Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

20 maio 2007

Você faz ioga e meditação?




São 11h33min. O céu está todo azul com raras e pequeninas nuvens brancas aqui e acolá. A temperatura está por volta dos 22º e uma brisa suave balança as várias rabiolas plásticas espalhadas pelos fios de telefonia. Um helicóptero azul rasga o céu baixinho, chamando a atenção de todos com seu imenso ruído. O trânsito é constante e também barulhento. Alguns comerciantes locais, devido a falta de movimento, estão parados em pé, na porta de seus estabelecimentos. O barbeiro, largado numa das velhas poltronas de couro, lê as noticias populares. Um rapaz com o uniforme verde musgo do mercado próximo, empurrando um carrinho de compras, detêm-se para oferecer alguns trocados para uma senhora carente de recursos financeiros. O fluxo de pedestres pelas calçadas é quase que inexistente. Pouquíssimas são as flores que ainda se mantêm na copa da pequena árvore. Meu cão não se cansa de reclamar a minha atenção e faz festa quando algum pedestre passa próximo ao portão.
Loira, cabelos presos em coque, grandes argolas de prata nas orelhas, aparelhos nos dentes, num Picasso preto novinho em folha... Timidamente entrou na loja, dizendo-se indecisa quanto ao que comprar para presentear sua amiga. Pediu para que eu não a levasse mal se por acaso demorasse para se decidir quanto ao que levar. Disse-me que sua amiga era um tanto exótica e que por esse fato, sempre tinha dificuldades para presenteá-la.
- Por favor, fique a vontade; precisando da minha ajuda basta me fazer um pequeno sinal.
- Obrigada! Acho que já me decidi; gostei muito desta pequena caixa metálica.
- Trata-se de um porta-jóias indiano. Temos também em outros tamanhos, veja...
- Muito lindas, mas, vou ficar com esta aqui. Você trabalha com prataria também?
- Sim, senhora. Por favor, aqui neste balcão.
- Gostaria de alguma peça para colocar dentro desta caixinha...
- Temos várias opções!
- Não sei não! Não estou vendo nada no estilo dela; suas peças são muito finas e ela é muito perua para as mesmas... Acho que vou levar só a caixinha. Você faz embrulho para presente?
- Claro, senhora!
Enquanto eu procurava por uma embalagem que mais se adequasse ao tamanho da caixinha, timidamente me perguntou:
- Posso lhe fazer uma pergunta pessoal?
- Pois não senhora!
- Você pratica ioga ou meditação?
- Senhora, qual o porquê dessa pergunta?
- Porque você transmite calma pelo seu olhar... Você parece estar sempre noutra sintonia... Eu e meu marido passamos todas as manhãs por aqui e o vemos sempre sentado debaixo da árvore, escrevendo ou meditando e seu olhar parece estar sempre longe. Outro dia mesmo, meu marido disse-me sentir inveja do seu atual modo de vida; ele lhe conhece desde o tempo em que você e sua família trabalhavam com roupas de surf... Costumava sempre comprar roupas com você. Ele anda super estressado e isso já está afetando o nosso relacionamento. Só não nos separamos ainda porque tenho segurado as rédeas da relação. Trabalhamos juntos em nossa indústria de cosméticos e isso está afetando demais o nosso casamento, pois é quase que impossível separar os problemas de casa dos problemas da indústria. Para lhe dizer a verdade, nem sei o que estou fazendo lá. Tenho duas formações na área de humanas e esse negócio de chefiar equipe de vendas, ter que ficar cobrando o cumprimento de metas e resultados, não tem nada a ver comigo. Estou chegando ao meu limite! Foi por isso que procurei pela ioga e a meditação. Estou fazendo bem próximo daqui, num local chamado Ananda Marga, você já ouviu falar?
- Sim! Houve uma época em que mantive muito contato com os membros dessa entidade espiritual. Cheguei a participar juntamente com minha esposa de um retiro espiritual numa cidade do interior de São Paulo. Fiz também serviços de diagramação dos livros deles, bem como o site que eles mantêm na internet.
- Por isso que lhe perguntei se você faz ioga e meditação; queria me certificar de que isso possa dar resultados saudáveis. Eles me parecem ser bastante sérios. Só não sei se isso poderá resultar positivamente; no fundo, sinto que vai ser apenas mais um dos locais que já percorri. Nos últimos anos venho fazendo uma verdadeira "via sacra" por religiões e instituições para ver se consigo achar respostas para minha "turbulência interior". Desde pequena, sempre fui muito agitada e diferente das demais crianças e isso sempre tornou difícil as minhas relações. Nem sei como meu casamento está durando tanto tempo. Minha tendência sempre foi a de me isolar em minha concha... Acho que se não fosse a minha filha, já teria dado um ponto final na relação.
- Sei, sua filha... Senhora, se me permite, esse me parece ser o argumento mais usado pelos pais para não olharem com profundidade a realidade dos fatos. Já ouvi esse tipo de argumento muitas e muitas vezes. Colocamos a situação externa como sendo a fonte dos nossos problemas existenciais, ou como a senhora mesmo disse, da nossa turbulência interior: o estresse e a grosseria do marido, a situação do casamento, a língua da sogra, o local de serviço, a pouca idade dos filhos e por aí vai. Nunca olhamos de frente para a natureza exata da nossa turbulência interior. Se a turbulência é interior, como pode estar no exterior?... A senhora gostaria de ficar bem de frente com a natureza exata da sua turbulência?
