Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

31 maio 2007

O clique salvador

    Querido amigo evolutivo, espero que você esteja vivendo bons momentos! Olha eu aqui novamente, desabafando sobre a questão vocacional! Espero que você seja um pouco paciente!

    Decidi escrever um pouco para ver se faço uma espécie de "fio terra". Hoje, principalmente agora na parte da tarde, a coisa está pegando... É um sentimento de total falta de sentido. Pela manhã, havia me programado para ir ao centro atrás de alguns livros esgotados para alguns clientes on-line. Antes via muito sentido e graça nisso, uma vez que sempre acabava trazendo algum livro para poder ler. Sempre estava em busca de respostas nos textos de terceiros... Agora, essa necessidade já não existe. Não dá mais liga! Agradeço a tudo que li, mas está na hora de ficar comigo e ter a minha resposta. Esse lance de colecionar conhecimento de terceiros já não dá liga! Por isso, decidi postergar de ir ao centro. Estou em casa, pensando e sentindo esta inquietude interna proveniente da total falta de sentido de me dedicar ao que antes me dedicava. Não vejo mais sentido em empregar minha energia nessas atividades, no entanto, os compromissos financeiros me obrigam a isso. Sinto-me um prisioneiro, com liberdade assistida. De manhã sair da cela alugada para ir trabalhar e a noite voltar para a cela para descansar... E pela manhã, repetir tudo novamente... Sinto que há um grande desperdício de energia nesse movimento... Não há nutrição.

    O lance da vocação está pegando cada vez mais forte... Não estou mais suportando ficar aqui na loja. Sinto-me como que num deserto... É uma inquietude tão grande que dá vontade de sair de dentro de si mesmo... Então, recorro para a escrita como forma de expressão, para dar vazão aos sentimentos... O problema maior é essa inquietação dentro do peito... E a cabeça parece que vai explodir... A energia começa a vazar por todos os poros e a letargia é fatal... Bate aquela soneira! É um desperdício de energia fora do comum, e o pior, que sem sentido! É como uma masturbação mental... Não cria nada! Não há energia criativa!

    O pior de tudo é que só me aparecem ofertas de serviço para construir os malditos sites!... Não tenho energia criativa, ou se tenho, não quero mais gastar com isso! Vejo o tempo passando, os dias correndo e eu na mesmice de sempre... Não há energia por que não amo o que eu faço! Faço por obrigação do custo de vida... Por causa dos compromissos é que não fico omisso. Sinto que isso que faço hoje é muito pouco para o que tenho dentro de mim; tudo que aprendi, tudo que vivi, tudo que passei só para ficar aqui esperando pessoas entrarem para comprar uma peça qualquer? Para! Estou fora!... Mas o problema é que não surge nada na mente... Não surge um impulso e me sinto morrendo aos poucos... Você me entende?

    Acordo todos os dias e me pergunto: qual é o meu chamado? Por que fui convocado para este planetinha de carnês e boletos bancários? Não pode ser somente para esta mediocridade que vivo hoje, para esta mesmice ridícula; é muito pouco, é um quase nada e isso gera uma angústia descomunal. Não consigo me entregar ao comércio puro; não consigo me ver fazendo algo somente pelo custo financeiro. Já pensei em montar a "Cuidar do Ser Editorial", mas tudo fica no nível do pensamento... A coisa não flui para o coração... Não toca fundo na alma, entende? Olho para o micro e vejo o livro pronto... Mas, ainda não é esse!
Não consegui ainda descobrir o que realmente me move... Falta um "toque", um "insight", ou o nome que queira dar!... E sinto-me na inércia, na rotina, na mesmice, nessa limitação de estar preso na mente e nos sentimentos!... Sinto-me enfartando... Ou seja, estou farto! Farto disso, farto daquilo, farto do acolá! Está "fartando" o clique!

    O pior é que se me atrevo a falar dessa inquietude, dessa falta de sentido com outras pessoas, sempre acabo ouvindo vários absurdos... Raros são aqueles que me respondem com franqueza, que externam sua insatisfação e mais raro ainda é encontrar por aqueles cujo brilho do olhar reflete a veracidade de suas palavras. O fato é que a grande maioria prefere nem olhar para isso e são esses que me vêm com uma série de frases conformistas que não entram mais na minha mente de forma alguma. Quando rola isso, dá a maior vontade de me refugiar num monte qualquer... Então, é aí que eu entendo perfeitamente o significado da expressão: "Antes só do que mal acompanhado"...

    Só de escrever a mente já se acalmou um pouco! Agora, é dar um pulinho na padaria e tomar um cafezinho quente para ver se dá algum prazer... E de café em café, de escrita em escrita, enquanto vivendo na esperança aguardamos a vinda do "clique salvador"... Neste reino de contas para sempre!


 


 

30 maio 2007

Viver ou sobreviver?

Agora à tardinha, encolhido de frio na porta da loja, recebi a visita de uma pessoa que me é muito querida. Ele veio me pedir para que eu fizesse a diagramação de dois quadrinhos com alguns lemas usados nos grupos de A/A – Alcoólicos Anônimos, os quais iria levar a noitinha para colocá-los num albergue. Num determinado momento da nossa conversa, ele me perguntou seriamente a respeito do meu estado de espírito, uma pergunta que foi bem mais além daquele rotineiro "como vai você" do script social básico.

- Você quer realmente saber?

- Lógico!

- Pois bem! Mais nublado e frio do que o dia de hoje! - Lhe respondi depois de uma longa respirada.

- Por quê? O que está lhe pegando!

- Deve ser a crise dos 40... O que está pegando mesmo é o lance vocacional... Sinto que estou me consumindo aos poucos aqui nesta loja... Trabalho com algo que não amo, que não tem nada a ver comigo. Minha relação aqui é somente para angariar os fundos necessários para o meu custo de vida. Acho isso muito pequeno, sem o menor sentido... Não consigo aceitar que eu deva me conformar em trabalhar apenas para custear a existência. Tem que ter alguma coisa com a qual eu me identifique e que possa me prover com os valores necessários para as minhas necessidades do cotidiano.

- E o que você gosta de fazer?

- Essa é a pergunta que não se cala dentro de mim. Hoje sei muito bem tudo aquilo que não desejo fazer, mas, ainda não tenho respostas para essa pergunta. Lógico que se tivesse respostas para a mesma, já teria saído desta situação que me consome dia a dia.

- Mas acho que a maioria das pessoas vive esse conflito. Não creio que as pessoas trabalhem realmente com aquilo que amam. Eu mesmo nunca fiz isso. Sempre tive que correr atrás do prejuízo, você sabe, prestações de casa própria, filhos, supermercado, prestação do carro... Quando se tem essas despesas não dá para se pensar muito. Tem mesmo é que ir empurrando as coisas com a barriga. Acho que todas as pessoas vivem mais ou menos isso! Eu desconheço pessoas que realmente fazem o que amam!

- Então, desculpe-me, sou mesmo um anormal. Não consigo me conformar com esse tipo de pensamento. Esse lance de ter que fazer o mesmo por que a grande maioria não se permite o questionamento não é comigo não! Uma vez feita essa pergunta com propriedade não tem como ignorá-la. Desculpe-me pela franqueza, mas é triste ouvir de você, aos 65 anos, que nunca trabalhou com algo que amasse. Eu não quero chegar à sua idade e me olhar no espelho e ter que dizer isso para mim mesmo. Acho que isso é uma verdadeira morte em vida.

- Sempre achei que a gente tem que ir pulando de emprego em emprego até descobrir algo que se goste. No meu caso, acabei não descobrindo. Algumas pessoas têm mais sorte! Para aquelas que não conseguem, acho que o lance é se conformar em trabalhar com o que aparece.

- Deixe-me ver se entendi bem: você está me dizendo que o lance é se conformar com o que aparece? Você se conformaria em pagar as suas contas com o dinheiro proveniente da venda de bebidas alcoólicas? Teria coragem de vender para outro ser humano, aquilo que você por experiência própria sabe que é um grande veneno? Aceitaria viver daquilo que quase destruiu a você e a sua família?

- Se tivesse que fazer isso para sobreviver, claro que o faria!

- Então, você se conformaria em pela manhã "sobreviver" através da venda do álcool e a noite levar a mensagem de A/A para pessoas que se embebedaram durante o dia através da compra de bebidas nas mãos de alguém que como você se conforma em sobreviver com a bebida?

- Se não encontrasse outro modo de ganhar a vida, o faria!

- Pois é meu pai!... Não sei se podemos chamar isso de "ganhar" a vida! Não consigo ver ganho algum nisso! Seu filho realmente deve ter algum problema. Mas perto do que acabei de ouvir de você, acho que o meu problema é bem pequeno quando comparado com o seu...

Você aceita um café com leite?

- Fala JR! Deixe eu lhe dar um abraço! Fique tranqüilo que hoje não vim lhe trazer problemas não!

- Para com isso!

- Hoje eu só vim lhe visitar! Como estão as coisas? Vendendo bastante?

- Que nada! A coisa está feia!

- Sério JR? Mas vai melhorar! Tem que pensar assim, se não a gente desanima!

- Esse é o problema... Ter que pensar assim!... Se não fosse o pensamento, estaria tudo numa boa!... Que é isso aí no seu rosto?

- Cirurgia a laser! Tirei umas manchas que eu tinha antes, não se lembra?

- Sim! Há um ditado que diz que quando a gente não consegue mudar por dentro, acaba mudando as aparências externas!

- Mas é legal! Gostei! Já fazia um tempo que estava pensando nisso!

- É! Tudo começa na mente! Será que existe cirurgia a laser para tirar as manchas da memória?... Pois é!... Está tudo na mente!... Hoje está bem claro para mim que a mente condicionada está sempre preocupada consigo mesma, com seu próprio bem-estar, com sua própria segurança psicológica. Ela olha para os acontecimentos cotidianos e para as superficiais relações que mantém sempre de forma auto-centrada. Nunca há uma real preocupação com o outro, mas sim, uma preocupação em como as ações do outro possa afetar sua pseudo-segurança, sua zona de conforto ou sua reputação.

