Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

11 dezembro 2008

Bem seja!


Bom dia Priscilla, espero que você esteja vivendo bons momentos!

Fico feliz por saber que você encontrou eco nos textos provindos das palestras proferidas por Krishnamurti. Eu costumo brincar com alguns amigos que a minha vida está dividida em AK e DK (antes e depois de K).

Antes de conhecer seus pensamentos, eu levava uma existência sem vida e hoje, posso lhe afirmar que tenho vida em abundância em minha existência.

Quanto aos meus textos, fico feliz por saber que de algum modo estavam servindo de espelho para suas questões.

Estou num momento de profunda reflexão, revendo valores, questões, mudanças de paradigmas profissionais, o que tem exigido muito esforço, dedicação e estudo.

Sei muito bem o que é correr a net em busca de textos para “remediar” as minhas angústias, tédio e insatisfação. Mas, descobri a duras penas, - ainda bem que a tempo -, que a palavra “remediar” não tem o poder de mutação. Esta só pode ocorrer quando deixo de ler o livro do outro e começo a ler o livro que sou. Como nas palavras de Krishnamurti, "Temos que ser uma luz para nós mesmos". Se formos sérios, destemidos nesta profunda leitura de nossos pensamentos e sentimentos, quem sabe, num momento inesperado, possamos nos deparar com o autor do livro que somos nós.

Saiba que não deixei o gosto pela escrita. Estou somente dando um tempo de amadurecimento para novas situações (um solo depois de semeado precisa de descanso para poder dar fruto com abundância e qualidade).

Saiba que durante muitos anos, incentivado pela linha de pensamento dos membros dos grupos anônimos, me apoiei no "chororo" de ter nascido numa família disfuncional. Agora lhe pergunto: qual não é?. Hoje vejo que algumas são mais que outras e, pelo que me parece, sorte dos que nasceram numa mais disfuncional pois estes, são mais alérgicos ao conformismo aos padrões socialmente aceitos. 

Hoje, de coração lhe digo que sou profundamente agradecido por ter tido um pai alcoólatra e uma mãe codependente, emocionalmente perturbada por querer vestir as calças de seu marido. Tenho consciência de que não sou responsável por ter nascido numa família disfuncional e muito menos pelo que fizeram comigo em seu meio: sou responsável pelo que sou e por aquilo que quero para mim HOJE. 

Sei que tenho tudo que me é necessário para fazer as modificações para uma vida com qualidade: o poder de DECISÃO. Sou o único RESPONSÁVEL por ser feliz e, sei que a felicidade, não depende de NENHUM FATOR EXTERNO A MIM. A Grande Vida me proveu com as minhas digitais e a minha coluna vertebral, não bastando isso, a sociedade providenciou meu CIC e meu RG. Ninguém tem igual. Sou o único responsável por eles. Ninguém tem o poder de ficar no meu lugar caso eu venha a ter uma depressão. Do mesmo modo, não tenho como ficar no lugar do outro, quando o mesmo sofre por causa de suas escolhas e atitudes imaturas. Tenho somente o poder de compreender a mim mesmo. 

Descobri que posso amar os meus vizinhos, mas, preciso construir as minhas cercas. São escolhas minhas estabelecer limites saudáveis em meus relacionamentos e estar com pessoas nutritivas...  Quem colhe os frutos ou os espinhos destas escolhas sou eu. Não sou vítima do destino. Tudo está certo. Basta olhar a vida por prismas diferentes e ousar... Ousar, essa me parece ser a grande palavra para uma vida qualitativa.

Sabe, nestes anos tive a oportunidade de trabalhar por um período com dependentes químicos e seus familiares. Uma das coisas que mais ouvia era uma frase muito semelhante a sua, explicíta em seu texto:

- Acredito que serei feliz quando meu pai fizer seu ingresso em AA, bem como ele se reformar. Se meu pai ingressasse no AA e se reformasse, minha vida seria muito melhor e minha depressão curada.

O que víamos é que muitas vezes, quando o dependente químico iniciava sua recuperação, deixando de ser o centro de atenção da casa (e também o bode expiatório), as pessoas ao seu redor começavam a passar mal, pois começavam a se deparar com as próprias neuroses, conflitos, ansiedades e outros sintomas mais. Não tinha mais o alcoólico para culpar pela incapacidade de gerar a própria existência com maestria. Desculpe-me pela franqueza, mas, posso lhe afirmar que sua “cura” não depende da sobriedade de seu pai, ou então de qualquer fator externo a você. Sugiro que experimente parar diante de um espelho e olhar bem para ele... Você estará diante da causadora de seus problemas e também da única pessoa responsável pela solução dos mesmos. E essa parece ser a nossa maior benção. 

Também fico feliz por você estar começando a pagar a prestação da sua casa própria via consórcio. No entanto, ficarei ainda mais feliz se souber que você começou AGORA a prestar atenção na casa própria que é você, casa esta que não precisa de nenhum tipo de sócio, ligação ou união externa, para a execução deste projeto de grande porte tão negligenciado por muitos. Adquirir esta casa própria interior é o melhor autofinanciamento para a aquisição de um real bem durável, o qual não precisa da participação ou contribuição de nenhum grupo, muito menos de um número de meses previamente combinados. Posso lhe garantir que, diferente de um consórcio, cuja alegria transitória só vem com a contemplação final, o investimento que fazemos em nossa casa própria interna traz a alegria contemplativa no eterno AGORA. Não pense que um montinho de tijolos cobertos por uma argamassa colorida, registrada num cartório qualquer possa lhe trazer paz de espírito. Conheço muitos, com muitas, que nem sequer conseguem dormir direito, quanto mais desfrutar da vida em sua plenitude.

Pode até parecer frase de livro de auto-ajuda, desses que em nada ajudam mas, tudo o que você precisa encontra-se dentro de você!

Respire fundo. Convide seu mal-estar, suas angústias e ansiedades para um chá ao fim da tarde. Aventure-se na descoberta do ser que lhe faz ser!

Bem seja!

Um abraço fraterno,

 Nelson Jonas  

26 novembro 2008

Sobre a indiferença

"O pior pecado contra nosso semelhante não é o de odiá-los, mas o de ser indiferente para com eles. Essa é a essência da desumanidade".
George Bernard Shaw, escritor, IRL, 1856-195
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Fotos: Nelson Jonas

10 novembro 2008

Num almoço de domingo

Domingo de sol.

Almoço em família.

Pratos, copos, talheres, a colorida toalha de mesa vinda do outro lado do oceano e a saborosa carne assada com batatas douradas que só as mães sabem fazer.

As vozes soam altas, descompassadas, tornando impossível o encontro e a real comunicação.

Na ponta da mesa, o pai, num silêncio perdido, enquanto a mãe, como sempre, a última a se acomodar.

As crianças, uma de cada lado da mesa, permanecem física e emocionalmente espremidas, em meio de adultos perdidos que inconscientemente repetem os mesmos tipos de abusos recebidos, os quais insistem em rotular como “educação”.

A mais velha das crianças, tem seu rosto ruborizado ao ser exposta por sua mãe diante de todos, com olhar raivoso, pelo péssimo resultado obtido num exame feito numa escola particular para a tentativa de uma bolsa de estudos.

- Se você se dedicasse mais aos seus livros, seria muito melhor! – Esbravejava a mãe, com olhar dilacerante.

A pequena e tristonha menina limitou-se a levar o braço esquerdo sob os cabelos, numa tentativa desesperada de esconder sua vergonha.

- Você precisa se dedicar aos estudos com mais seriedade, caso contrário será um fracasso. Se quiser ter sucesso na vida e ser uma pessoa importante e ter bastante dinheiro, precisa se dedicar.

Nesse instante, me vi talvez no mesmo conflito vivido um dia por Benjamin Franklin: é falta de educação calar um idiota e crueldade deixá-lo prosseguir. Então, o que fazer?

