Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

15 maio 2007

De que trânsito estamos falando?

Eu estava meditando sobre a questão do tédio que surge quando estamos em silêncio, na ociosidade, quando ele apareceu. Trazia consigo uma sacola de mercado com três litros de refrigerantes, bem a vontade, de camiseta, bermuda e chinelas hawainas...

- Fala JR? Como vão as coisas? E as novidades?

- Nenhuma, Jaimão! Tudo na mesma maresia!

- E o movimento? Melhorou?

- Que nada!

- Engraçado... Minha filha esteve no Shopping para comprar o presente do dias das mães e disse que lá estava lotado!

- Pois é... Sua filha também foi ao Shopping! A tendência é o comércio dos bairros se extinguirem mesmo...

- É que lá o pessoal acaba aproveitando também para o lazer!

- Já conheço bem essa história!

- Pois é... Ainda bem que o dia melhorou hoje! O solzinho está tão gostoso que decidi vir a pé até o mercado! Assim aproveito para fazer um pouco de caminhada e sair da ociosidade! Ando muito parado ultimamente!

- Vida sedentária?

- Isso mesmo!... Minha filha é que é super dependente do carro... Não faz nada sem ele! É por isso que penso em sair de São Paulo. Cada dia que passa essa idéia está ficando cada vez mais forte em minha cabeça. Não agüento mais tanto trânsito, tanta confusão, tanto congestionamento... Estou fazendo planos para cair fora de São Paulo, arrumar uma casinha no campo, longe de tudo isso...

- Sei, o trânsito...

- Falo sério! Não agüento essa concentração de pessoas neurotizadas... Só para você ter uma idéia, só vou ao supermercado no meio da semana e na parte da tarde. Eu não consigo ficar onde tem muita concentração de pessoas estressadas... Me dá um negócio, um mal estar... Para mim tem que estar tranquilão! No shopping a mesma coisa... Sabe em que dia vou até o shopping?

- Não faço idéia!

- Terça-feira de manhã! Já me informei com a direção do shopping e eles me informaram que o dia de menor movimento é a terça-feira pela manhã!... Pode fazer o teste, é sério, você vai conferir que é real!... É tudo sossegado... Não tem ninguém nos corredores e o shopping é todo seu!

- Fica mais fácil para você consumir sem se consumir?

- Isso mesmo! É um belo trocadilho!

- É por causa disso você está querendo ir para o meio do mato?

- Não agora; mais para frente! Daqui uns seis ou sete anos! Já estou planejando! Estou com essa idéia fixa em minha cabeça! Essa vontade não sai da minha cabeça!

- As vontades... Todos os nossos grandes problemas acabam nascendo do abuso da nossa vontade! Isso para mim é um fato!

- Mas essa é uma vontade boa! Já cansei da praia! Agora, penso no campo!

- Mas um dia você também pensou que a sua tranqüilidade estaria num apartamento na praia, não pensou?

- Sim! Mas já me desiludi! Praia só fora de temporada, caso contrário, é pior do que aqui! Hoje a idéia fixa é de cair no mato! Tudo começa na idéia, não é mesmo?

- Sim!

- Da idéia a gente chega lá! Só estou esperando meus filhos casarem... Logo logo serei só eu e minha esposa, aí ninguém me segura! Vou para o mato escutar passarinho, criar galinhas, plantar couves... Essa idéia surgiu quando vi uma matéria no Globo Repórter... O cara era um grande empresário... Comprou um sitio no interior de Santa Catarina, largou tudo e foi para lá! Vive o que eles estão chamando de "simplicidade voluntária"... O cara planta, cria e vive numa boa, longe de todo esse agito infernal... Tudo sem agrotóxico! O cara tinha grana! Não pensou duas vezes! Disse que está vivendo bem! Ele achou o caminho dele...

- Pode ser que sim e também pode ser que não!

- Como assim?

- Pode ser um escapismo, uma forma de se esconder da vida de relação! Pode ter ido para o mato justamente por não ter encontrado o caminho dele... Pode ser uma fuga!

- É, não tem como a gente saber a realidade... Só a pessoa mesmo! Mas, pela entrevista que ele deu não me pareceu escapismo não!