- Faz sentido! Ultimamente você tem batido muito nesse ponto da mente!

- Tenho visto que a mente condicionada não busca por liberdade, ela busca tão somente por conforto. Ela não consegue ver o fato de que a verdade não traz conforto, mas sim, liberdade. A mente condicionada tem medo da liberdade, tem medo de estar só, de se ver em solidão e, por isso, nunca se encontra só. Está sempre em busca de algum tipo de conforto psicológico. Não possuí a seriedade necessária para ficar só com a própria solidão, a fim de compreendê-la e digerir sua mensagem. É por isso que a mente que não é séria é uma mente medíocre, imatura, presa fácil das raízes dos medos obscuros.

- Nem me fale! Esse lance da solidão é uma das coisas que, só por hoje, eu ainda não consegui resolver. Minha carência ainda bate muito forte e apesar de tudo que você já sabe do meu antigo relacionamento, confesso que ainda vivo preso nas lembranças daquela diaba! Ou melhor, naquela que me desgraçou! Acho que é por isso que tenho dificuldades de me entregar para um novo relacionamento. Neste final de semana conheci uma mulher; ela é psicóloga e tem uma filhinha de quatro anos... Cara: apaixonei-me pela menina! Que menina graciosa! Ela é muito legal! Vê só como as coisas mudam... Logo eu que sempre tive aversão de me relacionar com pessoas com filhos... Percebo que isso não passava de um condicionamento da minha mente... O problema foi quando fui levar ela para casa... Mora do outro lado do mundo, bem do lado de onde o Judas perdeu as botas! Foi quando no caminho pensei comigo: olha só o que eu fui arrumar para a minha cabeça! Bem que ela podia morar um pouquinho mais perto! Já pensou ter que levá-la para casa e ainda ter que voltar de madrugada sozinho?...

- Está vendo só?... A mente condicionada permanece olhando a vida e seus acontecimentos, sempre preocupada com o próprio bem-estar, com a sua segurança, com o seu conforto, com a própria reputação, com a sua imagem. Por ter medo da liberdade agarra-se com unhas e dentes nas grades geradas por tudo aquilo que lhe promete conforto psicológico. Talvez, seu maior problema esteja na crença de que algo ou alguém realmente possa lhe brindar com um estado de eterna segurança psicológica.

- Sabe o que acabei fazendo ontem quando ela me ligou? Fui logo dizendo que eu sou um cara sem dinheiro... Ela ficou puta da vida comigo! Respondeu-me que ela mesma corre atrás das coisas dela e que não está em busca de um homem para custear a vida dela e de sua filha! A mulher virou macho! Você acha que eu fiz mal?

- Será que isso não foi um mecanismo de auto-boicote?... Percebo que quando a nossa mente condicionada se vê insegura, quase sempre opta pelo isolamento como forma de se ver livre dessa insegurança. Ela busca por certezas, por garantias, por prazos de validade, e por isso, permanece vitima do tempo psicológico. O hoje, o agora, não importa; o que importa é o histórico do ontem, a memória e as projeções de um futuro imaginário, sempre pautado na busca da segurança psicológica. Somente a mente insegura busca por segurança; nunca lhe ocorre a possibilidade de tentar compreender a própria insegurança.

- Compreender a própria insegurança? De que jeito? Minha mente não se aquieta um só instante! Já me peguei várias vezes fazendo as coisas no automático... O corpo está ali, mas a mente nem eu mesmo sei aonde!

- Vejo que a mente condicionada não para quieta um só instante. Para ela não existe pausa... A todo momento traz pensamentos desconexos, que roubam uma quantidade de energia descomunal. São sempre situações egocentradas que impedem a comunhão com o agora. Os pensamentos roubam o agora e acabam gerando uma espécie de letargia, uma sonolência, um amontoado de cenas irreais. É impressionante a capacidade que a mente tem de viajar constantemente em situações irreais, imaginárias e sempre auto-centradas. Para uma mente em tal estado, torna-se impossível o vivenciar de qualquer atividade com total presença. Não pode conhecer nunca o que vem a ser um estado de verdadeira entrega, o que vem a ser comunhão, o que vem a ser intimidade. Essa mente não consegue ver os acontecimentos de forma inocente, virgem, nova, uma vez que sua visão é sempre distorcida pelas lembranças das experiências passadas, armazenadas na memória, projetando-se no presente. Ela vive julgando a si mesma e também aos outros; sempre fazendo intermináveis comparações. Vive presa em si mesma, quase sempre oscilando entre complexos de superioridade e inferioridade, e, por causa disso, esta quase sempre envolvida por intrigas, seja de forma direta ou indireta.

- Isso tudo que você acabou de falar sou eu mesmo cagado e cuspido! Você acabou de fazer a radiografia da mente do capeta! – Risos - ...

- Falando sério, meu amigo: você alguma vez já parou para ver com seriedade o porquê do medo que temos de olhar para a nossa própria insegurança? Já parou para pensar se pode existir insegurança quando se vive o agora com toda a sua intensidade?... Ou a insegurança só existe quando nos relacionamos com fatos do passado morto ou com as projeções do futuro baseado nas experiências do passado? Será que uma mente saudável vive de projeções ou de comparações? Por que essa insana necessidade de garantias? Será que uma pessoa que se garante possui essa necessidade de garantias?

- Sei lá! Você aceita um café com leite? Vou até a padaria buscar um pretinho para nós, você aceita?

- Está indo mesmo buscar um café ou está fugindo de pensar no assunto? Faz o seguinte, busca lá o café e traz juntamente com ele, as respostas para estas perguntas... A propósito, o meu é bem clarinho! De escuro, já chegam os meus pensamentos!

27 maio 2007

Play de Game

Ontem a noite tive uma experiência bastante interessante. Eu e minha esposa fomos convidados por um casal de amigos para uma reunião em seu apartamento. Estava programada a presença de outros amigos em comum, mas, o que acabou ocorrendo é que acabamos ficando somente nós quatro versando sobre assuntos do nosso passado e a nossa atual busca de vida. Num determinado momento da conversa, após umas duas latinhas de cerveja exclamei em alto tom:
- Nós, seres humanos somos todos hipócritas!...
Houve inicialmente uma coletiva reação de rejeição diante deste meu posicionamento.
No entanto, segundo o dicionário Aurélio, a palavra hipocrisia tem como significados: afetação duma virtude, dum sentimento louvável que não se tem; impostura, fingimento, simulação, falsidade e falsa devoção. Coloquei isso pelo fato de que todos nós mantemos uma imagem nossa e morremos de medo de que a mesma seja exposta e que todos venham a saber que não somos bem aquilo que aparentamos ser e nem aquilo que as pessoas idealizam sobre nossa pessoa.
Talvez você esteja agora, ao ler este texto, tendo o mesmo tipo de reação, portanto, se você não for assim, então, que atire a primeira pedra... Pense bem antes de atirar... Dê uma boa olhada no cantinho da sua mente... Entra lá no seu quarto escuro... Bem, se ainda assim quiser atirar a primeira pedra, mau sinal! Aquele que ataca, na verdade, já está se defendendo, então...
Assim, apresentamos aquilo que achamos interessante, aquilo que nos convém, aquilo que nos provem da respeitabilidade social... Falamos a nosso respeito sempre de forma compartimentada, bem pensada, bem programada. Com alguns falamos uma pequena parte de nossas mazelas, com outros falamos de outras partes mais escuras, mas mesmo assim em partes, em fragmentos e com isso, nunca vivenciamos uma autêntica e profunda intimidade com outro ser humano. E tem sempre aquele lado escuro de nós que não o expomos nem que a vaca tussa.
Percebi também que todos nós não estamos preparados para relacionamentos abertos, imbuídos de profunda honestidade, apoio e incentivo para que possamos atingir a excelência do ser; alegamos não ter a estrutura emocional necessária. Então, acabamos vivendo vitimas de nossos medos mais profundos, sempre inseguros, sendo que um desses medos, e talvez seja o maior de todos eles, é o medo de nos vermos sós... Aprendemos isso muito bem ainda quando crianças; morríamos de medo de perder aquilo que acreditávamos ser amor por parte das pessoas significativas da nossa vida. E por causa desse assim chamado "amor condicionado", passamos a esconder nossas mais intimas dificuldades e deslizes. Passamos a bancar o "bom menino" ou a "menina de família", ou então, caíamos do outro lado nos orgulhando de sermos a "ovelha negra" da família, ressaltando nossa rebeldia, mas não nossos conflitos mais profundos... Esses nunca!
Se temos medo de expor aquilo que somos é por que nós mesmos não aceitamos aquilo que vemos em nós. E, por não aceitar, também queremos mudá-lo e mesmo assim, temos vergonha. Temos medo de expor esse nosso lado e o outro nos abandonar no meio do caminho. Temos medo de repetir os sentimentos de abandono que já vivenciamos em outros momentos de nossa existência e por isso, nos calamos, ou então, nos tornamos agressivos numa insana, medíocre e infantil tentativa nos sentirmos seguros. Santa infantilidade!... O que ganhamos com isso?
Não queremos nos relacionar com pessoas inseguras, imperfeitas em faze de crescimento... De pessoas assim já chega nós mesmos! Queremos pessoas que não aumentem nossa insegurança crônica, que não a exponha à luz solar... Queremos pessoas que nos protejam de nossa própria solidão resultante de não querer entrar em contato com nós mesmos, com nossa própria humanidade ainda que adoentada.
Então, mesmo em conversas que aparentemente parecem estar embasadas numa profundidade emocional, na realidade, nos mantemos na superfície e muitas vezes, fazemos como quem aprecia um bom prato de sopa, e que por medo de queimar a língua, abstém-se do calor do centro, fica com a coisa morna das beiradas...
Alegamos ser pessoas sérias, virtuosas, melhores que as outras e quase sempre não conseguimos sustentar uma conversa sem acabar falando de alguma pessoa que não se encontre presente e mesmo assim, temos a capacidade de dizer que somos pessoas honestas. No entanto, se descobrimos que os outros falam de nós quando não estamos presentes... Como ficamos emputecidos!...
Somos hipócritas sim! Todos nós fingimos, simulamos e ponto! Sempre estamos na defensiva e é por isso que nunca existe um verdadeiro encontro... E quando se tem consciência disso a coisa torna-se ainda mais desesperadora...
Somos hipócritas sim por que todos fazemos o mesmo jogo...
Por favor, exponha somente aquilo que é aceitável socialmente e mesmo assim, pense quinhentas vezes para ver se tenho condições de digeri-lo! Fale-me de suas verdades desde que as mesmas não toquem as minhas zonas de conforto...
E dessa forma continuamos todos prisioneiros de nós mesmos, de nossos medos, de nossas inseguranças e de nossas mazelas que nos consomem lentamente...
Como a vida poderia ser muito melhor se todos nós tivéssemos a coragem e a ousadia de abrir as nossas janelas e expor aquilo que somos e fazemos quando ninguém nos vê... Se tivéssemos a coragem de falar aquilo que realmente passa em nossa mente, dos diálogos e monólogos que naquela tela escura travamos... Mas, em nome da respeitabilidade social e de não ficarmos a sós neste mundo de hipocrisia, continuamos jogando o jogo e o pior de tudo é que muitos de nós fazemos isso, cantarolando pelas ruas ao som de Elis Regina:
"Vivendo e aprendendo a jogar, vivendo e aprendendo a jogar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas, aprendendo a jogar..."
Nesse tipo de jogo, a vida não passa de um blefe, ou seja, um eterno esconde esconde das nossas precariedades e desvantagens.