Como não creio que a verdadeira educação tenha como objetivo real a busca de prestígio e poder tentei amenizar o sofrimento interno da menina diante de tamanha pressão irrefletida:

- Eu sempre fui um péssimo aluno. Lembro-me bem que ainda adolescente me revoltava com a metodologia de decorar e repetir símbolos que nada simbolizavam para mim, como por exemplo, o raio da tabela periódica e os tipos de metais... Por favor, me respondam: quem daqui realmente usa 10% daquilo que lhe foi empurrado goela abaixo nos tempos de escola?

- Acho importante tudo isso. Como uma criança pode se despertar para a química se não for apresentada a ela? – Respondeu o pai da criança com olhar sisudo.

- Sempre detestei física e química! – Bradou minha esposa Deca que também se via incomodada com a crueldade da pressão exercida sobre a menina.

Olhando para a encabulada criança, com um sorriso repeti:

- Sempre fui um péssimo aluno, graças a Deus! Não creio que boas notas seja realmente sinal de criatividade. Existe um excelente livro escrito por dois “homens de sucesso”, Rubem Alves e Gilberto Dimenstein, cujo título é “Fomos Maus Alunos”. Ainda bem que não deixei a escola matar minha sensibilidade e criatividade com aquele sistema imbecil de decoreba comparativa.

- Uma coisa é ser mau aluno, outra bem diferente a ter tino para a liderança. – Respondeu o pai em tom empresarial.

Tendo em vista seu profundo medo de entrar em contato com seus condicionamentos e sentimentos, preferi não dar continuidade ao assunto. Limitei-me a dar uma olhadinha para a menina, dando-lhe uma piscadela e um sorriso amoroso. A constatação do velho padrão educacional de meus pais sendo repetido pelo meu irmão causou-me um amargor na boca, o qual amenizei com um bom gole de suco de uva.

- Dinheiro, dinheiro, dinheiro... Só nisso se preocupam as pessoas hoje em dia. De fato, a cada dia que passa, mais se extingue a possibilidade de uma educação voltada para a compreensão da vida. – Externei em baixo tom para não agregar mais polêmica a já estabelecida. 

É triste perceber que a maioria das pessoas só se preocupa com a conquista de lugares na sociedade, com ótimos emprego e excelentes remunerações; com os resultados a serem conquistados com as operações na ansiolítica bolsa de valores e nos altos valores pagos para a eliminação da bolsa de gordura localizada. É incrível que, em pleno findar de 2008, pais ainda não consigam fazer a leitura dos sentimentos de seus filhos, estes externados através dos resultados ditos negativos de suas notas. Que ainda insistam em abafar a sensibilidade de seus filhos em nome de uma patética conformidade com este manipulante sistema disfuncional. Que ainda acreditam na repressão, no autoritarismo, na violência física e emocional como instrumento de educação. Que ainda insistem em aprisionar seus filhos em sistemas de crenças organizadas. Que não conseguem perceber que o resultado de suas notas é um grito de alerta, um pedido de atenção e real cuidado, um grito de desespero vindo de sua essência, um apelo de sua inteligência criativa que se vê aos poucos sendo enclausurada sobre as grossas camadas de condicionamento social e parental.

De fato, as sábias palavras de Alexander Schutherland Neil fizeram eco aos meus sentimentos mais profundos, as quais ouso parafraseá-las:

Gostaria de ver a educação familiar produzir um varredor de rua feliz do que mais um neurótico erudito em busca de uma receita mensal para seus psicotrópicos de tarja preta.

E meditativo sobre tudo que havia ali presenciado, sai daquele almoço de domingo interiormente exclamando: 

Abençoados sejam os maus alunos!... 

12 agosto 2008

TV destrói relacionamento


A televisão nos transformou numa nação de VOYEURS que só se excita vendo os outros agirem... a televisão diminui a vigilância, inibi a ação, cria um cinismo sensório, produz mentes estreitas e rigidamente delimitadas, programa o inconsciente com sonhos emprestados, destrói o apreço pela complexidade e cria uma mentalidade que compra a visão comercial da vida... quanto mais atraente se torna a televisão, maior a probabilidade de um dia acordarmos e descobrirmos que nos esquecemos de viver.

A existência dos comerciais de televisão depende de nossa passividade, do não questionamento, da obediência às falsas mensagenzinhas de aparente entusiasmo que as heroínas oficiais sopram em nosso ouvido, de seguirmos o conselho das cínicas "personalidades" que emprestam seu nome para nos convencer de que um toque de açucar faz bem. Não faz! É preciso ser estúpido para que o sistema funcione. Mude de canal!

Quem controla os sonhos de uma nação detém o poder de formar a realidade. Os criadores de imagem, os fabricantes de heróis e heroínas, os contadores de histórias, os bardos oficiais configuram nossos desejos e governam o que iremos amar. Já tivemos nossos bardos, os trovadores itinerantes, os piquiniques familiares onde os tios contavam coisas engraçadas que nossos pais faziam quando crianças e avós que se lembravam do começo dos tempos. Agora, no máximo, temos as novelas em capítulos que nos são oferecidas por um patrocinador para quem somos cópias carbono, consumidores em série. Pelas imagens que mostra e detém, a televisão molda nossos desejos.

Sam Keen

01 agosto 2008

Sou como a Lua:

Sou como a Lua:
Tenho várias fazes,
Vários ângulos,
Me modifico diariamente...
Nunca sou o mesmo.
Há quem reclame!
Sou novo,
Minguante,
Cheio,
Crescente,
mas, não crente.
E se enganas
Ao apontar o dedo para mim;
Aquilo que vês,
Assim como a Lua
É somente minha metade.

29 julho 2008

A magia de escutar

Escutar é uma arte que não se aprende facilmente, mas há nela beleza e uma grande compreensão. Nós escutamos com as várias profundidades de nosso ser, mas nosso escutar é sempre com uma percepção de um ponto particular da vista. Nós, simplesmente nada escutamos; há sempre um filtro dos nossos próprios pensamentos intervindo, conclusões, e preconceitos. Escutar exige quietude interior, uma liberdade da tensão de adquirir, uma atenção relaxada. Neste alerta, contudo, em estado passivo, pode-se ouvir o que está além da conclusão verbal. As palavras confundem; são somente meios de comunicação externos; mas para perceber além do ruído das palavras, deve haver um escutar um passivo, alerta. Assim se pode escutar o amor; mas é extremamente raro encontrar um ouvinte. A maioria de nós somos o acumulado, o conseguindo, os objetivos; nós estamos sempre acrescentando e conquistando, e assim não há nenhum escutar. É somente nesse escutar que se escuta a canção das palavras.

Krishnamurti

10 julho 2008

Tem alguém aí?

...Ninguém prepara o jovem, nem os pais nem a TV,
pra botar o pé na estrada e não se perder.
Ninguém prepara o jovem pra saber o que fazer
quando bater na porta e ninguém atender.
Ninguém me dá a chave pra abrir a porta certa,
mas a porta errada eu encontro sempre aberta!
Entrar numa roubada é mais fácil que sair.
Tem alguém aí? (...)

Poesia: Gabriel Pensador
Foto: Nelson Jonas Ramos de Oliveira

03 julho 2008

Sobre aulas, cursos e mestres

- Olá JR! Quanto tempo!

- Eu que o diga meu amigo! Anda sumido!

- Estou na correria, mas lembro sempre de vocês. E como vão as coisas por aqui?

- Tudo caminhando numa boa. E com você?

- Tudo bem, agora bem mais tranqüilo. Acho que agora eu consegui tirar um pouco o pé do acelerador. Do jeito que as coisas estavam indo, não ia dar pé... Eu estava ficando muito estressado. Estava a ponto de ter um troço.

- Pois é!... De que adianta ao homem ganhar mundos e fundos se não puder desfrutá-los?

- Sem dúvida!

