Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

25 maio 2007

Por que temos medo de arranhar a nossa imagem?


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Eu estava apreciando um copo de café quente, num intervalo de uma reunião, a fim de me esquentar um pouco, quando ele me abordou ainda com sua vista marcada pelo recente tombo que havia sofrido. Disse-me que estava atravessando um período em que não estava tendo nada de novo para falar e que havia se lembrado que eu já havia lhe avisado que um dia isso iria acontecer. Perguntou-me se eu achava que isso era normal.
- Olha só: não sei se isso é ou não normal. Aliás, essa coisa de "normalidade", para mim, hoje é bastante relativo. A única coisa que tenho absoluta certeza é a de que "bafo de boca não cozinha ovo". Acho que cada um deve fazer aquilo que seu processo lhe pede. Se você sente vontade de falar, então, fale, caso contrário, permaneça calado não só na boca, mas também na mente. Falar é fácil, calar a boca é um pouquinho mais difícil, mas difícil mesmo é silenciar a comadre fofoqueira que é a nossa mente.
Não tivemos tempo para dar continuidade em nossa conversa, uma vez que em poucos minutos fomos chamados para dar continuidade à reunião. No entanto, permaneci com aquilo em minha mente, meditando nesse período que esse meu amigo está atravessando, o qual já vivenciei em tempos passados.
Hoje pela manhã, retomei essa reflexão e percebi o quanto fomos e ainda somos condicionados a acreditar na necessidade de se falar a respeito de nossos conflitos existenciais com outras pessoas. Para mim, só por hoje, isso é uma das atividades de uma mente que não é séria, que não tem maturidade emocional, e que por isso mesmo, não é capaz de compreender e responder aos desafios que o cotidiano apresenta com assertividade e por si só. Para mim, a maturidade é desenvolvida pela capacidade de sentarmos com nossos próprios conflitos, em solitude, observando-os de maneira amorosa, sem qualquer forma de julgamento, racionalização ou retaliação. Não se trata de um olhar critico: dele já estamos fartos desde a mais tenra idade, seja por parte dos outros, seja por nossa parte. Para mim, não existe essa coisa de "critica construtiva"; critica é critica e ponto final! Ela não traz em si as sementes da compreensão, ao contrário, ela reforça as raízes da erva daninha chamada "corfomidade". Creio que a maturidade emocional só pode se manifestar quando optamos pela ousadia da auto-observação sem escolhas. Quando se repara realmente em alguma coisa em sua totalidade, na própria observação encontra-se a compreensão, e, se há a compreensão, qual a necessidade de fazer uso da palavra? Isso me faz lembrar aquela fala sempre usada nos filmes policiais:
- "Tudo o que você disser poderá ser usado contra você. Você tem todo o direito de ser assistido por um advogado de sua escolha!"
Quem pode usar a palavra contra você é o próprio pensamento pessoal ou o coletivo. O bom advogado, para mim, é a luz da inteligência que tudo vê. Se há uma lei essa lei está na própria inteligência adormecida que pacientemente espera por ser despertada.
Indo mais a fundo na reflexão, percebi que todos nós, desde a idade das fraldas temos sofrido uma série de abusos, entre eles - o que me parece ser o mais sério -, a fragmentação da nossa autenticidade e originalidade. Toda criança nasce sem nenhuma imagem sobre si mesma e a cada dia de sua existência, os adultos que a circundam começam a criar a sua imagem. De forma inconsciente, começamos a nos identificar com essa imagem e passamos a alimentá-la e protegê-la, fortemente influenciados pelos veículos de comunicação. Passamos a tentar proteger nossa auto-imagem desde a mais tenra idade. Lembro-me de um forte condicionamento que ouvia por parte de meu pai:
- Se apanhar na rua, apanha em casa novamente! Homem que é homem não leva desaforo para casa!