26 maio 2007

Como uma porta giratória

Enquanto meditava logo pela manhã, veio-me a mente uma imagem que, para mim, soou um tanto interessante. Vi a mente representada por uma porta giratória, girando em alta velocidade devido ao tráfego constante de pensamentos desconexos que entram e saem. Como uma porta giratória que é usada sem cessar acaba se desgastando, assim também é o nosso cérebro. Para que alguém possa passar por uma porta giratória em segurança, esta deve estar parada. Toda vez que passamos por uma porta giratória juntamente com outras pessoas, nunca passamos numa boa, livremente, descontraídos, despreocupados, pois sempre temos a incomoda sensação de que levaremos um tranco ou então, acabaremos presos.


Assim também ocorre com a nossa mente... Nosso problema está em descobrir como conseguir mantê-la estacionada, funcionando de forma inteligente e compassada somente quando necessária. Se queremos descobrir uma nova maneira de viver, precisamos atravessar o bloqueio criado pela porta giratória que é a nossa mente. Uma pessoa tensa, por não ter o equilíbrio necessário, não consegue perceber a saída da porta giratória e acaba girando por várias vezes no mesmo lugar, até que alguém lhe ajude a encontrar pela saída. É preciso perceber a porta da mente e dar um salto para fora desse movimento em círculos do pensamento condicionado. Esse constante, repetitivo e condicionado movimento faz com que desperdicemos a energia necessária para produzir o despertar da inteligência. Sem a concentração dessa energia que gastamos nesse movimento insano torna-se impossível o despertar dessa inteligência que vê as saídas das várias portas que a mente insiste em criar, cuja intenção é a de nos manter estacionados ou rodando em círculos carregados de conflitos e sofrimento.

25 maio 2007

Por que temos medo de arranhar a nossa imagem?


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Eu estava apreciando um copo de café quente, num intervalo de uma reunião, a fim de me esquentar um pouco, quando ele me abordou ainda com sua vista marcada pelo recente tombo que havia sofrido. Disse-me que estava atravessando um período em que não estava tendo nada de novo para falar e que havia se lembrado que eu já havia lhe avisado que um dia isso iria acontecer. Perguntou-me se eu achava que isso era normal.
- Olha só: não sei se isso é ou não normal. Aliás, essa coisa de "normalidade", para mim, hoje é bastante relativo. A única coisa que tenho absoluta certeza é a de que "bafo de boca não cozinha ovo". Acho que cada um deve fazer aquilo que seu processo lhe pede. Se você sente vontade de falar, então, fale, caso contrário, permaneça calado não só na boca, mas também na mente. Falar é fácil, calar a boca é um pouquinho mais difícil, mas difícil mesmo é silenciar a comadre fofoqueira que é a nossa mente.
Não tivemos tempo para dar continuidade em nossa conversa, uma vez que em poucos minutos fomos chamados para dar continuidade à reunião. No entanto, permaneci com aquilo em minha mente, meditando nesse período que esse meu amigo está atravessando, o qual já vivenciei em tempos passados.
Hoje pela manhã, retomei essa reflexão e percebi o quanto fomos e ainda somos condicionados a acreditar na necessidade de se falar a respeito de nossos conflitos existenciais com outras pessoas. Para mim, só por hoje, isso é uma das atividades de uma mente que não é séria, que não tem maturidade emocional, e que por isso mesmo, não é capaz de compreender e responder aos desafios que o cotidiano apresenta com assertividade e por si só. Para mim, a maturidade é desenvolvida pela capacidade de sentarmos com nossos próprios conflitos, em solitude, observando-os de maneira amorosa, sem qualquer forma de julgamento, racionalização ou retaliação. Não se trata de um olhar critico: dele já estamos fartos desde a mais tenra idade, seja por parte dos outros, seja por nossa parte. Para mim, não existe essa coisa de "critica construtiva"; critica é critica e ponto final! Ela não traz em si as sementes da compreensão, ao contrário, ela reforça as raízes da erva daninha chamada "corfomidade". Creio que a maturidade emocional só pode se manifestar quando optamos pela ousadia da auto-observação sem escolhas. Quando se repara realmente em alguma coisa em sua totalidade, na própria observação encontra-se a compreensão, e, se há a compreensão, qual a necessidade de fazer uso da palavra? Isso me faz lembrar aquela fala sempre usada nos filmes policiais:
- "Tudo o que você disser poderá ser usado contra você. Você tem todo o direito de ser assistido por um advogado de sua escolha!"
Quem pode usar a palavra contra você é o próprio pensamento pessoal ou o coletivo. O bom advogado, para mim, é a luz da inteligência que tudo vê. Se há uma lei essa lei está na própria inteligência adormecida que pacientemente espera por ser despertada.
Indo mais a fundo na reflexão, percebi que todos nós, desde a idade das fraldas temos sofrido uma série de abusos, entre eles - o que me parece ser o mais sério -, a fragmentação da nossa autenticidade e originalidade. Toda criança nasce sem nenhuma imagem sobre si mesma e a cada dia de sua existência, os adultos que a circundam começam a criar a sua imagem. De forma inconsciente, começamos a nos identificar com essa imagem e passamos a alimentá-la e protegê-la, fortemente influenciados pelos veículos de comunicação. Passamos a tentar proteger nossa auto-imagem desde a mais tenra idade. Lembro-me de um forte condicionamento que ouvia por parte de meu pai:
- Se apanhar na rua, apanha em casa novamente! Homem que é homem não leva desaforo para casa!
Como nunca gostei de brigas, várias foram às vezes que apanhei na rua e silenciei-me em casa, o que trazia em si uma grande carga de frustração, vergonha, medo e ansiedade. Sem perceber, com esse tipo insano de comportamento socialmente aceito, fomos gradualmente nos afastando cada vez mais de nossa verdadeira natureza e nos identificando com a imagem criada de nós mesmos. Lembro-me de amigos que sofriam terrivelmente por não terem condições de atender as expectativas das imagens criadas de si pelos seus pais.
A imagem nunca é o real e quando não lidamos com o real sempre sofremos com a crônica presença do medo e da ansiedade de sermos descobertos, de ficarmos nus, totalmente despidos de nossa imagem. Nossas relações nunca são entre pessoas, mas sim, entre um aglomerado de imagens. Na sociedade há até alguns ditados que dizem que "Uma imagem fala mais que tudo" ou "a primeira impressão é a que fica". Alguns de nós já estão conscientes da imensa dificuldade que é não criar uma imagem logo de inicio e insistir em se relacionar com ela.
Creio que o problema maior está em quando nos identificamos com essa imagem criada durante a nossa existência, a qual foi fortemente alimentada por terceiros. O ser humano possui essa estranha e insana mania de criar imagens ídolos, para depois adorá-los até a primeira contrariedade, quando parte para o outro extremo de querer a qualquer custo "escorraçar", "desmascarar", elegendo-o como inimigo externo, por não ter sido capaz de satisfazer as suas necessidades doentias.
Não é preciso ser nenhum sociólogo, filósofo ou coisa parecida: basta apenas olhar em nossa própria família, nossos lideres políticos e nas matérias estampadas pela mídia que sempre viveram de "Caras" e "Ídolos". Isso também acontece em relação a postura que muitas vezes tomamos em relação a nós mesmos – e como isso é doloroso! Também criamos imagens de nós mesmos e quando nossas atitudes não correspondem às expectativas oriundas dessas imagens, também temos a tendência autodestrutiva de nos escorraçar, de nos denunciar, de gritar "mea culpa" pelos quatro ventos, de chafurdarmos no poço do sentimento de culpa e de remorsos ou então, por outro lado, fugirmos para um isolamento doentio.
Olhar para essa imagem, criada seja por terceiros, ou seja, por nós mesmos, em geral, inicialmente é um tanto doloroso devido ao nosso condicionamento critico. No entanto, sem o desenvolvimento desse olhar, cara a cara, amoroso, torna-se impossível a manifestação de um modo de vida pautado no real. É essa observação amorosa, cara a cara, que estilhaça a nossa auto-imagem. Por vezes, é preciso muito tempo para se perceber que aquilo que mais nos assusta – a perda da nossa imagem adquirida – é a chave de entrada para um novo portal de consciência, ou se preferir, de uma nova maneira de ser. Só essa observação sem escolhas é que pode nos libertar. Para mim, essa é a essência do verdadeiro sentido da palavra "anonimato". Ser anônimo é não abrigar imagens, nem de si, nem de terceiros. Enquanto abrigamos imagens estamos sempre em conflito, e, portanto, sem liberdade. Somente a pessoa que se relaciona com imagens é que pode ser ofendível. Se em qualquer situação nos sentimos ofendidos, magoados, é sinal de que ainda estamos nos relacionando com imagens, que não estamos nos relacionando com o real, mas sim, com uma imagem de nós mesmos.
Isso me faz lembrar uma conversa que tive anos atrás com um antigo conhecido meu. Em sua simplicidade me disse:
- Se alguém chama a minha mãe de puta e ela não é uma puta, não tem por que eu ficar aborrecido. Agora, se alguém chama a minha mãe de puta e ela realmente é uma puta, então, mais motivos ainda para não me aborrecer. Isso é o significado da frase "daí a Cesar o que é de Cesar". Pense nisto: se alguém traz em suas mãos um presente para lhe entregar e você não o aceita, com quem fica o presente?...
Pois bem meu amigo, estar no presente, presente para o ente que se apresenta minuto a minuto, sem qualquer tipo de escolhas, esse é para mim o meu presente exercício.