- E quais são as novidades?

- Fora os cursos, nada de novo!

- Quais cursos?

- Não te contei?

- Não que me lembre.

- Já estou há dois meses fazendo um curso de cabalah e um outro de Saint Germain. Ambos estão sendo uma maravilha... Tenho sentido coisas que não tem como lhe explicar... Ainda estou muito no inicio do curso então não tenho muito material para poder lhe passar ou falar com mais propriedade... Só sei que estou aprendendo muito... É muita coisa... Sinto que minha mente está se abrindo muito... Tenho tido umas percepções que não tenho como explicar...

- E a Pró-Vida? Continua participando?

- Não mais... Dei um tempo. Gosto muito dos ensinamentos do Dr. Celso, mas, sinto que as pessoas que hoje lá estão, deturparam muito o teor dos ensinamentos. Já onde estou fazendo estes cursos, acho que tem mais sentido... Não tem como explicar, você precisaria assistir umas aulas para poder fazer uma idéia do que estou vivendo... Tem sido muito bom para mim.

- Se está bom para você, fico contente. No entanto, para mim, já não faz mais sentido estar filiado a qualquer tipo de instituição mística, esotérica.

- Só para você ter uma idéia, meu avô era maçom e desde a minha infância, tinha muita curiosidade de conhecer um templo... Nesta semana, uma de nossas aulas foi feita num templo maçom. Sem dúvida tem muito dogma, muito simbolismo, mas, devido aos cursos, algumas coisas deu para perceber. Foi uma experiência maravilhosa.

- Já recebi inúmeros convites para participar da maçonaria. Inclusive, já cheguei a trabalhar na ilustração, diagramação e editoração de um livro de um "irmão" maçom, chamado "O B-A-BÁ Maçom". No entanto, confesso que nunca senti o mínimo interesse, ainda mais depois que diagramei este livro. Para mim não dá! As coisas têm que ser simples, pois, de complicado, já chega a nossa cabeça condicionada, você não acha?

- Sem dúvida, concordo com você. E posso lhe afirmar que, de certa forma, estes cursos estão me ajudando a clarear as coisas em minha mente. Pela primeira vez em minha vida sinto que conseguirei resolver os meus problemas financeiros, que sem dúvida alguma, é um dos meus maiores calos.

- Mas, se me permite, percebo que muitas pessoas partem para a busca de grupos religiosos, místicos e esotéricos, não para a busca da verdade, ou do autoconhecimento, mas sim, para resolverem questões financeiras. Será que nosso real problema é a questão financeira? Se estivéssemos livres da influencia aquisitiva e tivéssemos nossas vidas pautadas numa simplicidade voluntária, será que teríamos esses problemas que produzem tanto desgaste emocional?

- Acho que a coisa não é tão simples assim. Vivemos na Terra e, enquanto na Terra, sempre teremos problemas relativos ao dinheiro. Sinto que através da prática dos exercícios que tenho aprendido nos cursos, minha mente tem se acalmado bastante e, como resultado, tenho tido maior facilidade para fazer escolhas saudáveis em meus negócios.

- Então, seu problema maior seria a questão financeira ou a mente barulhenta?

- Acho que uma coisa está ligada com a outra.

- Pois eu sinto que tudo é resultado da mente... É a mente que cria o processo obsessivo-compulsivo para a aquisição de necessidades prá lá de desnecessárias. É a mente que se identifica com o enorme bombardeio diário das imagens e sons produzidos pelo marketing consumista. Creio que basta um pouquinho só de observação sobre a mente aquisitiva, sempre em busca de promessas falsas de segurança, para a vida se tornar bem mais fácil de ser levada e, diga-se de passagem, sem a necessidade dessas organizações e cursos que também são produto de uma mente aquisitiva em busca de segurança. É assim que sinto as coisas hoje em dia.

- Mas você não sente nem um pouquinho a falta de estar ligado com algo maior?

- O que é esse algo maior? É real para você ou é apenas mais uma idéia com a qual você se identificou por causa da sua confusão mental? Não vejo sentido algum nesses e outros tantos grupos.

- Acho que não é bem assim... Tenho tido aulas sobre os ensinamentos de grandes homens que deram certo, homens como Jesus, Buda, Maharashi, Yogananda, Dr. Celso e outros mais...

- Que adianta? Acho que tudo isso não passa de acumulo de conhecimento. As pessoas estudam um Jesus muito pequeno. Não compreendem nada do que está em suas palavras... Vivem correndo atrás do mundo aquisitivo, das finanças, do poder e do prestigio. Buscam tudo isso em primeiro lugar e, quando se encontram exaustas e confusas, parte em busca do essencial numa tentativa de usá-lo para novamente se dedicarem em sua busca por mais dinheiro, poder e prestigio... Vivem correndo atrás de conhecimento vindo de terceiros ao invés de serem luzes para si mesmos... Vivem querendo acender suas lamparinas com o azeite de terceiros... Vivem querendo colocar vinho novo numa vasilha mental repleta do vinho azedo do conhecimento do passado, sem perceber que é por causa do mesmo que suas mentes se acham embriagadas e embotadas, causando-lhes uma crônica ressaca emocional. Eu já desconfiava disso muito antes de entrar em contato com os livros de Krishnamurti; depois dele, tudo ficou muito mais claro para mim. É por isso que não vejo mais sentido na participação desses cursos e grupos. Prefiro estar só do que bem condicionado. No entanto, se tudo isto está sendo bom para você, lhe incentivo a entrar de corpo, alma e mente aberta, com bastante seriedade e sempre questionando tudo...

- Tenho lá comigo todos os livros do K. que você me deu, mas tenho que lhe confiar o fato de que até agora não consegui assimilar muito bem o que ele fala. Tenho bastante dificuldade em me concentrar e acompanhar o que ele coloca. No entanto, não estão descartados, estão lá esperando pelo momento certo.

- Sim, sem dúvida. Cada um tem o seu tempo... Se anos atrás tivessem me apresentado o K., com certeza teria descartado suas colocações. Como pode alguém que está se relacionando com uma idéia de Deus, vinda de terceiros, ou mesmo própria, querer lidar com a realidade palpável dos fatos?... Tudo ao seu tempo... Insisto para que você continue em seus cursos, de mente aberta, questionando tudo com profunda seriedade. As respostas viram se você tiver olhos de ver e ouvidos de ouvir... Para ver o que não está nas entrelinhas das apostilas dos cursos e muito menos no bafo dos que se dizem professores... Creio que se você conseguir ser fiel a isso, em breve poderá ser seu próprio mestre e discípulo, além de não precisar desembolsar oa altos valores cobrados pelas "escolas da verdade e da paz".

- Muito bem! É sempre bom conversar com você! Pena que preciso ir. Minha esposa e meu filho me esperam no carro para irmos almoçar. Se demorar um pouco mais, acabaremos jantando!... A propósito: você ainda vende aqueles incensos chineses?

- Não tenho no momento, mas, posso providenciar para você. Posso verificar os aromas com meu fornecedor e lhe enviar por e-mail.

- Faça isso então! Assim lhe confirmo a quantidade que quero. Pode ser?

- Que assim seja.

- Pois bem! Deixe um abraço para a senhora sua mãe e outro para sua esposa. Agora vou nessa. Tenha um ótimo final de semana!

- Você também e boas aulas!

23 junho 2008

Cortando a vida em pedacinhos mastigáveis

Minha querida Deca, espero que você esteja vivendo bons momentos nesta tarde fria de segunda-feira. Pensei em lhe escrever para compartilhar um pouco dos sentimentos presentes neste exato momento. Como você bem sabe, pelo fato de meu pai ter sido operado e a Ida estar afastada para poder lhe dar o devido suporte, vejo-me preso nesta loja, a qual, há muito tempo já não tem nada a ver com meu projeto inicial. Para todos os lados, para todas as prateleiras que vejo, não há como me ver espelhado e meu sentimento diante da situação é a de ser como um corpo estranho que precisa ser eliminado.

