Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

14 junho 2008

Comprometimento

- Fala JR!

- Bom dia Dalton! Que te traz tão cedo por estes lados? Caiu da cama?

- Nada! Vim recarregar meu cartão do ônibus e aproveitei chegar até aqui para te trazer o cd com as estampas. Desculpe-me por não ter lhe trazido na semana passada como havia prometido por telefone. Espero que você não fique chateado comigo; você entende... Estou sobrecarregado, lá na firma acaba tudo caindo em cima da minha mesa. Tenho que bater o escanteio, correr para a área para tentar cabecear e depois, ainda voltar para defender a zaga que, como sempre, vive descoberta.

- Entendo! Quanto a não ficar chateado... Bem, hoje estou de boa, mas, na semana passada, fiquei extremamente chateado com todos vocês. Você tem idéia do prejuízo e contratempo que me causaram?

- Cara, não fique chateado comigo, afinal, lá eu não tenho poder de mando, sou apenas mais um funcionário. Você tem que falar direto com os homens. Já te disse!

- Quer saber? Desencanei! Sou grato pela oportunidade que me deram, mas, minha experiência com eles deixou muito a desejar.

- Não fala assim cara! Os meninos são gente boa, só que estão meio atrapalhados. É preciso levar na macioata, no banho maria... Fica frio! A firma lá promete muito e quem ficar vai cresce junto com ela.

- Desculpe-me Dalton, mas, quem gosta de viver de promessa é romeiro. Desde que começamos nossa relação comercial, os meninos já deram mancada comigo mais que uma vez. Como disse a eles, desde o inicio vesti a camisa da empresa. Houve total comprometimento de minha parte, no entanto, não posso dizer que vi o mesmo da parte deles. Digo isto sem ressentimentos. Como disse, sou grato pela oportunidade que me deram, mas, perdi o pique de criar para eles. Você sabe, desenhista precisa trabalhar livre, leve, solto, sem nenhuma preocupação na cabeça. Como posso querer criar para eles se não sinto firmeza e muito menos comprometimento por parte dos donos da empresa? Até agora, nunca conseguiram cumprir com o palavreado. Sendo assim, fica muito difícil.

- Você está fazendo uma idéia errada deles, JR! Posso lhe garantir.

- Dalton, sei muito bem o que estou lhe falando, afinal de contas, desde que fiz o primeiro site para eles, já estamos trabalhando há mais de um ano e, sinto lhe dizer, sempre furaram com os prazos, tanto no que diz respeito a entrega do material como na hora de fazer os pagamentos. Assim fica muito difícil. Fala-se uma coisa na mesa de reunião só que no percurso da carruagem fazem um caminho voltado somente para a própria direção... As coisas não funcionam assim. É preciso ter em mente que a vida é uma estrada de mão dupla. Uma relação só é uma relação quando ambos os envolvidos saem dela energizados.

- Insisto para que você leve na maciota, pois pode se dar muito bem com os meninos.

- Desculpe-me, mas, seu modo de pensar não condiz com os fatos... Para mim, uma boa viagem tem que ser boa na saída e também durante o percurso do itinerário... Esse lance de gozar só no final, para mim não cola. Além do mais, o que você pensa sobre uma empresa que leva mais de um mês para apreciar um book de cinqüenta estampas e, depois desse período, manda um funcionário ligar para dar a informação de ter aprovado apenas cinco delas?... Você quer que um cara que está dentro do mercado de confecção, estamparia e loja, há mais de 20 anos, acredite que apenas 10% do seu trabalho é vendável?... Se a qualidade dos desenhos apresentados foi tão precária, por que levar mais de um mês com o book nas mãos? Por que não liberá-los para serem trabalhados para outra marca? Detalhe: vendi as demais estampas em apenas dois dias para um concorrente de vocês, que nem sequer pestanejou.

- Que bom! Fico contente por você!