Cenas de um café da manhã

São 8:42 minutos. O dia amanheceu seco, no entanto, a temperatura caiu muito. A padaria está lotada e várias pessoas disputam um lugarzinho no balcão para um café, geralmente bebido as pressas. Consegui um cantinho logo na entrada do salão. Enquanto aguardava minha vez de ser atendido, observava os olhares das pessoas: tensos, cansados e preocupados. Na outra ponta do balcão, um rapaz que havia estudado na mesma escola que eu no período do ginasial; um metro e sessenta de altura e por volta dos 95 quilos. Olhar extremamente tenso, carregado. Não me reconheceu. Diante de si, sobre o balcão, uma agenda eletrônica, um celular da última geração e várias folhas impressas com gráficos.

- Bom dia Josino! Como é que é? Já abriu os pedidos hoje? Ainda não? Quase nove horas e ainda não deu nada?... Estou brincando! Olha só: tivemos uma prévia do mapa de vendas e o único da equipe que ainda não conseguiu bater a cota foi você. A chefia está pegando no meu pé, uma vez que no mês passado você também não conseguiu bater a cota. Estou vendo aqui que você está com 93% da sua cota... Então? O que você me diz?... Precisa fazer o movimento cara! Tem que acreditar que vai dar!... Claro que vai conseguir vender! Faz o seguinte: se você conseguir chegar nos 97% eu vejo seu lado com a chefia; vou fazer de tudo para eles cobrirem, só que você tem que ralar, cara! E aí?... Posso contar com você? Você é ou não é um dos meus? Vê lá!... Então tá! Qualquer coisa me liga! Boas vendas!...

Abaixou a cabeça um tanto contrariado, pegou metade de seu pão com manteiga colocando quase que a metade do mesmo de uma só vez em sua boca... Mastigou contrariado balançando sua cabeça. Olhou para um senhor que estava ao seu lado e exclamou;

- Tanta gente querendo trabalhar e neguinho dando-se ao luxo de se sentir desmotivado... Dá para acreditar! Como é que o cara pode vender se já sai de casa nesse estado?...

Novamente baixou sua cabeça, olhou para a agenda eletrônica, sacou o celular apertou uma só tecla e aguardou pelo recebimento da ligação...

- E aí Everaldo? Bom dia prá você também! Então, estou olhando aqui os mapas de vendas e você conseguiu cobrir a cota muito de raspão... A coisa está em cima do muro... Precisa ter mais umas vendinhas aí para não correr o risco; se tiver algum cancelamento de última hora ou algum produto em falta no estoque você pode dançar!... Posso contar com seu esforço? Os homens estão no meu pescoço! O que você me diz?... Ok! Qualquer coisa me liga! Temos hoje o dia todo! Estou contando com você! Você sabe que considero você um dos meus!...

Ele estava tão nervoso que falava numa altura que da calçada do estacionamento qualquer um poderia ouvi-lo. Novamente abaixou a cabeça e repetiu o movimento anterior, engolindo apressadamente boa parte da outra metade do seu pão com manteiga. Virou-se para o senhor do lado e exclamou:

- Já vi que hoje vai ser um daqueles dias! Plena sexta-feira! Logo cedo pressão sobre pressão! Mal começou o dia e não vejo a hora dele terminar!

O senhorzinho limitou-se a dar um tímido sorriso. Percebi que vários outros clientes, assim como eu, assistiam silenciosamente o acontecimento tirando suas próprias conclusões.

Eu aqui do meu lado comecei a me questionar sobre a desumanidade do sistema capitalista, com toda sua desonestidade, manipulação, jogo de mentiras, pressões motivadas pelo auto-interesse e pela busca de segurança.

Como que um homem pode estar motivado logo cedo pela manhã ao receber ligações como essas, dotadas de uma impessoalidade descomunal?

Por que ao invés dessas cobrança desumana não ver que do outro lado há um ser humano que pode estar atravessando sérios problemas?

Por que não procurar saber quais os motivos da desmotivação?

Por que o homem só percebe a insanidade de ter vivido preso em gráficos impressos no papel, somente quando sua vida se encontra presa diante dos gráficos emitidos numa maquininha ao lado do leito de um hospital qualquer?

Isso para o sistema não importa: o importante... é a venda!

24 maio 2007

Penso, logo, tenho medo!


Caro amigo evolutivo, paz e bem!
Como hoje pela manhã não tive o prazer de receber sua visita, vou procurar transcrever através da limitação das palavras, tudo que solitariamente assisti mediante os monólogos que surgiram em minha mente.
O pensamento compulsivo é o grande responsável pelo conflito humano. É ele quem cria as mais variadas formas de conflitos resultantes do uso do abuso da vontade humana. Ele vive do tempo psicológico e no tempo psicológico. Projeta situações de prazer ou de terror, nuvens cor-de-rosa ou extremamente carregadas; não existe meio termo, não existe céu azul. Nunca está no agora.
O pensamento compulsivo produz uma vasta gama de sentimentos desconexos. Cria imaginários diálogos internos, cenas, imagens sempre no tempo futuro, ou então, mantém-se amarrado no remorso das atitudes passadas. Ele é a fonte de toda dependência, co-dependência e padrões de comportamentos dependentes.
Um dos seus maiores alimentos está na identificação por parte do pensador com as projeções e medos gerados pelo pensamento. Quanto mais identificação, mais medo, quanto mais medo, mais pensamento, quanto mais pensamento, mais identificação, tendo assim garantida a perpetuação do ciclo do pensamento compulsivo.
O pensamento raramente projeta-se de forma positiva sem que haja um grande e constante esforço de nossa parte. Sua tendência natural está no negativismo, no auto-boicote e por causa disso, hoje são muitos os livros e filmes que prometem por uma prática que possa levar ao poder do pensamento positivo, o que, com pouco tempo de prática se mostra disfuncional. Um ótimo e atual exemplo está no filme "The Secret". O pensamento, por si só, nunca será positivo; em última análise, sempre é fonte de conflito. Somente quando é iluminado pela luz da inteligência é que pode ser benéfico. Sem essa luz, sempre se mantém auto-centrado, sempre se mantém na defensiva. O pensamento compulsivo sempre busca a satisfação imediata para si mesmo, nunca visando o bem-estar comum. A garantia pessoal de segurança é sua meta.
O pensamento nos impede de estar no aqui e agora, fazendo com que a existência seja um fardo a ser carregado. Como pode existir uma real vivência do agora quando estamos condicionados a pensar ininterruptamente? Como pode existir a qualidade do amor onde existe a ação do pensamento compulsivo? Onde há a ação do pensamento compulsivo o que se manifesta é somente a paixão. É preciso ir além dos condicionamentos da palavra.
Segundo o dicionário "Aurélio", paixão significa sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão. Esses sentimentos e emoções tem sua natureza exata no pensamento compulsivo, que não tem "lucidez", ou seja, que não tem penetração e clareza de inteligência; perspicácia; acuidade; funcionamento normal das faculdades mentais. Hora, qual é a natureza exata da faculdade mental? Não seria o pensamento e a memória? E a memória não seria pensamento? Sendo assim, onde há paixão não pode coexistir a qualidade do amor. A calmaria do amor só pode existir na ausência do pensamento compulsivo. É por essa razão que o pensamento se identifica com o tédio, pois o pensamento não pode viver com a calma, ou seja, com a alma, com serenidade de ânimo. É interessante notar que no mesmo dicionário acima citado, a própria palavra "ânimo" tem como representação o conjunto de palavras "alma, espírito, mente".    
Em outras palavras, o pensamento impede a expressão natural da alma. Aqui também se faz necessário ir além do condicionamento que temos desta palavra. A palavra é só um símbolo e o símbolo está muito distante do simbolizado. O símbolo é quase sempre deturpado pela ação do condicionamento. Pela palavra alma entendo o conjunto das funções psíquicas e dos estados de consciência do ser humano que lhe determina o comportamento, embora não tenha realidade física ou material; espírito; condição de qualidade superior; essência. Resumindo, alma seria o que há de mais profundo em nosso ser que nos faz ser.
Penso que os grandes escritores, os psicólogos e as diversas religiões só existem por causa do pensamento. De algum modo pagamos para que algum destes pense por nós, ou para nos ajudarem a colocar nossos pensamentos em seu devido lugar. Não sabemos, por nós mesmos, como "pensar certinho" e por essa razão, para acalmar os pensamentos, recorremos aos mesmos. É inacreditável o poder de criação de imagens geradas pelo pensamento, na maioria das vezes carregadas de medos infundados. O pensamento cria toda forma de medo e muito mais medo ainda quando nos atrevemos a observá-lo por nós mesmos. Projeta racionalizações de que estamos sendo prepotentes, arrogantes e auto-suficientes e que precisamos sempre da sabedoria dos mais antigos, dos mais experientes para que possamos enxergar melhor. No entanto, dessa forma, como poderemos ser pessoas psicologicamente auto-suficientes, não influenciadas, não condicionadas, capazes de ser uma fonte de luz para si mesmo?
É preciso estar sempre atento, vigiando sempre a ação do pensamento condicionado. Perceber seu movimento, sua seqüência, sua sugestão, sua manifestação auto-centrada. Estar atento às fantasias que ele cria nesse constante movimento de projeção num futuro imaginário ou na recordação saudosista e/ou masoquista. É preciso perceber esse movimento pois a própria percepção funciona como uma espécie de "fio terra" que nos coloca em contato com a realidade dos fatos. Todos os nossos deslizes comportamentais, todos os nossos mecanismos de auto-boicote são produtos dessa falta de "percepção", dessa falta de "presença" que é gerada pela percepção. Quando não há essa "presença", acaba ocorrendo toda forma de identificação com o falso, com o condicionado. A percepção é a luz para a realidade, e o real, só pode estar presente no agora, o resto é pura fantasia, ou seja, aquilo que não corresponde à realidade, mas que é fruto da imaginação. Imaginação é o condicionamento que temos de nos relacionar com imagens. O real só está presente no agora.
É incalculável a quantidade de energia que desperdiçamos com a ação do pensamento compulsivo. Basta observar o tempo cronológico que perdemos assistindo internamente o perpassar das cenas, imagens, diálogos, monólogos, com seus desfechos quase sempre negativos que o pensamento compulsivo projeta. Depois, podemos tentar ir mais fundo ainda e observar as emoções, os sentimentos que essa espécie de masturbação mental produz - se me permite assim expressá-la -, a carga de adrenalina e os demais hormônios que por esta ação derramamos em nossos corpos. Isso naturalmente gera todo um desgaste desnecessário, tanto das nossas células cerebrais como das células do nosso corpo. E vejo que é através desse comportamento que acabamos somatizando uma série de doenças físicas, ou se preferir, o estresse, a ressaca física.
Bem, por hoje é só!
Vê se aparece e não me deixe aqui a sós com os meus pensamentos!
Um abraço fraterno!