Como nunca gostei de brigas, várias foram às vezes que apanhei na rua e silenciei-me em casa, o que trazia em si uma grande carga de frustração, vergonha, medo e ansiedade. Sem perceber, com esse tipo insano de comportamento socialmente aceito, fomos gradualmente nos afastando cada vez mais de nossa verdadeira natureza e nos identificando com a imagem criada de nós mesmos. Lembro-me de amigos que sofriam terrivelmente por não terem condições de atender as expectativas das imagens criadas de si pelos seus pais.
A imagem nunca é o real e quando não lidamos com o real sempre sofremos com a crônica presença do medo e da ansiedade de sermos descobertos, de ficarmos nus, totalmente despidos de nossa imagem. Nossas relações nunca são entre pessoas, mas sim, entre um aglomerado de imagens. Na sociedade há até alguns ditados que dizem que "Uma imagem fala mais que tudo" ou "a primeira impressão é a que fica". Alguns de nós já estão conscientes da imensa dificuldade que é não criar uma imagem logo de inicio e insistir em se relacionar com ela.
Creio que o problema maior está em quando nos identificamos com essa imagem criada durante a nossa existência, a qual foi fortemente alimentada por terceiros. O ser humano possui essa estranha e insana mania de criar imagens ídolos, para depois adorá-los até a primeira contrariedade, quando parte para o outro extremo de querer a qualquer custo "escorraçar", "desmascarar", elegendo-o como inimigo externo, por não ter sido capaz de satisfazer as suas necessidades doentias.
Não é preciso ser nenhum sociólogo, filósofo ou coisa parecida: basta apenas olhar em nossa própria família, nossos lideres políticos e nas matérias estampadas pela mídia que sempre viveram de "Caras" e "Ídolos". Isso também acontece em relação a postura que muitas vezes tomamos em relação a nós mesmos – e como isso é doloroso! Também criamos imagens de nós mesmos e quando nossas atitudes não correspondem às expectativas oriundas dessas imagens, também temos a tendência autodestrutiva de nos escorraçar, de nos denunciar, de gritar "mea culpa" pelos quatro ventos, de chafurdarmos no poço do sentimento de culpa e de remorsos ou então, por outro lado, fugirmos para um isolamento doentio.
Olhar para essa imagem, criada seja por terceiros, ou seja, por nós mesmos, em geral, inicialmente é um tanto doloroso devido ao nosso condicionamento critico. No entanto, sem o desenvolvimento desse olhar, cara a cara, amoroso, torna-se impossível a manifestação de um modo de vida pautado no real. É essa observação amorosa, cara a cara, que estilhaça a nossa auto-imagem. Por vezes, é preciso muito tempo para se perceber que aquilo que mais nos assusta – a perda da nossa imagem adquirida – é a chave de entrada para um novo portal de consciência, ou se preferir, de uma nova maneira de ser. Só essa observação sem escolhas é que pode nos libertar. Para mim, essa é a essência do verdadeiro sentido da palavra "anonimato". Ser anônimo é não abrigar imagens, nem de si, nem de terceiros. Enquanto abrigamos imagens estamos sempre em conflito, e, portanto, sem liberdade. Somente a pessoa que se relaciona com imagens é que pode ser ofendível. Se em qualquer situação nos sentimos ofendidos, magoados, é sinal de que ainda estamos nos relacionando com imagens, que não estamos nos relacionando com o real, mas sim, com uma imagem de nós mesmos.
Isso me faz lembrar uma conversa que tive anos atrás com um antigo conhecido meu. Em sua simplicidade me disse:
- Se alguém chama a minha mãe de puta e ela não é uma puta, não tem por que eu ficar aborrecido. Agora, se alguém chama a minha mãe de puta e ela realmente é uma puta, então, mais motivos ainda para não me aborrecer. Isso é o significado da frase "daí a Cesar o que é de Cesar". Pense nisto: se alguém traz em suas mãos um presente para lhe entregar e você não o aceita, com quem fica o presente?...
Pois bem meu amigo, estar no presente, presente para o ente que se apresenta minuto a minuto, sem qualquer tipo de escolhas, esse é para mim o meu presente exercício.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!