- Dalton, já conheço bem esse mercado, aliás, um dos motivos de anos atrás ter deixado de trabalhar com confecção foi justamente pela falta de comprometimento e seriedade para com os desenhistas... Os caras enrolam, copiam os trabalhos na cara dura e acabam soltando os mesmos em outras praças. Pedem para você desenvolver muito mais do que eles necessitam e não se comprometem com o montante palavreado. Sem falar no vai e volta dos cheques e na forçada para barrigar os prazos. Não se preocupam em fazer um negócio que seja bom para ambas às partes, ao contrário, espremem o quanto conseguem. Posso ser até utópico, mas, acredito que devam existir firmas que queiram realmente fazer uma boa parceria e que não fiquem apenas no bafo de boca. Ainda acredito que o ser humano não tenha perdido de tudo sua capacidade ancestral de "repartir" o necessário. O pior de tudo é perceber que a maioria dessas empresas não precisa manter essa postura, a qual já virou um vicio do sistema: pressa para pedir, procrastinação para aprovar e enrolação na hora de pagar. Enquanto você não entrega o pedido, chegam a ligar várias vezes te pressionando, depois de entregue, nunca estão na firma e, se estão, instruem suas secretárias com desculpas que vão desde "reuniões com fornecedores" ou ter que "correr com a esposa para o médico". Quer saber? Não estou mais a fim de fazer esse jogo e ainda ter que ficar fazendo caras e bocas de felicidade.

- E quanto ao projeto de você ir à empresa uma vez por semana para nos dar um curso das técnicas de Photoshop e Corel Draw?

- Dalton, olhe bem aqui na minha testa e me diga se nela está escrito "trouxa"?... Você acha mesmo que eu iria até lá e ensinaria o que sei para o setor de criação de uma empresa que não demonstrou o mínimo de comprometimento e seriedade para comigo?... Que valor seria justo cobrar pela experiência de mais de vinte anos de mercado, sabendo que não existe nenhum comprometimento com você?... Se tivesse visto da parte deles o mínimo desejo de manter uma saudável relação comercial, teria imensa satisfação de compartilhar graciosamente com vocês desenhistas um pouco do conhecimento adquirido nestes anos, do mesmo modo que fiz quando passei o dia com vocês na empresa.

- Nem me fale! Com você, aprendi em um dia o que talvez levasse anos para aprender...

- Pois é! Pena que os meninos não souberam valorizar isso.

- Fico chateado por isso!

- Ficou chateado por quem? Por mim ou por você?

- Pela situação em si. Acho que todos perderam com isso. Tenho certeza que você poderia somar para a empresa, bem como a empresa para os seus conhecimentos.

- Não tenho dúvidas quanto a isso. Com certeza, poderíamos trocar muitas figurinhas sem colar.

- Por que você não tenta falar com eles novamente?... Joga aberto!

- Dalton, acho que você não entendeu: há muitos anos que já não estou mais a fim de jogar... Hoje, estou em busca de boas relações comerciais. Há muito que estou comprometido comigo mesmo a não corromper e a não me permitir ser corrompido. Eu não corrompi nossa relação comercial, foram eles que a romperam ao não demonstrarem seriedade e respeito para com as necessidades do ser humano que sou. Agora não tem mais jeito: esse álbum eu já fechei!

- Certeza?

- Por mais que não se queira reparar nas emendas feitas, um vazo quebrado é sempre um vazo quebrado... Compreende? Penso que uma das coisas mais sagradas do ser humano é a sua capacidade de fazer escolhas. Eu escolhi "perdoar", ou seja, doar aquilo que o pensamento julga como perda e seguir em frente, com a certeza de se um dia novamente cruzar com eles em meu caminho, não precisar mudar de calçada ou então alimentar rancor. Um dos meus maiores patrimônios é saber que hoje posso andar de cabeça erguida por onde for.

- Posso ficar tranqüilo? Tem certeza de que não está chateado comigo?

- Nem com você e nem com eles.

- Que bom.

- Mas, e com você? Está tudo bem?

- Sim! Com Jesus na frente e Deus no coração, tudo só pode dar certo!

- Que bom!

- Bem, agora que já nos falamos, vou nessa. Vou aproveitar a manhã para passar no shopping e conferir as estampas nas vitrines. Sabe como é: no mundo da moda nada se cria, tudo se copia!

- Sei!... Dalton, mais uma coisa...

- Diga!

- Estou enganado ou os donos da empresa também são "seguidores de Jesus?"

- Sim, lá a maioria da galera caminha com Jesus.

- Sei... Vá com Deus!

Enquanto observava Dalton seguindo cabisbaixo pela calçada, com a mão nos bolsos dianteiros, em minha mente ficou a certeza da realidade explicita na frase de uma camiseta: é muito mais fácil dizer que se anda com Jesus no peito do que ter peito para viver do modo como Jesus andou...





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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!