 

23 maio 2007

Quem é você sem o seu trabalho?

A água límpida da chuva que já cai há quase dois dias passa rapidamente pela guia da calçada formando em sua superfície um pouco de espuma devido ao seu rápido movimento. Gotículas de água enfeitam a folhas da pequena árvore e seu tronco aparenta-se mais escuro. A construção da esquina, por causa da continuidade da chuva, hoje, teve seu andamento suspenso. Os vidros embaçados dos coletivos impedem o reconhecimento dos rostos dos passageiros. A temperatura caiu bastante, fazendo com que o fluxo de pedestres pela calçada seja quase inexistente; os poucos que se aventuram, trazem os calçados e a bainha das calças bastante encharcados. Já são mais de 11:30min. da manhã e até agora não recebi a visita de nenhum cliente. Da porta da loja, observo silenciosamente o movimento dos automóveis. Pelo tom escuro das nuvens, parece que esta chuva continuara o dia todo. A sinfonia da manhã é formada pelas gotas da chuva na calçada, pela água que escorre pelos batentes e pelos pneus no asfalto molhado.

Ele estacionou seu Ford K azul metálico, distante alguns metros da entrada da loja, afetando assim o fluxo natural da água pela guia da calçada. Com o olhar carismático e seu sorriso de menino, menos gordo que da última vez que nos vimos, apesar da chuva, parou para me cumprimentar.

- E aí Brother? Belê?

- Fala Marcinho! Indo mais tarde para o serviço por causa da chuva?

- Que nada! Agora estou fora!

- Como assim?

- Saí da empresa... Não estava dando jogo; a coisa lá é centralizada demais. O dono não consegue ver a empresa além das portas da loja. Para ele, o que vende na loja é o suficiente. Não há uma política externa. Aí ficou difícil para mim. Fizemos um acordo que acabou me ajudando em muito para quitar umas dvidas que eu tinha e agora, estou trabalhando como representante comercial deles. Para mim ficou bem melhor, apesar de não ser aquilo que mais gosto de fazer. Só nestes três últimos meses, acabei ganhando o que não consegui ganhar em um ano e meio de fábrica...

Como sempre, empolgou-se em falar a respeito do seu assunto predileto: negócios, dando sempre destaque a todo seu conhecimento adquirido nas empresas multinacionais nas quais trabalhou durante seus primeiros anos de carreira. Enquanto ele falava de forma entusiasmada sobre os últimos acontecimentos, eu observava o contraste existente entre o brilho de seus branquíssimos dentes e o amarelado opaco de seus olhos. Deixei ele falar a vontade, o que mais parecia um monólogo do que um diálogo. Assim que tive uma chance lhe perguntei:

- Muito bem Marcinho! Agora que você já falou por quase quinze minutos sem titubear a respeito da empresa e da sua vida profissional, será que agora você poderia-me falar sobre o que realmente me interessa: como está você sem o "agregado" empresa?

- Ah!... Estou bem! - Respondeu-me desviando seu olhar para o movimento dos carros na avenida.

- Poxa! Você falou da empresa por quase 15 minutos e limitou-se a responder sobre você em questão de segundos?... Você não tem nada para me falar a seu respeito?

- Está tudo bem! Tudo na mesma! Não há nada de significativo! As coisas estão fluindo como Deus quer! E você? – Perguntou-me numa tentativa de retirar a atenção de si mesmo.

- Estou vivendo tempos extremamente nublados... Uma importantíssima, mas, dolorosa crise existencial. Não estou mais suportando trabalhar com o que faço hoje e o pior é que não tenho um insight que me aponte um novo paradigma vocacional. Percebo que minha mente está condicionada naquilo que sempre fiz até hoje: loja ou designer gráfico. Já não tenho brilho no olhar para nenhuma das duas áreas.

- Sei muito bem o que é isso, aliás, acho que todas as pessoas vivem isso, mas preferem não tocar no assunto e acabam empurrando com a barriga... Sei muito bem o que é sofrer por causa da rotina, do tédio e da insatisfação. Mas, como não se apresenta nada de novo, vamos tocando. Você sabe como é, neste planeta, sem estabilidade financeira não dá!

- E quando a defesa da estabilidade financeira coloca em risco a sua estabilidade emocional? Como é que fica?... Por favor, responda-me!

Nesse instante, um grande amigo evolutivo de conversas filosóficas, dentro de uma bela jaqueta de couro marrom adentrou pela porta da loja.

- Bom dia JR! Bom dia senhor!

- Bom dia Sr. Hiro! Este é o Marcinho, um antigo amigo meu!

- Muito prazer Márcio!

- O prazer é todo meu! Por favor não me leve a mal, mas eu já estava de saída! Vou aproveitar e já vou andando! Outro dia passo com mais tempo para terminarmos esta conversa!

- Vê se não se esquece da pergunta que lhe fiz! A gente se fala!

- Fique com Deus!

- Com qual deles?

- Com aquele que você preferir!...

- Vai na boa! Se cuida!

- E aí seu Hiro? Tudo bem? Estou com aquele filme argentino que lhe falei, o "Um Buda". Creio que o Sr. Vai gostar bastante.

- E você? Assistiu algum dos filmes que lhe emprestei?

- Ainda não tive a oportunidade. Só assisti parte daquela palestra do Paulo Gaudêncio cujo título é "O Entediado"... É preciso assistir com bastante calma pois ele coloca postulados totalmente diferentes dos convencionais.

- Pois é! Eu mesmo me choquei quando ele disse que o tédio é a ausência do medo!

- Eu até agora não engoli muito bem essa idéia não, pois isso me aparenta a idéia de que temos que viver motivados pelo medo e, sinceramente, não vejo muita inteligência nisso. No entanto, prefiro não tirar conclusões precipitadas. Mas, fique tranqüilo! Vou assistir com muita calma para que possamos conversar a respeito desse assunto.

- Gostei tanto das idéias do Paulo Gaudêncio que até Já me matriculei para um curso que ele dará daqui a dois meses. Ele já está com a agenda repleta para este curso por três meses. Mas, deixe ir direito ao assunto que me trouxe até aqui...

- Diga lá!

- Estive pensando muito sobre aquilo que você escreve em seus textos. Tenho os lido com bastante atenção e vejo que tanto o que você escreve, quanto aquilo que as pessoas trazem até você são reflexos do tédio e da insatisfação. Percebo que todas elas acabam vindo aqui para direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, matar o tédio, a mesmice e a insatisfação em seu balcão.

- Isso está claro para mim! Mesmo os meus textos, são uma maneira que tenho usado para dar sentido a mecanicidade do meu dia a dia.

- Você se queixa por não saber o que fazer, no entanto, você já está fazendo! Você já está escrevendo, mas ainda não está comprometido com isso. Penso que durante todos estes anos, você teve através desta loja, todo tempo necessário para colher muita informação e conhecimento. Creio que já está mais do que na hora de você compartilhá-los através de um livro de auto-ajuda. O que você precisa é focar um tema, explorá-lo, estudá-los, criar sua espinha dorsal, dividir o que pensa sobre ele com outras pessoas e ir colocando o que for descobrindo no papel. Escrever sem a expectativa de sucesso e reconhecimento logo no primeiro livro. O importante é ter uma meta, um objetivo. Eu acho que você já está mais do que pronto para isso, apesar de você afirmar o contrário. Sabe, eu particularmente acho que você e eu nunca estaremos realmente prontos... Quem é que pode afirmar que está? Aquele que afirmar já demonstra que não está! Pense nisso com carinho. Eu lhe apoio em tudo que você precisar para que esse material seja publicado. O que é preciso é dar o primeiro passo! Depois, a coisa começa a fluir por si só! Quando a coisa é para o bem comum, as coisas começam vir até nós. Só é preciso vencer o medo inicial.

