Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

10 junho 2008

Vitimismo Crônico

- Bom dia JR!

- Bom dia Carlo! Quanto tempo! Que houve? Por que sumiu do pedaço?

- Antes de tudo, este é o Anibal, um antigo colega de trabalho!

- Muito prazer!

- O prazer é todo meu, Anibal!...

- Sumi por que fui chamado para dar aula noutra região. Não sei se cheguei a lhe comentar, mas eu havia prestado exame para professor do estado. Passei e agora fui chamado para dar aula numa escola bem prá lá da periferia de Osasco.

- E está contente com a mudança?

- Não sei não se valeu à pena... Perco mais de cinco horas do meu dia só para me deslocar de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Tenho que tomar três conduções, sendo que as mesmas estão sempre abarrotadas... É uma briga danada para poder entrar no ônibus. Se não quiser ir de ônibus, tenho que me sujeitar àqueles adrenados perueiros...

- Mas, se me permite a curiosidade, o que te fez largar um emprego há menos de quinze minutos de caminhada da sua casa por outro onde Judas perdeu as botas e as meias?

- Não foi nem pelo salário... Segurança e estabilidade... Sabe como é, uma vez no estado, segurança de emprego garantida... Mas começo a achar que não valeu à pena não, além do mais, os alunos de lá me tiram do sério. Alguns deles são verdadeiros diabos. Tem hora que tenho vontade de descer a mão na orelha dos fedelhos. Educação é algo raro no meio daqueles pirralhos. Eles te enfrentam na caruda enquanto o resto fica numa gargalhada só. Tenho medo de a qualquer momento perder minha cabeça e acabar fazendo merda. Para mim está sendo uma experiência horrível. Não que os alunos da rede particular não aprontem as suas... Mas, aqui eram apenas alguns mimadinhos do papai, enquanto que lá, 90% são endiabrados. Vou te falar: ser professor aqui no Brasil, usando a frase que você sempre usa, é só prá quem tem saco roxo!

- Que tal tentar que ver as coisas por outra ótica: pensar neles lhe desafiando a ampliar sua psicologia humana, ou, quem sabe, como seus professores de paciência e tolerância?...

- Pode ser, vai saber!... Tem dias que fico me questionando o que é que estou fazendo com a minha vida...

- Essa é uma excelente pergunta. Por falar em pergunta me permite uma?

- Sim, claro!

- Você tem certeza que realmente ama a arte de ensinar?... Sente que nasceu para isso?... Sente prazer em pensar no seu trabalho fora do horário de expediente? Gosta de se dedicar ao estudo de como melhorar a qualidade da própria atividade?

- Hoje, com certeza lhe digo que não! Escolhi pelo magistério numa época muito turbulenta de minha vida... Pensando melhor, quando é que minha vida não foi turbulenta?

Nesse momento, nossa conversa foi delicadamente interrompida por Anibal, que silenciosamente ouvia a tudo enquanto apoiado no sombreiro da loja:

- Se vocês me dão licença, vou deixá-los conversando e aproveitar para passar na farmácia. Estou em horário de almoço e já já tenho que voltar para a escola. Jr, foi um prazer conhecê-lo. Carlo sempre me falou muito bem a respeito das conversas que mantinha com você. Quando tiver um pouco mais de tempo, passo por aqui.

- Tempo... Anibal, o tempo somos nós que o fazemos para aquilo que amamos. Até a próxima, lhe desejo bons momentos!

- Carlo, a gente se vê lá na escola. Até mais.

- Até!... Onde estávamos?...

- No questionamento da sua vida turbulenta...

- Sim, você sabe, já lhe falei sobre isso... Pai militar, mãe neurótica, irmã esquizofrênica... Acha possível viver num ambiente como este e desfrutar de qualidade e harmonia?...

- Não sei, só posso responder pelas minhas experiências. Posso afirmar por experiência própria que a exposição excessiva a um ambiente disfuncional, contaminado por uma energia opressiva, acaba minando o desenvolvimento da inteligência emocional de qualquer um. A grande sacada está em não se entregar ao vitimismo, mas sim, ver o que podemos fazer com tudo isso, a fim de tornar nossa história uma espécie de catalizador quântico.