Mesmo os poucos artigos que restaram de nosso projeto inicial, - os incensos, CDs de meditação e relaxamento, as quinquilharias do modismo esotérico e os livros voltados para o autoconhecimento e religião -, perderam totalmente o seu sentido e nada mais importam para mim.

Ficar atrás deste balcão na expectativa da entrada da primeira cliente, acarreta-me um peso duplo. Primeiro por sentir que as horas do dia vão passando sem nada de interessante que realmente toque o meu intimo. E segundo que, se essa cliente esperada aparecer, não sinto o menor entusiasmo em lhe vender produtos que nada significam para mim. Sinto que no quesito "profissão", ainda não encontrei meu lugar.

Sabe, segundo o dicionário "Aurélio", a palavra "profissão", além do sentido primário de ser um meio de subsistência remunerado resultante do exercício de um trabalho, de um ofício, traz em si um significado que condiz com aquilo que sinto com toda a propriedade do meu ser:

o ato ou efeito de professar, a declaração ou confissão pública de uma crença, sentimento, opinião ou modo de ser, uma atividade ou ocupação especializada, e que supõe determinado preparo.

Sinto que, seu primeiro significado relaciona-se com um modo de "sub-existência", ou seja, algo a ser praticado por aqueles que se conformam – ou se quer tenha consciência de apenas "sub-existir". Aqui, atrás deste balcão, não sinto o menor desejo de "professar", uma vez que não creio na necessidade de nada disto (já não tenho mais o menor apreço pela moda, adornos e caprichos passageiros). Depois que compreendi o poder coercitivo da moda e a falácia do que lhe impulsiona (a necessidade de ostentar, conquistar ou manter uma determinada posição social), tornou-se muito desgastante a tentativa de pelo uso de palavras me esforçar para colocar ainda mais "vendas" sobre os olhos daqueles que se achegam por aqui. Não dá mais para "xavecar" as pessoas numa boa, ou seja, já não dá para ser patife. Já não dá para ser um "vende+dor" em busca de novas "técnicas de vendas"... Sem falar que, no mundo da moda, nada existe de original: tudo é cópia e repetição; todo mundo copia todo mundo e, em conseqüência, todos são de segunda mão. Aceitar compactuar disso de bom grado, para mim significa o mesmo que me corro praticando "o poder do agora"mper, ou seja, falsear aquilo que tenho como verdade . Enquanto lhe escrevo isto, minha mente tenta me convencer de que isso é "normal", uma vez que grande parte das pessoas compactua desse modo de ser. Mas lhe pergunto: como viver em paz com isso quando se tem essa dicotomia do ser, essa enorme distancia entre o que diz a mente e o que sente o coração?

No entanto, por mais simples que seja minha existência, a mesma tem seus custos...

Então, surge a questão: onde e como professar o que sinto e o que sou, sem a necessidade de me corromper , tendo garantidas as necessidades da minha já simplificada existência?... Essa é uma questão que sinceramente não quero em mim calar... Sinto que a qualidade da minha existência depende do encontro pessoal direto com esta resposta. Enquanto isso, praticando "o poder do agora", procuro "cortar a existência em pedacinhos mastigáveis"...

Só por agora, por ainda me encontrar com vendas, continuo trabalhando em vendas, professando minha boa vontade de a qualquer momento poder professar aquilo pelo qual fui convocado a existir. E, enquanto vivendo na esperança, aguardo a vinda da resposta salvadora. Até lá, o melhor mesmo é estudar a minha dor para que a mesma não se transforme em re-volta.

Um beijo em seu coração!

JR

PS - Velho e novo testamento, Kardek, Trigueirinho, Jung, Freud. Emmet Fox, Eva Pierrakos, Huberto Rohden. Anselm Grün , Paul Bruton, Thomas Merton. Tao, Buda, Yogananda, Aurobindo, Joseph Campebell. Nietzsche, Eckhart Tolle, Osho, Krishnamurti... Só por este instante, nada importam para mim, estes diversos nomes na estante.


Meu sentimento sobre a busca de respostas...

19 junho 2008

Sobre escrever e criticar

Para mim, escrever tem sido uma prática fascinante e, acima de tudo, profundamente reveladora. Uma vez atento me é possível perceber as próprias nuances, os sentimentos, os motivos e o espírito que me move a tal prática. A cada dia que passa venho aprendendo muito a respeito de mim mesmo, seja escrevendo, seja observando minhas reações aos comentários feitos a cada texto postado. E, através dos comentários acabo aprendendo também um pouquinho a respeito das relações humanas.

Há algum tempo, quando sofria profundamente com o tédio e a insatisfação, descobri na escrita, uma espécie de "fio terra emocional", algo semelhante aquele pino colocado sobre a tampa da panela de pressão que a impede de explodir. Sou como essa panela de pressão: hoje, sem um pino, posso explodir e causar danos a mim mesmo bem como aos que me cercam. Posso garantir que, das válvulas de escape que já utilizei em minha vida, a escrita tem se mostrado a mais funcional e inteligente.

Durante anos e anos fiquei apenas observando a coragem dos outros ao expressarem suas idéias e, quase sempre, minuciosamente em busca das possíveis contradições dos autores. Tecia minhas conclusões e criticas sobre os mesmos e não sobre os textos por eles escritos. Até então, nunca havia me passado na cabeça que é humanamente impossível analisar um ser humano através de um punhadinho de letras. Um ser humano é infinitamente mais complexo do que seus textos. Nos mesmos, um autor consegue traduzir apenas um ponto de vista e, um ponto de vista é apenas um minúsculo ponto de sua visão. Quando lemos um texto, não temos como ver as reações emocionais e somáticas do autor. Não temos como sentir suas vísceras...

Talvez eu consiga expressar melhor este ponto de vista, dando como exemplo a disparidade existente entre o original de uma obra literária e o resultado dela quando transformada em filme. Por mais holística que seja a visão do diretor, este nunca conseguirá traduzir aquilo que o escritor tentou transcrever.

Segundo Ezra Pound, poeta, músico e crítico estadunidense, o mau crítico se identifica facilmente quando começa por discutir o poeta e não o poema. E nos dizeres de Osho, na verdade, quem consegue criar, cria; e quem não consegue criar, critica. Pessoas não criativas se tornam grandes críticos. É fácil criticar poesia, mas é difícil escrever poesia. É fácil criticar uma pintura – você pode criticar Picasso, mas não consegue pintar como Picasso. É fácil criticar tudo.

Hoje, sei muito bem a enorme diferença existente entre ser um critico e ousar escrever suas idéias, visões e sentimentos. Tenho visto o quanto é difícil estabelecer uma real comunicação com o leitor, uma vez que cada um de nós possui uma história, um fundo psicológico, o qual obscurece nosso mundo de relação. O mesmo acontece com a escrita... Tenho percebido o quanto é difícil ser original, não permitir que esse mesmo fundo, com suas vozes, cores e letras macule a tentativa de expressar o sentimento letrado.

Quanto aos críticos, existem alguns que me rotulam como incoerente, por não manter sempre a mesma visão em meus escritos. Ora, penso que se fizesse isso, ai sim estaria sendo incoerente, uma vez que estaria me distanciando dos motivos que me levaram a escrever. Isso seria o mesmo que exigir da natureza, que todos os dias se apresentassem da mesma forma: a mesma temperatura, as mesmas nuvens, a mesma pressão do ar, a mesma calmaria, o mesmo mar sem revoltas... Sou fruto da mesma natureza, portanto, feito de oscilações... Escrevo aquilo que sinto no momento e não tenho comigo o menor compromisso "intelectual" de manter a mesma postura de ontem.