- Eu lhe agradeço muito Sr. Hiro pela idéia, apoio e incentivo. Se me permite, isso que o Sr. acaba de me sugerir, já o estou fazendo através do blog "Histórias para Cuidar do Ser". Sinto que meu momento é de ir escrevendo sem estar preso em expectativas editoriais. O que quero com meus textos é encontrar por eco em outros corações que sentem como o meu. Quero encontrar minha tribo, pessoas que já despertaram para a essencial arte de cuidar do ser e poder trocar figurinhas com elas. Como o Sr. já sabe, há tempos que presto trabalhos de diagramação, editoração e criação de capas para algumas editoras. Sinto que ainda não é o momento de traduzir tudo isso em um livro.

- Você precisa procurar por uma editora de respeito como uma editora "Gente" ou "Vozes". E acho também que você deveria procurar pelo Leonardo Boff para prefaciar seu livro. Se me permite, acho que você deveria versar sobre o tédio e a insatisfação. Essas duas palavras deveriam estar em destaque na capa do livro. Vá pensando nisso, na capa... Apesar de você não gostar do filme "The Secret", acho que ele cabe bem neste momento. Tem que se pensar grande... Sei que você não acha correto querer editar algo que está influenciado pela experiência de outros pensadores... Acho que a coisa tem que começar assim até que você encontre sua própria mensagem. Muitos dos mais famosos escritores e palestrantes fazem isso também. Raros são aqueles que são realmente originais...

- Por isso mesmo que não acho correto, não acho justo. Não quero ser uma pessoa de segunda mão! A coisa mais fácil que tem é usar todo este conhecimento adquirido e maquiá-lo com minhas palavras... Em terra de cego espiritual, quem tem um olho vira palestrante de workshop; virou moda! E isso está se mostrando um grande mercado emergente. É muito fácil enganar o público, que em geral, busca por isso por que não tem visão própria e estão confusos. Está cheio de gente se trancando num quarto com vários livros esparramados e várias páginas da Internet arquivadas em seu histórico. Isso é muito fácil de fazer: resumir e maquiar o que foi dito por terceiros. Mas como posso enganar a mim mesmo? Não se trata de encontrar um modo de vida, mas sim, a própria resposta, a própria mensagem pessoal. Sinto que ainda não é o momento. No entanto, recebo sua sugestão com muito carinho. Veja, uma das coisas que tenho pensado muito é de criar uma editora para lançar meus próprios livros, bem como de outros autores que ao meu ver, também estejam versando sobre temas que realmente busquem pela negligenciada arte de cuidar do ser. Por enquanto, tudo está no pensamento, mas ainda, não tocou meu coração. Eu acredito na Vida e acho que se isso tiver que acontecer, pessoas irão surgir para a consolidação desse projeto.

- Ok! No entanto, pense nisso com carinho! Estava há semanas querendo lhe dizer isso. Acho que você já está pronto. O que você precisa fazer é apontar e fogo! Depois que a bala partir não dá mais para voltar a trás. Pense nisso! Não se esqueça: estamos juntos no que você precisar.

- Eu lhe agradeço muito Sr. Hiro!

- Vou nessa! Tenho ainda que passar na imobiliária para ver a respeito destas duas correspondências da União. Vê se assiste logo aquele filme "O Segredo por trás da matéria". Temos muito o que conversar sobre esse assunto. Já faz mais de duas semanas que lhe entreguei o filme; veja lá por que você está resistindo em assisti-lo.

- Nem é nada disso não! Falta de tempo e de cabeça para isso! Deixa que até o final desta semana assistirei o mesmo! Quem sabe encontro alguma resposta ali. Até outro dia!

- Até mais!

Antes mesmo que ele saísse pela porta da loja, a senhora minha mãe que acabará de chegar e a tudo escutava em silêncio, virou-se para nós mostrando-nos as palavras da folhinha 2006 da Seicho-No-Ie:


QUEM APROVEITA BEM O TEMPO VIVIFICA A PRÓPRIA VIDA.

Se você tiver sempre à mão um livro e um caderno, poderá usar seus momentos livres de modo bastante proveitoso, lendo, tomando nota, redigindo algo, esboçando um desenho etc. Pare de se lamentar que não dispõe de tempo. Tempo é algo que deve ser criado, encontrado, explorado, aproveitado, vivificado. A Vida é tempo, e, por outro lado, o tempo é Vida.

Do livro Nobiyuku Hibi no Kotoba(11) – Seicho Taniguchi


20 maio 2007

Você faz ioga e meditação?




São 11h33min. O céu está todo azul com raras e pequeninas nuvens brancas aqui e acolá. A temperatura está por volta dos 22º e uma brisa suave balança as várias rabiolas plásticas espalhadas pelos fios de telefonia. Um helicóptero azul rasga o céu baixinho, chamando a atenção de todos com seu imenso ruído. O trânsito é constante e também barulhento. Alguns comerciantes locais, devido a falta de movimento, estão parados em pé, na porta de seus estabelecimentos. O barbeiro, largado numa das velhas poltronas de couro, lê as noticias populares. Um rapaz com o uniforme verde musgo do mercado próximo, empurrando um carrinho de compras, detêm-se para oferecer alguns trocados para uma senhora carente de recursos financeiros. O fluxo de pedestres pelas calçadas é quase que inexistente. Pouquíssimas são as flores que ainda se mantêm na copa da pequena árvore. Meu cão não se cansa de reclamar a minha atenção e faz festa quando algum pedestre passa próximo ao portão.
Loira, cabelos presos em coque, grandes argolas de prata nas orelhas, aparelhos nos dentes, num Picasso preto novinho em folha... Timidamente entrou na loja, dizendo-se indecisa quanto ao que comprar para presentear sua amiga. Pediu para que eu não a levasse mal se por acaso demorasse para se decidir quanto ao que levar. Disse-me que sua amiga era um tanto exótica e que por esse fato, sempre tinha dificuldades para presenteá-la.
- Por favor, fique a vontade; precisando da minha ajuda basta me fazer um pequeno sinal.
- Obrigada! Acho que já me decidi; gostei muito desta pequena caixa metálica.
- Trata-se de um porta-jóias indiano. Temos também em outros tamanhos, veja...
- Muito lindas, mas, vou ficar com esta aqui. Você trabalha com prataria também?
- Sim, senhora. Por favor, aqui neste balcão.
- Gostaria de alguma peça para colocar dentro desta caixinha...
- Temos várias opções!
- Não sei não! Não estou vendo nada no estilo dela; suas peças são muito finas e ela é muito perua para as mesmas... Acho que vou levar só a caixinha. Você faz embrulho para presente?
- Claro, senhora!
Enquanto eu procurava por uma embalagem que mais se adequasse ao tamanho da caixinha, timidamente me perguntou:
- Posso lhe fazer uma pergunta pessoal?
- Pois não senhora!
- Você pratica ioga ou meditação?
- Senhora, qual o porquê dessa pergunta?
- Porque você transmite calma pelo seu olhar... Você parece estar sempre noutra sintonia... Eu e meu marido passamos todas as manhãs por aqui e o vemos sempre sentado debaixo da árvore, escrevendo ou meditando e seu olhar parece estar sempre longe. Outro dia mesmo, meu marido disse-me sentir inveja do seu atual modo de vida; ele lhe conhece desde o tempo em que você e sua família trabalhavam com roupas de surf... Costumava sempre comprar roupas com você. Ele anda super estressado e isso já está afetando o nosso relacionamento. Só não nos separamos ainda porque tenho segurado as rédeas da relação. Trabalhamos juntos em nossa indústria de cosméticos e isso está afetando demais o nosso casamento, pois é quase que impossível separar os problemas de casa dos problemas da indústria. Para lhe dizer a verdade, nem sei o que estou fazendo lá. Tenho duas formações na área de humanas e esse negócio de chefiar equipe de vendas, ter que ficar cobrando o cumprimento de metas e resultados, não tem nada a ver comigo. Estou chegando ao meu limite! Foi por isso que procurei pela ioga e a meditação. Estou fazendo bem próximo daqui, num local chamado Ananda Marga, você já ouviu falar?
- Sim! Houve uma época em que mantive muito contato com os membros dessa entidade espiritual. Cheguei a participar juntamente com minha esposa de um retiro espiritual numa cidade do interior de São Paulo. Fiz também serviços de diagramação dos livros deles, bem como o site que eles mantêm na internet.
- Por isso que lhe perguntei se você faz ioga e meditação; queria me certificar de que isso possa dar resultados saudáveis. Eles me parecem ser bastante sérios. Só não sei se isso poderá resultar positivamente; no fundo, sinto que vai ser apenas mais um dos locais que já percorri. Nos últimos anos venho fazendo uma verdadeira "via sacra" por religiões e instituições para ver se consigo achar respostas para minha "turbulência interior". Desde pequena, sempre fui muito agitada e diferente das demais crianças e isso sempre tornou difícil as minhas relações. Nem sei como meu casamento está durando tanto tempo. Minha tendência sempre foi a de me isolar em minha concha... Acho que se não fosse a minha filha, já teria dado um ponto final na relação.
- Sei, sua filha... Senhora, se me permite, esse me parece ser o argumento mais usado pelos pais para não olharem com profundidade a realidade dos fatos. Já ouvi esse tipo de argumento muitas e muitas vezes. Colocamos a situação externa como sendo a fonte dos nossos problemas existenciais, ou como a senhora mesmo disse, da nossa turbulência interior: o estresse e a grosseria do marido, a situação do casamento, a língua da sogra, o local de serviço, a pouca idade dos filhos e por aí vai. Nunca olhamos de frente para a natureza exata da nossa turbulência interior. Se a turbulência é interior, como pode estar no exterior?... A senhora gostaria de ficar bem de frente com a natureza exata da sua turbulência?
- Claro que gostaria!
- Posso lhe ajudar a fazer isso?
- De que modo?
- A senhora confiaria em mim apenas um pouquinho?... Por favor, está vendo a cortina azul do meu provador?...
- Sim!
- Poderia abri-la?
- Pois não!
- Muito bem! Agora olhe de frente para esse grande espelho... A senhora está bem de frente com a natureza exata da sua turbulência interior, assim como também está de frente para a pessoa que pode lhe dar as respostas certas para solucioná-la...
- Eu?... Com está mente de papagaio?... Sem chances! É por essa razão que acho que a ioga e a meditação não vão funcionar... Não consigo relaxar nem mesmo na hora em que me disponho a praticá-las... Minha mente não para... Meu corpo está lá, mas a mente fica que nem um macaco pulando de galho em galho na imensa floresta dos meus problemas do cotidiano.
- A senhora prestou atenção no que acabou de me dizer agora?
- O que?
- A senhora acabou de falar a natureza exata da sua turbulência interior: a mente desgovernada! Está tudo na mente!
- Minha agitação mental é tão grande que além da ioga e da meditação, estou freqüentando também um grupo de budismo tibetano... Mas, não sei não! Esse papo de ter que ficar repetindo o tal do Om Mani Padme Hum
segurando o tal do japa-mala na mão direita, está sendo uma verdadeira mala!
- Experimente mudar para "Coca-cola"!
- Como assim?
- Experimente repetir por vários minutos a palavra "coca-cola", "Mickey Mouse", "Ronaldinho", "Big Brother" ou outra qualquer que soe melhor aos ouvidos... Isso funciona como uma espécie de auto-hipnose, no entanto, não soluciona sua turbulência interior. Basta parar com o mantra de sua escolha que os pensamentos compulsivos voltam com tudo! Como é que se pode resolver o barulho da mente com toda essa tagarelice rotineira que chamam de mantra? Pura tagarelice mental! A senhora ainda não percebeu isso?
- Sim! Por isso mesmo que eu acho que não vai dar certo!
- Posso eu lhe fazer agora uma pergunta pessoal?
- Sim!
- A senhora disse que já fez uma verdadeira "via sacra" por vários sistemas de crença organizada, que erroneamente, tanto a senhora como os demais dão o nome de religião, certo?
- Sim!
- E mesmo assim, a senhora não conseguiu obter êxito com tudo aquilo que ouviu nesses lugares, para deixar de ouvir o que tem lugar em sua mente, correto?
- Sim, mas preciso encontrar algo para acabar de vez com essa turbulência interna.
- Se a senhora me permite, por que ao invés de escutar o que esses lugares de exploração têm para lhe dizer, por que a senhora não aplica seu tempo e energia para escutar o que a sua própria turbulência interna tem para lhe dizer?... A senhora não confia em si mesma? Acha que não têm competência para se sentar consigo mesma? Será que a senhora já não carrega vozes demais dentro de si? Será que a senhora precisa colecionar vozes de outros sistemas de crença organizada, com todos os seus condicionamentos? Será que já não bastam aqueles que a senhora vem adquirindo ao longo de todos estes anos?
- Não sei lhe responder! A única coisa que sei é que já estou farta de freqüentar lugares que me prometem por soluções para após um breve período de freqüência perceber que é só mais uma concentração de pessoas egocêntricas com seus defeitos mascarados pela crença local.
- Nem me fale. Conheço isso muito bem; o Papa que aqui esteve é um ótimo exemplo. Atrás daquele sorriso de bom velhinho esconde-se um verdadeiro inquisidor. Está cheio de padre benzendo no altar e aliciando na sacristia; tem preto velho apaziguando pomba-gira, rabino roubando gravatas de marca e outros absurdos mais! Isso é um fato que quase sempre pode se ver estampado nos melhores jornais. Sendo assim, por que insistir nessa insana "via sacra"? Por que não entrar no templo que se é? Por que não ler o próprio livro que se é? Por que não meditar naquilo que se pensa ser?
- Como posso ter certeza de que isso realmente funciona?
- E por que a senhora precisa de certezas?
- Por que tenho medo de ficar confusa!
- Mas a senhora já não se encontra confusa?... Uma pessoa que não está confusa teria necessidade dessa "via sacra" religiosa?...
- Sei lá!
- Bem, para mim, confuso por confuso, antes só do que mal condicionado! Pense nisso!
- Vou pensar!... Quanto lhe devo?
- R$40,00...
- Cobre aqui!
- Seu troco, senhora. Obrigado pela preferência!
- Eu é que lhe agradeço.
- Precisando disponha!
Ainda na porta da loja, deteve-se por um breve instante, abriu sua bolsa de couro retirando um maço de cigarros ainda fechado. Abriu o mesmo jogando o pequeno lacre plástico na calçada. Deu duas longas tragadas antes mesmo de destravar as portas do carro com o controle do alarme. Entrou, ligou o carro, baixou dois dedos do vidro dianteiro, deu uma leve buzinada, um sorriso e seguiu seu caminho. Pelo menos esse é o meu desejo: que tenha seguido seu próprio caminho e não a continuidade dessa insana e condicionada via sacra.

