procuro ser eu mesmo e não a cópia de alguém.
- Não sou discípulo de Krishnamurti, Jesus, Buda, Maomé, meus pais ou quem quer que seja. Apenas tento aprender a respeito do ser que sou, com as ferramentas que se apresentam.
- O fato de não saber ainda qual é a minha vocação, não me dá o direito de me sentar e pensar na vida à custas de outras pessoas, portanto, mesmo não gostando, não acreditando em quase nada do que hoje comercializo, tenho que ainda fazê-lo, servindo aos outros em troca do meu sustento. E penso que assim o farei até possuir a convicção do meu lugar neste espaço tempo.
Sinto que boa parte das pessoas à minha volta também se encontra em tal situação, no entanto, raríssimos possuem a honestidade para admitirem esse fato para si mesmo, muito menos para terceiros. Não tenho medo de admitir isso, portanto, não creio ser cabível ser rotulado como falso. Aos clientes que me perguntam se acredito naquilo que vendo, digo sem o menor constrangimento de que o faço para servi-los em troca do meu sustento. Como ainda não tenho respostas, continuo a questionar e observar.
Sinto cada vez mais que a descoberta da vocação pessoal é uma espécie de escalada longa e bastante íngreme, no entanto, algo no mais fundo do meu ser me dá a certeza absoluta de que a sua descoberta supera em muito a agonia de permanecer no labirinto da mesmice.
Creio que a insatisfação para ser resolvida, precisa ser sentida, aceita e entendida, não evitada por algum método qualquer, como o faz a grande maioria. Não creio ser possível a descoberta da vocação pessoal, quando se evita o passo inicial da aceitação da insatisfação pessoal. Penso que somente ousando manter um contato visceral com a insatisfação é que se pode gerar o ambiente fecundo para o desabrochar da vocação pessoal. Creio que é um processo semelhante ao da gestação. Ansiosamente, espero pelo trabalho de parto.