Ao contrário de alguns críticos, não me sinto "completo", não me sinto "pronto": sou um ser em construção. E, como ser em construção, não desprezo as experiências dos outros, o que não significa que seja dependente das mesmas. Como tenho colocado em meus textos, gosto de trocar figurinhas sem colar. Gosto de trocar com as pessoas e sinto que isso nos enriquece, afinal de contas, uma das mais antigas características humanas é a capacidade e a necessidade de se expressar e compartilhar. É por isso que tento expressar pela escrita, o ponto de vista extraído dos vários contatos do meu cotidiano. Em meus textos, tento expressar um pouquinho dos meus sentimentos e daquilo que, naquele momento vejo como verdade (e na grande maioria das vezes, como os demais seres humanos, aquilo que vejo, tenho dificuldades de colocar em prática).

Já dizia o finado poeta: ... "tuas idéias não correspondem aos fatos"... Não me sinto na obrigação de ser coerente ou mesmo de ter respostas para tudo e para todos. Estou aberto e me permito a mudança de visão há qualquer segundo. Procuro ser eu mesmo, mas sem ser sempre o mesmo e olha, posso garantir que isso não é nada fácil. Aliás, acho mesmo que a mesmice – com perdão da palavra - é uma merda. Creio que já não sou mais vitima da "síndrome da jovem guarda": a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores o mesmo jardim... Isso não cabe mais no meu universo...

Gosto demais de duas frases, entre tantas colhidas ao longo dos anos, que resumem bem o que sinto a respeito da contradição e os críticos, as quais uso para encerrar este texto. A primeira vem de Roberto Crema, num seminário da Unipaz e diz respeito a contradição: "contradigo a mim mesmo por que sou vasto!". E a segunda, sobre os críticos, é de um dramaturgo inglês, Brendan Behan, a qual tomei conhecimento através de um texto de Paulo Coelho: "Críticos são como eunucos em um harém. Teoricamente eles sabem qual a melhor maneira de fazer, mas não conseguem ir além disso".

Agora, cá prá nós: difícil mesmo é deixar de lado o condicionamento de ficar tecendo receitinhas de como os outros devam ou não levar as suas vidas, de ficar apontando um dedo e opinando no modo de ser do outro, esquecendo-se de que três dedos sempre ficam voltados para nós... Será que fui muito critico nisto?


18 junho 2008

Fotografias

Ontem, tarde da noite, enquanto Deca descansava no sofá, com nosso cachorro Krish deitado bem ao lado de seus chinelos, eu separava antigas fotos minhas para anexá-las num álbum on-line. Entre elas, deparei-me com várias cenas de momentos infantis, as quais me reportaram para uma viagem de pensamentos, sentimentos e questionamentos.

Em cada criança fotografada, uma expressão perdida para muitos: a inocência, a vontade de superar obstáculos, a espontaneidade, a alegria nas coisas simples da vida, a descontração, a leveza do ser, a naturalidade, a capacidade de, enquanto acordado, sonhar "coloridos sonhos"... O contato com a natureza, com a mãe terra... O estado de "maravilhamento", o desejo de lançar-se ao desconhecido, a diversão na simplicidade... O sorriso descontraído, a alegria de ser livre para alcançar as alturas... A liberdade das garras do tempo, a capacidade de viver com toda intensidade o presente momento, o aqui e o agora... Para a criança, não existe o ontem e nem o amanhã, só a intensidade do agora...

Havia também outras fotos de adultos, - nas quais me incluo -, que traziam consigo um pesado contraste diante das fotos dos infantes... O olhar perdido no tempo... O olhar da tristeza pela falta de direção... O olhar da busca de sentido para uma vida sem sentido devido a perda da capacidade de sentir... O período em que meu corpo se mostrava fragilizado pelo que hoje chamo de a minha "abençoada depressão iniciática"... Além de vários registros de longos períodos e viagens pelo país a fora em busca de respostas para o ser que sou.

Fiquei me questionando do por que ao longo dos anos, despercebidamente trocamos a alegria dos diálogos com nossos "Heróis imaginários", pelo monólogo estressado e aflito de nosso algoz mental? Por que trocamos a capacidade de cantar por todos os cantos, pela incapacitante mania de resmungar solitariamente por tudo e por todos pelas calçadas ou pelos espaços vazios da casa? Por que trocamos o arrebatamento e as cartinhas de amor, por casamentos de fachada e interesses egocêntricos, repletos de controle, ciúme e solidão a dois? Por que trocamos os carinhosos momentos de mãos dadas pelas calçadas, o hall's de cereja depois da pipoca do cinema, pela distancia da novela da televisão da sala e os maçantes comentários futebolísticos na televisão do quarto? Por que trocamos a alegria de se aventurar no desconhecido, de lançar vôos cada vez mais altos e respirar novos ares, pela tristeza e o mofo dessas pútridas zonas de conforto?

E revendo atentamente as fotos dos adultos, deparei-me com inúmeros sorrisos forçados e raríssimos dotados de espontaneidade... Apenas negativos revelados que não revelam o negativo"...



14 junho 2008

Comprometimento

- Fala JR!

- Bom dia Dalton! Que te traz tão cedo por estes lados? Caiu da cama?

- Nada! Vim recarregar meu cartão do ônibus e aproveitei chegar até aqui para te trazer o cd com as estampas. Desculpe-me por não ter lhe trazido na semana passada como havia prometido por telefone. Espero que você não fique chateado comigo; você entende... Estou sobrecarregado, lá na firma acaba tudo caindo em cima da minha mesa. Tenho que bater o escanteio, correr para a área para tentar cabecear e depois, ainda voltar para defender a zaga que, como sempre, vive descoberta.

- Entendo! Quanto a não ficar chateado... Bem, hoje estou de boa, mas, na semana passada, fiquei extremamente chateado com todos vocês. Você tem idéia do prejuízo e contratempo que me causaram?

- Cara, não fique chateado comigo, afinal, lá eu não tenho poder de mando, sou apenas mais um funcionário. Você tem que falar direto com os homens. Já te disse!

- Quer saber? Desencanei! Sou grato pela oportunidade que me deram, mas, minha experiência com eles deixou muito a desejar.

- Não fala assim cara! Os meninos são gente boa, só que estão meio atrapalhados. É preciso levar na macioata, no banho maria... Fica frio! A firma lá promete muito e quem ficar vai cresce junto com ela.

- Desculpe-me Dalton, mas, quem gosta de viver de promessa é romeiro. Desde que começamos nossa relação comercial, os meninos já deram mancada comigo mais que uma vez. Como disse a eles, desde o inicio vesti a camisa da empresa. Houve total comprometimento de minha parte, no entanto, não posso dizer que vi o mesmo da parte deles. Digo isto sem ressentimentos. Como disse, sou grato pela oportunidade que me deram, mas, perdi o pique de criar para eles. Você sabe, desenhista precisa trabalhar livre, leve, solto, sem nenhuma preocupação na cabeça. Como posso querer criar para eles se não sinto firmeza e muito menos comprometimento por parte dos donos da empresa? Até agora, nunca conseguiram cumprir com o palavreado. Sendo assim, fica muito difícil.

- Você está fazendo uma idéia errada deles, JR! Posso lhe garantir.

- Dalton, sei muito bem o que estou lhe falando, afinal de contas, desde que fiz o primeiro site para eles, já estamos trabalhando há mais de um ano e, sinto lhe dizer, sempre furaram com os prazos, tanto no que diz respeito a entrega do material como na hora de fazer os pagamentos. Assim fica muito difícil. Fala-se uma coisa na mesa de reunião só que no percurso da carruagem fazem um caminho voltado somente para a própria direção... As coisas não funcionam assim. É preciso ter em mente que a vida é uma estrada de mão dupla. Uma relação só é uma relação quando ambos os envolvidos saem dela energizados.

- Insisto para que você leve na maciota, pois pode se dar muito bem com os meninos.