- Pois é... "Entrevista"... Isso é só o que está na vista, no externo... Vai saber o que vai lá dentro nas "entrevisceras"... O que está nas vistas pode ser apenas uma máscara!

- É, pode ser uma fuga! Mas, uma fuga dessa agitação não é nada mal! Sair desse trânsito me parece ser uma vontade inteligente! Para isso eu bato o martelo em cima... Não suporto o trânsito!

- Esse problema do trânsito externo até que é fácil de ser solucionado!... Quero saber como é que você vai fazer para acabar com esse trânsito ininterrupto na sua cabeça... Para esse aí não tem escapismo feliz, pois onde você for, a cabeça vai estar com você!

- Nem me fale!

- Isso é que eu quero que você venha logo cedo me dizer: como sair desse congestionamento mental? Como deixar de ouvir as várias buzinas dos pensamentos? Como fazer diminuir a velocidade do trânsito dos pensamentos?

- Lá vem você com as suas perguntinhas!...

- Mais uma buzina para a sua cabeça! Se relacionar com o trânsito externo me parece ser muito mais fácil!

- Eu já não suporto esse trânsito! Por mais que você faça, quase sempre acaba caindo no ritmo alucinado das pessoas...

- Então, isso significa que você ainda é uma pessoa influenciável por fatores externos!

- Não é que acabo entrando...

- Você é "Maria vai com as outras"?...

- Não, não... Eu deixo a turma ir, vou caindo para a direita e fico só observando a loucura das pessoas no trânsito... Todo mundo está agitado, estressado, correndo feito louco!... Buzina atrás de buzina a todo instante! É só neguinho xingando, gesticulando! Por qualquer coisinha estão explodindo!

- Mas, se você tem integridade não é facilmente influenciado!...

- Não é que eu seja influenciável, mas é que é todo dia assim! A coisa não muda! Só piora!... É neguinho forçando a passagem pela direita, é motoqueiro chutando o retrovisor ou a porta do carro... A coisa não muda! Cada dia que passa a coisa está ficando cada vez pior!

- Você externamente não derruba o motoqueiro, mas e na mente? Duvido que não passa o resto do dia carregando o motoqueiro na cabeça...

- Isso acontece mesmo!

- Então, no trânsito externo você deixa passar, mas no trânsito interno...

- Nisso você tem razão!

- Pois é! Para mim, esse é que é o verdadeiro caos, o verdadeiro fator de estresse!

- Acho que deveriam fazer uma pista única para os motoqueiros passarem batido!

- Já pensou se você tivesse essa pista única também para os seus pensamentos?... Uma pista em que eles surgissem a toda velocidade e você só ficasse vendo-os passarem até sumirem, sem que eles causassem danos para você e nem para terceiros... Sua vida, com trânsito ou sem trânsito, não seria mais tranqüila?

- Sem dúvida!

- Os motoqueiros são o seu espelho... Vai ver que eles quebram seu espelho para que você não possa ver o que realmente precisa ser visto... Que o trânsito não ta lá fora, está aí dentro!

- Acho que você devia escrever sobre isso.

- Sobre isso o que? Sobre ir para o mato ou sobre o trânsito de São Paulo?

- Sobre o trânsito de São Paulo...

- Meu querido, eu não estou nem aí com o trânsito de São Paulo... Não é isso o que me congestiona! Eu quero é resolver o incessante trânsito que está na minha mente... Se eu resolver o trânsito que está na minha mente, com certeza, o trânsito de São Paulo não vai ser motivo de trânsito em minha mente! Vai para casa e pensa qual é o verdadeiro trânsito que lhe atrapalha!... Se você não encontrar respostas para isso, com certeza, quando estiver no mato vai acabar reclamando do trânsito dos passarinhos com seus cantos matinais!...

(...) O ser humano é um eterno insatisfeito... Culpa as situações externas pela qualidade da sua situação interna. Há um preceito espiritual que diz que "o nosso grande problema não está em nenhuma situação externa: está em nós". O pensamento vive no barulho e do barulho – e morre no silêncio da meditação, que em sua essência é observação sem resistência.

Gostou? Então compartilhe!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!