- Falar é fácil! Difícil é colocar em prática!

- Sim, afinal, a grande maioria das pessoas está condicionada ao vitimismo.

- Nisso você tem razão... Eu mesmo me pego várias e várias vezes reclamando da vida sem ao menos ter um real problema.

- Isso parece ser uma das características humana... As pessoas parecem que não tem mais o que falar, então, se está sol é porque está sol, se está chovendo é porque está chovendo, se está ventando é porque está ventando... Se estão desempregadas é porque estão desempregadas, se estão empregadas é porque estão descontentes com o emprego. Se estão sozinhas é por causa da solidão e se estão se relacionando é porque estão empurrando o relacionamento com a barriga. Se não fazem sexo é porque não fazem sexo e se fazem muito sexo é porque o parceiro só pensa naquilo. Vai entender!...

- É bem assim mesmo!

- Eu não entendo... As próprias pessoas se colocam nas situações de que reclamam e, ao invés de tomarem uma atitude proativa preferem derramar seu vitimismo nos ouvidos daqueles menos atentos. Essa vitimização é também um grande processo de vampirização... Já percebeu como você acaba saindo literalmente sugando depois de meia hora de conversa com um vitimista anônimo?

- Sim, tem algumas pessoas que são verdadeiros vampiros emocionais.

- Pois é! É preciso estar atento, tanto para não ser vampirizado como para não fazer o papel do vampiro, afinal de contas, crescemos no meio de um ambiente onde todos estão sempre reclamando ou falando mal de terceiros. O triste é que aprendemos desde cedo a compactuar deste tipo de comportamento inconsciente.

- É verdade!

- Já que você não está contente com a atual mudança de local de trabalho e, além disso, já afirmou não amar aquilo que faz, porque não pensa em se dedicar a fazer outra coisa para custear o seu modo de vida?

- Simples: por que não sei fazer outra coisa...

- Não sabe, ou está condicionado a pensar que não sabe fazer outra coisa?

- Na real, nunca parei para pensar nisso com propriedade.

- Acredito. Aliás, tenho percebido que uma das coisas que o ser humano menos gosta de fazer é pensar com propriedade... A maioria das pessoas está viciada em se deixar levar pelo movimento de seus pensamentos desordenados. E tenho percebido também que, quando você fala para prestarem atenção nos movimentos do pensamento é como se você estivesse falando uma língua de outro planeta.

- É verdade! Eu mesmo tive muita reticência a isso desde a primeira vez que você me falou a respeito e me emprestou aquele DVD do Krishnamurti. Diga-se de passagem, sendo muito franco com você, não consegui assimilar nada, pois com menos de dez minutos de vídeo minha cabeça começou a doer como nunca, parecendo que ia mesmo explodir.

- Totalmente natural... A mente de forma alguma quer se abrir para algo que possa colocá-la em seu devido lugar. Como pode algo que vive exclusivamente do movimento passado-futuro, futuro-passado, se deparar de bom grado com algo que a coloca no presente ativo?... Costumo chamar isso de "síndrome de abstinência da mente devaneante". A mente que está acostumada a vagar em seus devaneios mórbidos começa a criar toda forma de desconforto físico com o intuito de não deixar surgir o observador de si mesma, sem o qual se torna impossível o rompimento do insano processo de identificação com a mente condicionada. Como que uma pessoa vai poder parar de alimentar a desgraça do vitimismo se não se aperceber como vitimista compulsiva? Como poderá deixar de alimentar essa praga se não perceber a natureza exata, a fonte infectada de seus assim chamados "problemas"?

- Fica difícil...