- Desculpe-me, mas, seu modo de pensar não condiz com os fatos... Para mim, uma boa viagem tem que ser boa na saída e também durante o percurso do itinerário... Esse lance de gozar só no final, para mim não cola. Além do mais, o que você pensa sobre uma empresa que leva mais de um mês para apreciar um book de cinqüenta estampas e, depois desse período, manda um funcionário ligar para dar a informação de ter aprovado apenas cinco delas?... Você quer que um cara que está dentro do mercado de confecção, estamparia e loja, há mais de 20 anos, acredite que apenas 10% do seu trabalho é vendável?... Se a qualidade dos desenhos apresentados foi tão precária, por que levar mais de um mês com o book nas mãos? Por que não liberá-los para serem trabalhados para outra marca? Detalhe: vendi as demais estampas em apenas dois dias para um concorrente de vocês, que nem sequer pestanejou.

- Que bom! Fico contente por você!

- Dalton, já conheço bem esse mercado, aliás, um dos motivos de anos atrás ter deixado de trabalhar com confecção foi justamente pela falta de comprometimento e seriedade para com os desenhistas... Os caras enrolam, copiam os trabalhos na cara dura e acabam soltando os mesmos em outras praças. Pedem para você desenvolver muito mais do que eles necessitam e não se comprometem com o montante palavreado. Sem falar no vai e volta dos cheques e na forçada para barrigar os prazos. Não se preocupam em fazer um negócio que seja bom para ambas às partes, ao contrário, espremem o quanto conseguem. Posso ser até utópico, mas, acredito que devam existir firmas que queiram realmente fazer uma boa parceria e que não fiquem apenas no bafo de boca. Ainda acredito que o ser humano não tenha perdido de tudo sua capacidade ancestral de "repartir" o necessário. O pior de tudo é perceber que a maioria dessas empresas não precisa manter essa postura, a qual já virou um vicio do sistema: pressa para pedir, procrastinação para aprovar e enrolação na hora de pagar. Enquanto você não entrega o pedido, chegam a ligar várias vezes te pressionando, depois de entregue, nunca estão na firma e, se estão, instruem suas secretárias com desculpas que vão desde "reuniões com fornecedores" ou ter que "correr com a esposa para o médico". Quer saber? Não estou mais a fim de fazer esse jogo e ainda ter que ficar fazendo caras e bocas de felicidade.

- E quanto ao projeto de você ir à empresa uma vez por semana para nos dar um curso das técnicas de Photoshop e Corel Draw?

- Dalton, olhe bem aqui na minha testa e me diga se nela está escrito "trouxa"?... Você acha mesmo que eu iria até lá e ensinaria o que sei para o setor de criação de uma empresa que não demonstrou o mínimo de comprometimento e seriedade para comigo?... Que valor seria justo cobrar pela experiência de mais de vinte anos de mercado, sabendo que não existe nenhum comprometimento com você?... Se tivesse visto da parte deles o mínimo desejo de manter uma saudável relação comercial, teria imensa satisfação de compartilhar graciosamente com vocês desenhistas um pouco do conhecimento adquirido nestes anos, do mesmo modo que fiz quando passei o dia com vocês na empresa.

- Nem me fale! Com você, aprendi em um dia o que talvez levasse anos para aprender...

- Pois é! Pena que os meninos não souberam valorizar isso.

- Fico chateado por isso!

- Ficou chateado por quem? Por mim ou por você?

- Pela situação em si. Acho que todos perderam com isso. Tenho certeza que você poderia somar para a empresa, bem como a empresa para os seus conhecimentos.

- Não tenho dúvidas quanto a isso. Com certeza, poderíamos trocar muitas figurinhas sem colar.

- Por que você não tenta falar com eles novamente?... Joga aberto!

- Dalton, acho que você não entendeu: há muitos anos que já não estou mais a fim de jogar... Hoje, estou em busca de boas relações comerciais. Há muito que estou comprometido comigo mesmo a não corromper e a não me permitir ser corrompido. Eu não corrompi nossa relação comercial, foram eles que a romperam ao não demonstrarem seriedade e respeito para com as necessidades do ser humano que sou. Agora não tem mais jeito: esse álbum eu já fechei!

- Certeza?

- Por mais que não se queira reparar nas emendas feitas, um vazo quebrado é sempre um vazo quebrado... Compreende? Penso que uma das coisas mais sagradas do ser humano é a sua capacidade de fazer escolhas. Eu escolhi "perdoar", ou seja, doar aquilo que o pensamento julga como perda e seguir em frente, com a certeza de se um dia novamente cruzar com eles em meu caminho, não precisar mudar de calçada ou então alimentar rancor. Um dos meus maiores patrimônios é saber que hoje posso andar de cabeça erguida por onde for.

- Posso ficar tranqüilo? Tem certeza de que não está chateado comigo?

- Nem com você e nem com eles.

- Que bom.

- Mas, e com você? Está tudo bem?

- Sim! Com Jesus na frente e Deus no coração, tudo só pode dar certo!

- Que bom!

- Bem, agora que já nos falamos, vou nessa. Vou aproveitar a manhã para passar no shopping e conferir as estampas nas vitrines. Sabe como é: no mundo da moda nada se cria, tudo se copia!

- Sei!... Dalton, mais uma coisa...

- Diga!

- Estou enganado ou os donos da empresa também são "seguidores de Jesus?"

- Sim, lá a maioria da galera caminha com Jesus.

- Sei... Vá com Deus!

Enquanto observava Dalton seguindo cabisbaixo pela calçada, com a mão nos bolsos dianteiros, em minha mente ficou a certeza da realidade explicita na frase de uma camiseta: é muito mais fácil dizer que se anda com Jesus no peito do que ter peito para viver do modo como Jesus andou...





10 junho 2008

Vitimismo Crônico

- Bom dia JR!

- Bom dia Carlo! Quanto tempo! Que houve? Por que sumiu do pedaço?

- Antes de tudo, este é o Anibal, um antigo colega de trabalho!

- Muito prazer!

- O prazer é todo meu, Anibal!...

- Sumi por que fui chamado para dar aula noutra região. Não sei se cheguei a lhe comentar, mas eu havia prestado exame para professor do estado. Passei e agora fui chamado para dar aula numa escola bem prá lá da periferia de Osasco.

- E está contente com a mudança?

- Não sei não se valeu à pena... Perco mais de cinco horas do meu dia só para me deslocar de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Tenho que tomar três conduções, sendo que as mesmas estão sempre abarrotadas... É uma briga danada para poder entrar no ônibus. Se não quiser ir de ônibus, tenho que me sujeitar àqueles adrenados perueiros...

- Mas, se me permite a curiosidade, o que te fez largar um emprego há menos de quinze minutos de caminhada da sua casa por outro onde Judas perdeu as botas e as meias?

- Não foi nem pelo salário... Segurança e estabilidade... Sabe como é, uma vez no estado, segurança de emprego garantida... Mas começo a achar que não valeu à pena não, além do mais, os alunos de lá me tiram do sério. Alguns deles são verdadeiros diabos. Tem hora que tenho vontade de descer a mão na orelha dos fedelhos. Educação é algo raro no meio daqueles pirralhos. Eles te enfrentam na caruda enquanto o resto fica numa gargalhada só. Tenho medo de a qualquer momento perder minha cabeça e acabar fazendo merda. Para mim está sendo uma experiência horrível. Não que os alunos da rede particular não aprontem as suas... Mas, aqui eram apenas alguns mimadinhos do papai, enquanto que lá, 90% são endiabrados. Vou te falar: ser professor aqui no Brasil, usando a frase que você sempre usa, é só prá quem tem saco roxo!

- Que tal tentar que ver as coisas por outra ótica: pensar neles lhe desafiando a ampliar sua psicologia humana, ou, quem sabe, como seus professores de paciência e tolerância?...

- Pode ser, vai saber!... Tem dias que fico me questionando o que é que estou fazendo com a minha vida...