15 maio 2007

De que trânsito estamos falando?

Eu estava meditando sobre a questão do tédio que surge quando estamos em silêncio, na ociosidade, quando ele apareceu. Trazia consigo uma sacola de mercado com três litros de refrigerantes, bem a vontade, de camiseta, bermuda e chinelas hawainas...

- Fala JR? Como vão as coisas? E as novidades?

- Nenhuma, Jaimão! Tudo na mesma maresia!

- E o movimento? Melhorou?

- Que nada!

- Engraçado... Minha filha esteve no Shopping para comprar o presente do dias das mães e disse que lá estava lotado!

- Pois é... Sua filha também foi ao Shopping! A tendência é o comércio dos bairros se extinguirem mesmo...

- É que lá o pessoal acaba aproveitando também para o lazer!

- Já conheço bem essa história!

- Pois é... Ainda bem que o dia melhorou hoje! O solzinho está tão gostoso que decidi vir a pé até o mercado! Assim aproveito para fazer um pouco de caminhada e sair da ociosidade! Ando muito parado ultimamente!

- Vida sedentária?

- Isso mesmo!... Minha filha é que é super dependente do carro... Não faz nada sem ele! É por isso que penso em sair de São Paulo. Cada dia que passa essa idéia está ficando cada vez mais forte em minha cabeça. Não agüento mais tanto trânsito, tanta confusão, tanto congestionamento... Estou fazendo planos para cair fora de São Paulo, arrumar uma casinha no campo, longe de tudo isso...

- Sei, o trânsito...

- Falo sério! Não agüento essa concentração de pessoas neurotizadas... Só para você ter uma idéia, só vou ao supermercado no meio da semana e na parte da tarde. Eu não consigo ficar onde tem muita concentração de pessoas estressadas... Me dá um negócio, um mal estar... Para mim tem que estar tranquilão! No shopping a mesma coisa... Sabe em que dia vou até o shopping?

- Não faço idéia!

- Terça-feira de manhã! Já me informei com a direção do shopping e eles me informaram que o dia de menor movimento é a terça-feira pela manhã!... Pode fazer o teste, é sério, você vai conferir que é real!... É tudo sossegado... Não tem ninguém nos corredores e o shopping é todo seu!

- Fica mais fácil para você consumir sem se consumir?

- Isso mesmo! É um belo trocadilho!

- É por causa disso você está querendo ir para o meio do mato?

- Não agora; mais para frente! Daqui uns seis ou sete anos! Já estou planejando! Estou com essa idéia fixa em minha cabeça! Essa vontade não sai da minha cabeça!

- As vontades... Todos os nossos grandes problemas acabam nascendo do abuso da nossa vontade! Isso para mim é um fato!

- Mas essa é uma vontade boa! Já cansei da praia! Agora, penso no campo!

- Mas um dia você também pensou que a sua tranqüilidade estaria num apartamento na praia, não pensou?

- Sim! Mas já me desiludi! Praia só fora de temporada, caso contrário, é pior do que aqui! Hoje a idéia fixa é de cair no mato! Tudo começa na idéia, não é mesmo?

- Sim!

- Da idéia a gente chega lá! Só estou esperando meus filhos casarem... Logo logo serei só eu e minha esposa, aí ninguém me segura! Vou para o mato escutar passarinho, criar galinhas, plantar couves... Essa idéia surgiu quando vi uma matéria no Globo Repórter... O cara era um grande empresário... Comprou um sitio no interior de Santa Catarina, largou tudo e foi para lá! Vive o que eles estão chamando de "simplicidade voluntária"... O cara planta, cria e vive numa boa, longe de todo esse agito infernal... Tudo sem agrotóxico! O cara tinha grana! Não pensou duas vezes! Disse que está vivendo bem! Ele achou o caminho dele...

- Pode ser que sim e também pode ser que não!

- Como assim?

- Pode ser um escapismo, uma forma de se esconder da vida de relação! Pode ter ido para o mato justamente por não ter encontrado o caminho dele... Pode ser uma fuga!

- É, não tem como a gente saber a realidade... Só a pessoa mesmo! Mas, pela entrevista que ele deu não me pareceu escapismo não!

- Pois é... "Entrevista"... Isso é só o que está na vista, no externo... Vai saber o que vai lá dentro nas "entrevisceras"... O que está nas vistas pode ser apenas uma máscara!

- É, pode ser uma fuga! Mas, uma fuga dessa agitação não é nada mal! Sair desse trânsito me parece ser uma vontade inteligente! Para isso eu bato o martelo em cima... Não suporto o trânsito!

- Esse problema do trânsito externo até que é fácil de ser solucionado!... Quero saber como é que você vai fazer para acabar com esse trânsito ininterrupto na sua cabeça... Para esse aí não tem escapismo feliz, pois onde você for, a cabeça vai estar com você!

- Nem me fale!

- Isso é que eu quero que você venha logo cedo me dizer: como sair desse congestionamento mental? Como deixar de ouvir as várias buzinas dos pensamentos? Como fazer diminuir a velocidade do trânsito dos pensamentos?

- Lá vem você com as suas perguntinhas!...

- Mais uma buzina para a sua cabeça! Se relacionar com o trânsito externo me parece ser muito mais fácil!

- Eu já não suporto esse trânsito! Por mais que você faça, quase sempre acaba caindo no ritmo alucinado das pessoas...