- Pois é! E o pior é que isto é tão simples que acaba se tornando complicado para as pessoas. A maioria prefere sair desesperadamente atrás de uma ilusão a mais que prometa lhes tirar momentaneamente desse estado de vitimismo. Aí, quando o Sr. Tempo chega trazendo a benção da desilusão, ao invés de se mostrarem felizes, se entregam com peso ainda maior ao vicio do vitimismo... Vai entender a mente humana. Chego a desconfiar que essas pessoas desfrutam de uma forma mórbida de prazer ao alimentarem o ciclo compulsivo do vitimismo-ilusão-desilusão-vitimismo. O pior de tudo é que elas não percebem que entra ano e sai ano e permanecem na mesma lamúria.

- Realmente esse é um processo muito louco...

- Bota loucura nisso! Creio que enquanto essas pessoas não se tornarem conscientes daquilo que fundamenta tal comportamento vitimista, não há a mínima condição da manifestação de um modo de vida repleto de bons momentos.

- E você consegue ver um modo de ajudar as pessoas que sofrem disso?

- O que tenho procurado fazer é não compactuar de suas ladainhas. Eu vou cortando logo de inicio e tratando de sair fora. Algumas chegam a me chamar de insensível por não querer alimentar aquilo que vejo como sendo a sua doença. Algumas dessas pessoas fingem estar em busca de ajuda, mas na realidade, a julgar pelos seus atos, o que elas realmente querem é encontrar alguém com quem possam alimentar a danada da autopiedade. Como não tenho a cara de bonzinho do Padre Marcelo, nem a paciência de ficar como ele repetindo ladainhas, trato logo de rodar a baiana. Por amor, não compactuo desse comportamento infantil. Se elas querem buscar por esse tipo de prazer mórbido que vão fazê-lo bem longe de mim. Elas dizem querer fazer algo para mudar a qualidade de suas vidas, quando na realidade, fazem de tudo para não abrirem mão de suas patológicas, enclausurantes e ilusórias zonas de conforto. Creio não ser preciso ser nenhum Freud, Jung ou Gikovate para ver a veracidade dos fatos.

- Pior que, enquanto você falava, não tinha como não me ver em várias dessas situações.

- Não digo que estou 100% livre disto. É preciso estar sempre vigiando e orando com meus próprios botões, afinal de contas, existe uma forte tendência para nos entregarmos para esse modo inconsciente de ser. Quanto a estas pessoas, por mais que você fale, não conseguem tomar consciência da maneira pela qual são literalmente escravizadas pelos seus pensamentos desgovernados. Elas permanecem reclamando de tudo e de todos, como se os problemas estivessem nas situações externas e não na maneira como internamente lidam com os acontecimentos do cotidiano. Não conseguem perceber que não são os fatos em si que causam o descontentamento crônico, mas sim, a identificação com o fluxo inconsciente de seus pensamentos desgovernados.

- Interessante.

- É como diziam os mais antigos: essas pessoas não conseguem manter a cabeça no lugar... E que lugar é esse a não ser a consciência plena do aqui e agora?... O resto, é balela!... Se você quiser fazer uma experiência interessante... Pergunte para cinco pessoas o que elas têm de novidade... Depois tire suas próprias conclusões. Vejo isso acontecendo todos os dias.

- Você tem razão... Eu mesmo já cheguei aqui reclamando do meu serviço!

- Pois é!

- E quanto aos filmes que você me emprestou? Ficou de vir pegar e sumiu.

- Não esquente, está em boas mãos! Qualquer dia desses passo com mais tempo e, como você sempre diz, trocamos mais figurinhas sem colar! Agora vou nessa. Quero aproveitar para rever a galera da escola.

- Aceita sugestão literária?

- Claro!

- Procure por um destes três livros: Ensinar e Aprender, A Arte de Aprender e Debates Sobre Educação com Alunos e Professores em Banaras. Todos eles são de Krishnamurti, um educador por excelência. Com exceção do livro A Arte de Aprender, os demais você só encontrará pelos sebos. Se não encontrar me avise.

- Beleza! No sábado passo por aqui e conversamos melhor! Valeu!

- Valeu garoto! Mande um abraço para os demais garotos da sua escola; mantenha um olho neles e o outro bem mais aberto no garoto assustado que mora ai dentro! Até sábado!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!