- Essa é uma excelente pergunta. Por falar em pergunta me permite uma?

- Sim, claro!

- Você tem certeza que realmente ama a arte de ensinar?... Sente que nasceu para isso?... Sente prazer em pensar no seu trabalho fora do horário de expediente? Gosta de se dedicar ao estudo de como melhorar a qualidade da própria atividade?

- Hoje, com certeza lhe digo que não! Escolhi pelo magistério numa época muito turbulenta de minha vida... Pensando melhor, quando é que minha vida não foi turbulenta?

Nesse momento, nossa conversa foi delicadamente interrompida por Anibal, que silenciosamente ouvia a tudo enquanto apoiado no sombreiro da loja:

- Se vocês me dão licença, vou deixá-los conversando e aproveitar para passar na farmácia. Estou em horário de almoço e já já tenho que voltar para a escola. Jr, foi um prazer conhecê-lo. Carlo sempre me falou muito bem a respeito das conversas que mantinha com você. Quando tiver um pouco mais de tempo, passo por aqui.

- Tempo... Anibal, o tempo somos nós que o fazemos para aquilo que amamos. Até a próxima, lhe desejo bons momentos!

- Carlo, a gente se vê lá na escola. Até mais.

- Até!... Onde estávamos?...

- No questionamento da sua vida turbulenta...

- Sim, você sabe, já lhe falei sobre isso... Pai militar, mãe neurótica, irmã esquizofrênica... Acha possível viver num ambiente como este e desfrutar de qualidade e harmonia?...

- Não sei, só posso responder pelas minhas experiências. Posso afirmar por experiência própria que a exposição excessiva a um ambiente disfuncional, contaminado por uma energia opressiva, acaba minando o desenvolvimento da inteligência emocional de qualquer um. A grande sacada está em não se entregar ao vitimismo, mas sim, ver o que podemos fazer com tudo isso, a fim de tornar nossa história uma espécie de catalizador quântico.

- Falar é fácil! Difícil é colocar em prática!

- Sim, afinal, a grande maioria das pessoas está condicionada ao vitimismo.

- Nisso você tem razão... Eu mesmo me pego várias e várias vezes reclamando da vida sem ao menos ter um real problema.

- Isso parece ser uma das características humana... As pessoas parecem que não tem mais o que falar, então, se está sol é porque está sol, se está chovendo é porque está chovendo, se está ventando é porque está ventando... Se estão desempregadas é porque estão desempregadas, se estão empregadas é porque estão descontentes com o emprego. Se estão sozinhas é por causa da solidão e se estão se relacionando é porque estão empurrando o relacionamento com a barriga. Se não fazem sexo é porque não fazem sexo e se fazem muito sexo é porque o parceiro só pensa naquilo. Vai entender!...

- É bem assim mesmo!

- Eu não entendo... As próprias pessoas se colocam nas situações de que reclamam e, ao invés de tomarem uma atitude proativa preferem derramar seu vitimismo nos ouvidos daqueles menos atentos. Essa vitimização é também um grande processo de vampirização... Já percebeu como você acaba saindo literalmente sugando depois de meia hora de conversa com um vitimista anônimo?

- Sim, tem algumas pessoas que são verdadeiros vampiros emocionais.

- Pois é! É preciso estar atento, tanto para não ser vampirizado como para não fazer o papel do vampiro, afinal de contas, crescemos no meio de um ambiente onde todos estão sempre reclamando ou falando mal de terceiros. O triste é que aprendemos desde cedo a compactuar deste tipo de comportamento inconsciente.

- É verdade!

- Já que você não está contente com a atual mudança de local de trabalho e, além disso, já afirmou não amar aquilo que faz, porque não pensa em se dedicar a fazer outra coisa para custear o seu modo de vida?

- Simples: por que não sei fazer outra coisa...

- Não sabe, ou está condicionado a pensar que não sabe fazer outra coisa?

- Na real, nunca parei para pensar nisso com propriedade.

- Acredito. Aliás, tenho percebido que uma das coisas que o ser humano menos gosta de fazer é pensar com propriedade... A maioria das pessoas está viciada em se deixar levar pelo movimento de seus pensamentos desordenados. E tenho percebido também que, quando você fala para prestarem atenção nos movimentos do pensamento é como se você estivesse falando uma língua de outro planeta.

- É verdade! Eu mesmo tive muita reticência a isso desde a primeira vez que você me falou a respeito e me emprestou aquele DVD do Krishnamurti. Diga-se de passagem, sendo muito franco com você, não consegui assimilar nada, pois com menos de dez minutos de vídeo minha cabeça começou a doer como nunca, parecendo que ia mesmo explodir.

- Totalmente natural... A mente de forma alguma quer se abrir para algo que possa colocá-la em seu devido lugar. Como pode algo que vive exclusivamente do movimento passado-futuro, futuro-passado, se deparar de bom grado com algo que a coloca no presente ativo?... Costumo chamar isso de "síndrome de abstinência da mente devaneante". A mente que está acostumada a vagar em seus devaneios mórbidos começa a criar toda forma de desconforto físico com o intuito de não deixar surgir o observador de si mesma, sem o qual se torna impossível o rompimento do insano processo de identificação com a mente condicionada. Como que uma pessoa vai poder parar de alimentar a desgraça do vitimismo se não se aperceber como vitimista compulsiva? Como poderá deixar de alimentar essa praga se não perceber a natureza exata, a fonte infectada de seus assim chamados "problemas"?

- Fica difícil...

- Pois é! E o pior é que isto é tão simples que acaba se tornando complicado para as pessoas. A maioria prefere sair desesperadamente atrás de uma ilusão a mais que prometa lhes tirar momentaneamente desse estado de vitimismo. Aí, quando o Sr. Tempo chega trazendo a benção da desilusão, ao invés de se mostrarem felizes, se entregam com peso ainda maior ao vicio do vitimismo... Vai entender a mente humana. Chego a desconfiar que essas pessoas desfrutam de uma forma mórbida de prazer ao alimentarem o ciclo compulsivo do vitimismo-ilusão-desilusão-vitimismo. O pior de tudo é que elas não percebem que entra ano e sai ano e permanecem na mesma lamúria.

- Realmente esse é um processo muito louco...

- Bota loucura nisso! Creio que enquanto essas pessoas não se tornarem conscientes daquilo que fundamenta tal comportamento vitimista, não há a mínima condição da manifestação de um modo de vida repleto de bons momentos.

- E você consegue ver um modo de ajudar as pessoas que sofrem disso?

- O que tenho procurado fazer é não compactuar de suas ladainhas. Eu vou cortando logo de inicio e tratando de sair fora. Algumas chegam a me chamar de insensível por não querer alimentar aquilo que vejo como sendo a sua doença. Algumas dessas pessoas fingem estar em busca de ajuda, mas na realidade, a julgar pelos seus atos, o que elas realmente querem é encontrar alguém com quem possam alimentar a danada da autopiedade. Como não tenho a cara de bonzinho do Padre Marcelo, nem a paciência de ficar como ele repetindo ladainhas, trato logo de rodar a baiana. Por amor, não compactuo desse comportamento infantil. Se elas querem buscar por esse tipo de prazer mórbido que vão fazê-lo bem longe de mim. Elas dizem querer fazer algo para mudar a qualidade de suas vidas, quando na realidade, fazem de tudo para não abrirem mão de suas patológicas, enclausurantes e ilusórias zonas de conforto. Creio não ser preciso ser nenhum Freud, Jung ou Gikovate para ver a veracidade dos fatos.

- Pior que, enquanto você falava, não tinha como não me ver em várias dessas situações.