- Então, isso significa que você ainda é uma pessoa influenciável por fatores externos!

- Não é que acabo entrando...

- Você é "Maria vai com as outras"?...

- Não, não... Eu deixo a turma ir, vou caindo para a direita e fico só observando a loucura das pessoas no trânsito... Todo mundo está agitado, estressado, correndo feito louco!... Buzina atrás de buzina a todo instante! É só neguinho xingando, gesticulando! Por qualquer coisinha estão explodindo!

- Mas, se você tem integridade não é facilmente influenciado!...

- Não é que eu seja influenciável, mas é que é todo dia assim! A coisa não muda! Só piora!... É neguinho forçando a passagem pela direita, é motoqueiro chutando o retrovisor ou a porta do carro... A coisa não muda! Cada dia que passa a coisa está ficando cada vez pior!

- Você externamente não derruba o motoqueiro, mas e na mente? Duvido que não passa o resto do dia carregando o motoqueiro na cabeça...

- Isso acontece mesmo!

- Então, no trânsito externo você deixa passar, mas no trânsito interno...

- Nisso você tem razão!

- Pois é! Para mim, esse é que é o verdadeiro caos, o verdadeiro fator de estresse!

- Acho que deveriam fazer uma pista única para os motoqueiros passarem batido!

- Já pensou se você tivesse essa pista única também para os seus pensamentos?... Uma pista em que eles surgissem a toda velocidade e você só ficasse vendo-os passarem até sumirem, sem que eles causassem danos para você e nem para terceiros... Sua vida, com trânsito ou sem trânsito, não seria mais tranqüila?

- Sem dúvida!

- Os motoqueiros são o seu espelho... Vai ver que eles quebram seu espelho para que você não possa ver o que realmente precisa ser visto... Que o trânsito não ta lá fora, está aí dentro!

- Acho que você devia escrever sobre isso.

- Sobre isso o que? Sobre ir para o mato ou sobre o trânsito de São Paulo?

- Sobre o trânsito de São Paulo...

- Meu querido, eu não estou nem aí com o trânsito de São Paulo... Não é isso o que me congestiona! Eu quero é resolver o incessante trânsito que está na minha mente... Se eu resolver o trânsito que está na minha mente, com certeza, o trânsito de São Paulo não vai ser motivo de trânsito em minha mente! Vai para casa e pensa qual é o verdadeiro trânsito que lhe atrapalha!... Se você não encontrar respostas para isso, com certeza, quando estiver no mato vai acabar reclamando do trânsito dos passarinhos com seus cantos matinais!...

(...) O ser humano é um eterno insatisfeito... Culpa as situações externas pela qualidade da sua situação interna. Há um preceito espiritual que diz que "o nosso grande problema não está em nenhuma situação externa: está em nós". O pensamento vive no barulho e do barulho – e morre no silêncio da meditação, que em sua essência é observação sem resistência.

14 maio 2007

Dispense

Quem pensa
Em recompensa,
Só em ré,
Pensa...

Ressaber

Por anos sem conta, vivi feito lagarta na insaciável horizontalidade dos instintos. Buscava a satisfação dos mesmos com valores finitos, sem perceber que somente valores de outros Valores poderiam saciar essa fome e sede de plenitude. E o resultado dessa insana busca não poderia ser outro: tédio, vazio e incompletude...

Que querer é esse que pode saciar essa constante sede de querer?

Que experiência é essa que pode cessar toda antiga ciência desconexa?

Que experimento é esse que pode me libertar dessa insana ânsia de colecionar conhecimento?

Que lógica é essa que pode me libertar de toda forma de dependência psicológica?

Que inquietude é essa que me impede de viver o que chamam de plenitude?

Que ócio é esse capaz de negar o ócio sem a mínima possibilidade de negócio?

Que experimento é esse que pode me libertar das garras do coletivo pensamento?

Quem me dera ressaber, mesmo que por um ínfimo momento...

Esperando por um flash de luz

Persistem as questões que não querem calar:

Qual é o meu lugar nesta existência rotineira, mecânica e medíocre?

Será a existência essa rotina medíocre de levantar para criar mais contas e pagar as já existentes?

Qual é o sentido deste dia que me foi dado?

Somente observar os acontecimentos conforme surgem?...

São perguntas que não se calam em minha mente e coração.

Será que tenho que me render e me conformar a trabalhar com coisas que não alimentam meu interior só porque tenho contas para pagar?

Será que devo me conformar só porque tenho um emprego?

Será que devo concordar com as frases dos mais antigos de mente embolorada do tipo:

"Levante as mãos para os céus... Muitos queriam estar no seu lugar!"...?

Enquanto as respostas não vêm, vou me mantendo "limpo" e aplicando um esforço quase que sobre-humano para dar continuidade nesse medíocre cotidiano...

Vou esperando o tempo passar...

Esforçando-me para trabalhar com sites que não me dizem nada, criando estampas para camisetas de surf e vendendo produtos com os quais não me identifico...

E esperando por um flash de luz...

Por aquela luz que não se apaga.

09 maio 2007

Desvendando o poder das vendas


SF Centro/SP
Acordei por volta das 8:00min. da manhã com as quentes e amorosas lambidas do meu pequenino cão. A temperatura caiu para 14 graus e o asfalto encontra-se bastante molhado pela fina, mas, constante garoa fria. As pessoas estão bem agasalhadas, ainda mais encolhidas dentro de si mesmas. Algumas delas fazem uso de tocas e cachecol.
Mal abri a loja, um jovem rapaz deixou sobre o balcão uma revista da Associação dos Comerciários, a qual folheei em menos de 5 minutos... Vendas, vendas, vendas e mais vendas... Uma coletânea de idéias para se conseguir sucesso e crescimento comercial... Vários sorrisos amarelos e poses que não retratam a verdade dos métodos usados para tais sucessos... Não havia nada de meu interesse em tal revista. Como hoje é dia de coleta de lixo, coloquei tal revista sobre o amontoado de sacos pretos da calçada; quem sabe, para alguém que esteja buscando por isso, esse revista possa ser de alguma valia.
Sinto que minha necessidade é muito mais profunda do que a coletiva preocupação pelo crescimento comercial. Sei por experiência própria que esse tipo de conquista não tem o poder de trazer respostas para a minha profunda necessidade de sentido existencial.
Apesar de ter meu próprio estabelecimento comercial, não me sinto estabelecido; não sinto que encontrei o meu lugar. Minha atual atividade comercial é monótona, rotineira e destoa totalmente do meu modo de pensar e sentir. Não creio na validade real das mercadorias que vendo (com exceção de alguns poucos títulos de livros) e, portanto, não sinto o menor estímulo para vendê-las. Sinto que são produtos altamente supérfluos, sem falar no fato de que hoje não consigo mais ficar "xavecando", criando a ilusão da necessidade de tais produtos, para mim, desnecessários.
Resumindo: não disponho mais do espírito de vendedor... Não consigo mais colocar "vendas" sobre a dor do outro...
Sinto que devo trabalhar com algo que de alguma maneira possa ajudar a "desvendar" e não algo que crie ainda mais "vendas" sobre as já existentes camadas de vendas que o outro traz sobre seu olhar, e, que por vezes, lhe causam dor.
Definitivamente não nasci para ser um "fazedor de vendas", não nasci para vendar a dor. E o fato de ter desvendado que não nasci para vendas, mas ainda me encontrar nesse mercado, me provoca imensa dor.
Que venda é essa que me impede de ver com propriedade as propriedades de uma real vocação?
O que realmente é de minha propriedade, que me é original e que não é fruto de uma técnica do passado ou fruto de mera imitação?
O que é de minhas origens que possa ser realmente útil e de conteúdo real para a sociedade?
Que talento é este que se encontra tão lento?
São perguntas que não se calam em meu interior...
Em meu trabalho, me sinto como um prostituto, com a diferença de que não vendo meu corpo, mas a minha integridade em favor de alguns trocados para pagar meu custo de vida...
Hoje, meu primeiro cliente, um senhor tapeceiro da região, entrou cabisbaixo em meu "estabelecimento comercial", me pedindo por um "poderosíssimo" incenso para limpeza do ambiente, contra inveja e mal olhado e outro para chamar dinheiro e trazer paz de espírito (a paz de espírito vem sempre em último lugar, até nos pedidos!)... Em meu intimo, sei muito bem que essas pequeninas varetas de bambú, aromatizadas artificialmente, não têm o poder que está estrategicamente impresso em suas bem trabalhadas e coloridas embalagens repletas de imagens...
E aí?... O que faço?... Minto?... Coloco ainda mais vendas sobre as vendas deste meu cliente?... Ignoro o que sinto?... Lavo as minhas mãos?... Alimento a ilusão?... Ou faço o que é característico do espírito vendedor: trato de empurrar mais algumas mercadorias de maior valor?...
Não! Não é isso o que faço!...
Silencio-me!... E com o olhar atento direcionado para os olhos embaçados de tal cliente, mantenho uma comunicação sem palavras... Vou muito mais além da mecânica frase "mais alguma coisa, senhor?"... Não digo o que sinto, mas não o deixo de fazer pelo olhar silencioso... E essa é a minha mais sagrada oração!...
E é essa limitação de não poder expressar aquilo que realmente sinto que faz com que eu me sinta traindo a mim mesmo... Sinto-me traindo o espírito que me motivou um dia a criar a "Cuidar do Ser"...
E este é meu grande martírio: saber o que não quero, mas não saber o que quero!

08 maio 2007

Apelo à Vida

Devolva-me
Meu sono,
Meus sonhos,
Meus músculos:
Minha serenidade.

Devolva-me
Meus dias,
Minhas tardes,
Minhas noites:
Minha estabilidade.

Devolva-me
Minha ação,
Minha inspiração,
Minha concentração:
Minha criatividade.

Devolva-me
Aquilo que de direito
Me pertence,
Minha liberdade:
Antes que seja tarde.

Nelson Jonas

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!