Para mim, escrever tem sido uma prática fascinante e, acima de tudo, profundamente reveladora. Uma vez atento me é possível perceber as próprias nuances, os sentimentos, os motivos e o espírito que me move a tal prática. A cada dia que passa venho aprendendo muito a respeito de mim mesmo, seja escrevendo, seja observando minhas reações aos comentários feitos a cada texto postado. E, através dos comentários acabo aprendendo também um pouquinho a respeito das relações humanas.
Há algum tempo, quando sofria profundamente com o tédio e a insatisfação, descobri na escrita, uma espécie de "fio terra emocional", algo semelhante aquele pino colocado sobre a tampa da panela de pressão que a impede de explodir. Sou como essa panela de pressão: hoje, sem um pino, posso explodir e causar danos a mim mesmo bem como aos que me cercam. Posso garantir que, das válvulas de escape que já utilizei em minha vida, a escrita tem se mostrado a mais funcional e inteligente.
Durante anos e anos fiquei apenas observando a coragem dos outros ao expressarem suas idéias e, quase sempre, minuciosamente em busca das possíveis contradições dos autores. Tecia minhas conclusões e criticas sobre os mesmos e não sobre os textos por eles escritos. Até então, nunca havia me passado na cabeça que é humanamente impossível analisar um ser humano através de um punhadinho de letras. Um ser humano é infinitamente mais complexo do que seus textos. Nos mesmos, um autor consegue traduzir apenas um ponto de vista e, um ponto de vista é apenas um minúsculo ponto de sua visão. Quando lemos um texto, não temos como ver as reações emocionais e somáticas do autor. Não temos como sentir suas vísceras...
Talvez eu consiga expressar melhor este ponto de vista, dando como exemplo a disparidade existente entre o original de uma obra literária e o resultado dela quando transformada em filme. Por mais holística que seja a visão do diretor, este nunca conseguirá traduzir aquilo que o escritor tentou transcrever.
Segundo Ezra Pound, poeta, músico e crítico estadunidense, o mau crítico se identifica facilmente quando começa por discutir o poeta e não o poema. E nos dizeres de Osho, na verdade, quem consegue criar, cria; e quem não consegue criar, critica. Pessoas não criativas se tornam grandes críticos. É fácil criticar poesia, mas é difícil escrever poesia. É fácil criticar uma pintura – você pode criticar Picasso, mas não consegue pintar como Picasso. É fácil criticar tudo.
Hoje, sei muito bem a enorme diferença existente entre ser um critico e ousar escrever suas idéias, visões e sentimentos. Tenho visto o quanto é difícil estabelecer uma real comunicação com o leitor, uma vez que cada um de nós possui uma história, um fundo psicológico, o qual obscurece nosso mundo de relação. O mesmo acontece com a escrita... Tenho percebido o quanto é difícil ser original, não permitir que esse mesmo fundo, com suas vozes, cores e letras macule a tentativa de expressar o sentimento letrado.
Quanto aos críticos, existem alguns que me rotulam como incoerente, por não manter sempre a mesma visão em meus escritos. Ora, penso que se fizesse isso, ai sim estaria sendo incoerente, uma vez que estaria me distanciando dos motivos que me levaram a escrever. Isso seria o mesmo que exigir da natureza, que todos os dias se apresentassem da mesma forma: a mesma temperatura, as mesmas nuvens, a mesma pressão do ar, a mesma calmaria, o mesmo mar sem revoltas... Sou fruto da mesma natureza, portanto, feito de oscilações... Escrevo aquilo que sinto no momento e não tenho comigo o menor compromisso "intelectual" de manter a mesma postura de ontem.
Ao contrário de alguns críticos, não me sinto "completo", não me sinto "pronto": sou um ser em construção. E, como ser em construção, não desprezo as experiências dos outros, o que não significa que seja dependente das mesmas. Como tenho colocado em meus textos, gosto de trocar figurinhas sem colar. Gosto de trocar com as pessoas e sinto que isso nos enriquece, afinal de contas, uma das mais antigas características humanas é a capacidade e a necessidade de se expressar e compartilhar. É por isso que tento expressar pela escrita, o ponto de vista extraído dos vários contatos do meu cotidiano. Em meus textos, tento expressar um pouquinho dos meus sentimentos e daquilo que, naquele momento vejo como verdade (e na grande maioria das vezes, como os demais seres humanos, aquilo que vejo, tenho dificuldades de colocar em prática).
Já dizia o finado poeta: ... "tuas idéias não correspondem aos fatos"... Não me sinto na obrigação de ser coerente ou mesmo de ter respostas para tudo e para todos. Estou aberto e me permito a mudança de visão há qualquer segundo. Procuro ser eu mesmo, mas sem ser sempre o mesmo e olha, posso garantir que isso não é nada fácil. Aliás, acho mesmo que a mesmice – com perdão da palavra - é uma merda. Creio que já não sou mais vitima da "síndrome da jovem guarda": a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores o mesmo jardim... Isso não cabe mais no meu universo...
Gosto demais de duas frases, entre tantas colhidas ao longo dos anos, que resumem bem o que sinto a respeito da contradição e os críticos, as quais uso para encerrar este texto. A primeira vem de Roberto Crema, num seminário da Unipaz e diz respeito a contradição: "contradigo a mim mesmo por que sou vasto!". E a segunda, sobre os críticos, é de um dramaturgo inglês, Brendan Behan, a qual tomei conhecimento através de um texto de Paulo Coelho: "Críticos são como eunucos em um harém. Teoricamente eles sabem qual a melhor maneira de fazer, mas não conseguem ir além disso".
Agora, cá prá nós: difícil mesmo é deixar de lado o condicionamento de ficar tecendo receitinhas de como os outros devam ou não levar as suas vidas, de ficar apontando um dedo e opinando no modo de ser do outro, esquecendo-se de que três dedos sempre ficam voltados para nós... Será que fui muito critico nisto?