- Não digo que estou 100% livre disto. É preciso estar sempre vigiando e orando com meus próprios botões, afinal de contas, existe uma forte tendência para nos entregarmos para esse modo inconsciente de ser. Quanto a estas pessoas, por mais que você fale, não conseguem tomar consciência da maneira pela qual são literalmente escravizadas pelos seus pensamentos desgovernados. Elas permanecem reclamando de tudo e de todos, como se os problemas estivessem nas situações externas e não na maneira como internamente lidam com os acontecimentos do cotidiano. Não conseguem perceber que não são os fatos em si que causam o descontentamento crônico, mas sim, a identificação com o fluxo inconsciente de seus pensamentos desgovernados.

- Interessante.

- É como diziam os mais antigos: essas pessoas não conseguem manter a cabeça no lugar... E que lugar é esse a não ser a consciência plena do aqui e agora?... O resto, é balela!... Se você quiser fazer uma experiência interessante... Pergunte para cinco pessoas o que elas têm de novidade... Depois tire suas próprias conclusões. Vejo isso acontecendo todos os dias.

- Você tem razão... Eu mesmo já cheguei aqui reclamando do meu serviço!

- Pois é!

- E quanto aos filmes que você me emprestou? Ficou de vir pegar e sumiu.

- Não esquente, está em boas mãos! Qualquer dia desses passo com mais tempo e, como você sempre diz, trocamos mais figurinhas sem colar! Agora vou nessa. Quero aproveitar para rever a galera da escola.

- Aceita sugestão literária?

- Claro!

- Procure por um destes três livros: Ensinar e Aprender, A Arte de Aprender e Debates Sobre Educação com Alunos e Professores em Banaras. Todos eles são de Krishnamurti, um educador por excelência. Com exceção do livro A Arte de Aprender, os demais você só encontrará pelos sebos. Se não encontrar me avise.

- Beleza! No sábado passo por aqui e conversamos melhor! Valeu!

- Valeu garoto! Mande um abraço para os demais garotos da sua escola; mantenha um olho neles e o outro bem mais aberto no garoto assustado que mora ai dentro! Até sábado!

04 junho 2008

Outonos do ser

Pela manhã, ao abrir minha caixa de e-mails, deparei-me com uma mensagem enviada por uma leitora do blog Histórias para Cuidar do Ser. Sua mensagem trazia as seguintes palavras:

"Para tão profundos temas, e tão relevantes posicionamentos, sinto falta de posts mais atuais. Quero aprender com você, amigo".

De imediato, pude perceber o pensamento, em forma de vaidade, querendo se instalar, mas, como atento estava, não houve identificação alguma com o mesmo. Então, o ligeiro pensamento, - sempre tentando criar conflito -, começou a sussurrar que eu "deveria" me preocupar em escrever todos os dias para não correr o risco de voltar a ser um prisioneiro nas coloridas, espaçosas e ilusórias grades da inconsciência. A observação fez com que estes também seguissem seu rumo, morrendo de morte natural.

Como a manhã iniciou-se com uma gélida garoa fina e agora apresenta um sol esplendoroso, tratei logo de puxar uma das cadeiras da loja para sentar-me ao pé da já não tão pequena pitangueira. Olhando entre seus galhos e folhas, ao contrário de tempos idos, encontrei apenas três pequeninos rebentos ainda bem verdinhos. De imediato, veio-me a lembrança de uma rápida conversa que tive ontem a noite com Deca, enquanto lhe ensinava as primeiras aulas de Photoshop: uma perfeita correlação entre meu momento atual e os poucos rebentos da Pitangueira...

Sinto como nunca que tanto ela como eu, em essência, nada somos diferentes. Vivemos no mesmo espaço tempo e somos frutos da criação. Temos cada um seu próprio tempo de crescimento, poda, maturação e frutificação. Ambos temos um tempo particular de repouso e assimilação e creio que, sem estes, não haveria a possibilidade da manifestação de frutos energizados...

Creio que meu momento presente, traduz-se em tempo de poda e assimilação. Pela primeira vez desde o inicio de minha vida adulta vivo um pacifico outono interior... Como a Pitangueira, observo silenciosamente minhas "folhas mortas" caindo ao chão sem o mínimo esforço de minha parte. E, mesmo em meu momento outonal, assim como a Pitangueira, aqui e acolá, surgem pequeninos e espontâneos rebentos em forma de letrinhas. Se são ou não saborosos e suculentos, não cabe à mim a resposta. Assim como a Pitangueira, só me cabe silenciosamente ser, então, que assim seja!

Agora, a manhã já chegou a seu fim e os raios solares perderam-se por detrás das pesadas nuvens cinzentas que chegam da direção da serra, as quais prenunciam chuva para o fim da tarde.



FRUTIFICAR (para pessoas sensíveis)

31 maio 2008

Liberdade prá dentro da cabeça

A influência psicológica da crença

A manhã chuvosa torna ainda mais lento o caótico trânsito paulista. Ainda na parte da manhã estamos alcançando a segunda maior marca de congestionamento da história paulista. No entanto, apesar da chuva e a lentidão do trânsito, para mim, a manhã está bastante agradável. Pela janela embaçada observo as pessoas aglomeradas sob o teto acrílico da parada de ônibus, já encardido pela ação do tempo. Logo atrás do local em que estou sentado, um jovem mantém aos ouvidos um aparelho de mp3 em tal altura que mesmo sem os fones posso acompanhar a melodia da música de Pear Jean.
Ainda em casa, enquanto me trocava ao som dos pingos da chuva sobre as telhas da cobertura plástica do nosso pequenino quintal dos fundos, pude perceber o tamanho do meu condicionamento referente a um dia chuvoso. Para mim, desde cedo, dia de chuva tornou-se sinônimo de problemas. Não me lembro de ter sido alguma vez incentivado por algum adulto dotado de sensibilidade para observar a beleza de um dia como este. A mente tenta logo se justificar ressaltando os problemas vividos ou presenciados através das lentes da teleilusão que literalmente vivem de tempestades em copos de água.
Num instante me passou na mente que, assim como eu, talvez a grande maioria das pessoas também devam ter enraizado em seus fundos psicológicos várias formas de condicionamentos quanto aos dias de chuva. Será que se as pessoas tivessem consciência de tais condicionamentos muito desses chamados problemas não poderiam ser amenizados? Outra coisa que tenho me dado conta é o fato de como nós humanos estamos condicionados a reclamar de tudo... Se chove é porque chove, se faz sol é por que faz sol, se venta é por que venta e por aí vai um infindável rosário de lamúrias. Tenho visto que a mente tem a nefasta tendência de sempre achar pelo em ovo. Vive projetando dificuldades e conflitos que, na maioria das vezes, nunca acabam por se realizar. A mente trava monólogos e diálogos internos num verdadeiro palco de ilusões, cujo enredo versa quase sempre em situações perdedoras, negativas e por vezes violentas.
Agora são 8:30 da manhã e os vagões do metrô se apresentam absurdamente lotados, parecendo vomitar pessoas de estação em estação. Com muita propriedade sinto que vários dos nossos assim chamados "problemas" poderiam deixar de ser encarados dessa forma se houvesse uma mudança comportamental alicerçada na prática da observação dos insanos monólogos da mente. Tenho percebido que tanto os nossos pensamentos como as emoções deles resultantes não suportam serem observados. Aliás, quando essa prática se torna natural, sem esforço algum de nossa parte, a julgar pela minha experiência atual, não é raro rir-se de si mesmo e, então, quando menos percebemos, a vida começa a se apresentar de forma bem mais leve, livre e solta.
Enquanto a grande maioria caminha a passos largos pela rampa de saída da estação São Bento do Metrô, há poucos metros de seus portões, dois camelôs sorriem com as vendas de sombrinhas coloridas a R$5,00 e enormes guarda-chuvas pretos por R$10,00. Como venho percebendo, trata-se apenas de uma questão de ótica e atitude. Com certeza, vivem melhor que consegue ver lucro, onde todos apenas conseguem ter olhos para prejuízos.

Nelson Jonas



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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!