Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

25 março 2010

O homem e seus rótulos

Outro dia, recebi de um conhecido, um e-mail contendo os seguintes dizeres:


Caro Nelson, 
Você sabe mais do que ninguém que há muitos anos venho reclamando de pensamentos que me ocorrem compulsivamente em relação a morte (que não vale a pena viver, se faço determinada tarefa legal no meu cotidiano, lá  vem o pensamento e diz: mas você vai morrer um dia, etc...) e isto me deixa muito "preso" dentro de mim mesmo.
Sei muito bem que o problema não é a morte em si, mas justamente o pensamento compulsivo que me atrapalha, pois eu poderia ter qualquer outro pensamento de outra natureza e com certeza também me incomodaria.
Fazendo algumas pesquisas no Google (parece até engraçado!!!), me identifiquei com o seguinte diagnóstico: TOC - transtorno obsessivo compulsivo, que trocando em miúdos, significa a repetição de gestos, rituais (ex: verificar várias vezes se a porta está trancada, se desliguei o fogão e assim por diante e nestes exemplos me identifiquei também, além dos pensamentos compulsivos), atividades e pensamentos que a pessoa sabe que não fazem sentido,mas que não consegue evitar.
Nestes casos, eu li que é sugerido primeiramente procurar um clínico geral e que o mesmo me encaminharia para um psiquiatra e o tratamento é na base dos velhos anti-depressivos e psicoterapia. Gostaria de uma opinião sua!
Obrigado pela atenção
Abraços.
...........................


Então respondi:

Bom dia Amigo!
Como o ser humano (que nada tem de humano) adora um rótulo para se fixar...
Como adora uma muletinha - devidamente receitada por um "doutor" - para se manter como um ser dependente e emocionalmente empacado...
Como é superficial na pesquisa de seus próprios conflitos cíclicos, delegando a outros a responsabilidade - sempre bem remunerada - a observação de "parte" de sua história...
Já conversamos sobre isso e já lhe indiquei mais que uma vez a literatura de Krishnamurti, que inclusive tem um livro que fala somente sobre a questão da morte. No entanto, a julgar pelo seu questionamento enviado no e-mail, ficou claro que você não foi sério o suficiente nesse estudo de "SI MESMO".
Quer saber? Vá onde for, procure o que e a quem for, enquanto você não sentar consigo mesmo e com seu conflito, enquanto não observá-lo com todo conteúdo do seu ser, ele permanecerá vindo, ciclicamente, afim de cumprir seu papel de ser "ponte de transcendência e maturidade".
O problema não está fora, assim como a solução do mesmo. Ouse ser o doente e o clinico, mas, com SERIEDADE, pois bafo de boca não cozinha ovo.
ATITUDE É A PALAVRA. Deixe de procurar colo, seja de quem for, e pegue a si mesmo no colo. Com certeza, se for sério, compreenderá esses seus medos, que estão sempre no futuro lhe roubando a energia do agora, e então, conseguirá viver suas escolhas com toda intensidade do ser que você é.
Com amor, carinho e um bom chute nos fundilhos,
seu amigo

Nelson 

04 março 2010

Uma saudade!

Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de pára-quedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
- Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando- nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas – e dizia:
- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.
Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa..
A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão.
Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
- Vamos marcar uma saída!... - ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!
*Texto recebido pela NET sem a citação do autor

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!