- Claro que gostaria!
- Posso lhe ajudar a fazer isso?
- De que modo?
- A senhora confiaria em mim apenas um pouquinho?... Por favor, está vendo a cortina azul do meu provador?...
- Sim!
- Poderia abri-la?
- Pois não!
- Muito bem! Agora olhe de frente para esse grande espelho... A senhora está bem de frente com a natureza exata da sua turbulência interior, assim como também está de frente para a pessoa que pode lhe dar as respostas certas para solucioná-la...
- Eu?... Com está mente de papagaio?... Sem chances! É por essa razão que acho que a ioga e a meditação não vão funcionar... Não consigo relaxar nem mesmo na hora em que me disponho a praticá-las... Minha mente não para... Meu corpo está lá, mas a mente fica que nem um macaco pulando de galho em galho na imensa floresta dos meus problemas do cotidiano.
- A senhora prestou atenção no que acabou de me dizer agora?
- O que?
- A senhora acabou de falar a natureza exata da sua turbulência interior: a mente desgovernada! Está tudo na mente!
- Minha agitação mental é tão grande que além da ioga e da meditação, estou freqüentando também um grupo de budismo tibetano... Mas, não sei não! Esse papo de ter que ficar repetindo o tal do Om Mani Padme Hum
segurando o tal do japa-mala na mão direita, está sendo uma verdadeira mala!
- Experimente mudar para "Coca-cola"!
- Como assim?
- Experimente repetir por vários minutos a palavra "coca-cola", "Mickey Mouse", "Ronaldinho", "Big Brother" ou outra qualquer que soe melhor aos ouvidos... Isso funciona como uma espécie de auto-hipnose, no entanto, não soluciona sua turbulência interior. Basta parar com o mantra de sua escolha que os pensamentos compulsivos voltam com tudo! Como é que se pode resolver o barulho da mente com toda essa tagarelice rotineira que chamam de mantra? Pura tagarelice mental! A senhora ainda não percebeu isso?
- Sim! Por isso mesmo que eu acho que não vai dar certo!
- Posso eu lhe fazer agora uma pergunta pessoal?
- Sim!
- A senhora disse que já fez uma verdadeira "via sacra" por vários sistemas de crença organizada, que erroneamente, tanto a senhora como os demais dão o nome de religião, certo?
- Sim!
- E mesmo assim, a senhora não conseguiu obter êxito com tudo aquilo que ouviu nesses lugares, para deixar de ouvir o que tem lugar em sua mente, correto?
- Sim, mas preciso encontrar algo para acabar de vez com essa turbulência interna.
- Se a senhora me permite, por que ao invés de escutar o que esses lugares de exploração têm para lhe dizer, por que a senhora não aplica seu tempo e energia para escutar o que a sua própria turbulência interna tem para lhe dizer?... A senhora não confia em si mesma? Acha que não têm competência para se sentar consigo mesma? Será que a senhora já não carrega vozes demais dentro de si? Será que a senhora precisa colecionar vozes de outros sistemas de crença organizada, com todos os seus condicionamentos? Será que já não bastam aqueles que a senhora vem adquirindo ao longo de todos estes anos?
- Não sei lhe responder! A única coisa que sei é que já estou farta de freqüentar lugares que me prometem por soluções para após um breve período de freqüência perceber que é só mais uma concentração de pessoas egocêntricas com seus defeitos mascarados pela crença local.
- Nem me fale. Conheço isso muito bem; o Papa que aqui esteve é um ótimo exemplo. Atrás daquele sorriso de bom velhinho esconde-se um verdadeiro inquisidor. Está cheio de padre benzendo no altar e aliciando na sacristia; tem preto velho apaziguando pomba-gira, rabino roubando gravatas de marca e outros absurdos mais! Isso é um fato que quase sempre pode se ver estampado nos melhores jornais. Sendo assim, por que insistir nessa insana "via sacra"? Por que não entrar no templo que se é? Por que não ler o próprio livro que se é? Por que não meditar naquilo que se pensa ser?
- Como posso ter certeza de que isso realmente funciona?
- E por que a senhora precisa de certezas?
- Por que tenho medo de ficar confusa!
- Mas a senhora já não se encontra confusa?... Uma pessoa que não está confusa teria necessidade dessa "via sacra" religiosa?...
- Sei lá!
- Bem, para mim, confuso por confuso, antes só do que mal condicionado! Pense nisso!
- Vou pensar!... Quanto lhe devo?
- R$40,00...
- Cobre aqui!
- Seu troco, senhora. Obrigado pela preferência!
- Eu é que lhe agradeço.
- Precisando disponha!
Ainda na porta da loja, deteve-se por um breve instante, abriu sua bolsa de couro retirando um maço de cigarros ainda fechado. Abriu o mesmo jogando o pequeno lacre plástico na calçada. Deu duas longas tragadas antes mesmo de destravar as portas do carro com o controle do alarme. Entrou, ligou o carro, baixou dois dedos do vidro dianteiro, deu uma leve buzinada, um sorriso e seguiu seu caminho. Pelo menos esse é o meu desejo: que tenha seguido seu próprio caminho e não a continuidade dessa insana e condicionada via sacra.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!