Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 novembro 2007

Uma conversa além mar

- Olá JR!

- Olá Pessoa! Como está sua vida?

- A Vida?... Longa é a "noite escura da alma"... E curta é a "coragem de estar só e silencioso".

- Vejo que leu o texto do Osho que lhe enviei está semana.

- Realmente um ótimo texto! Sabe, à medida que tomo consciência do número gigantesco de condicionamentos de que sou feito, simplesmente pela observação simultânea à não-reação - eu sempre tenho sido um rapaz muito impulsivo e de reações intensas -, me assusto e duvido da possibilidade de me despir e arrancar de minha pele as marcas, feições, feridas, acessórios, roupas e máscaras, dando lugar ao "ser original" que nasceu há 26 anos atrás. É que, eu não sou esse ser original. Eu sou essas marcas, essas feições, essas feridas, essas roupas, essas máscaras. É possível uma roupa se despir a si própria?

- É possível arrancar as máscaras e abandonar os nossos papéis? Deixar de ser mais um neste imenso teatro de fantoches? Pessoa, também me faço estas questões quase que diariamente, enquanto observo o que se passa aqui dentro com relação ao que se passa lá fora.

- Para mim, a auto-observação deveria ser uma ação constante, mas exige uma quantidade de energia que eu não possuo. Depois de alguns minutos de auto-observação momentânea, eu colapso e me deixo arrastar pelos pensamentos e sonhos que me resgatam do lugar e da atividade profissional desagradável e penosa que todos os dias tenho que enfrentar.

- Desculpe-me Pessoa, mas, não creio que a auto-observação seja possível de ser feita em cada segundo da nossa existência. Aliás, penso que se fizéssemos da observação uma meta, mais um "tenho que", estaríamos nos enredando novamente noutro condicionamento. Penso que só o fato de percebermos que não estamos atentos, já é o suficiente para continuar nosso passeio por esta terra sem caminho. Até mesmo um automóvel precisa de repouso e mais combustível para seguir pelo caminho.

- Sabe JR, no fim de semana tenho oportunidade de silêncio e solidão quase absolutos, mas mesmo os passeios pelo campo se transformam em entretenimento igual a qualquer outro como a leitura. E nem sei se a leitura de textos que ajudam a conscientização não será, também ela, uma forma de entretenimento.

- Sim, sem dúvida! Se não estivermos atentos, qualquer atividade nossa pode servir de anestésico para a falta de sentido e monotonia de uma existência sem VIDA. Tenho visto isso ocorrendo por todos os lados... Percebo como é difícil silenciar e ficar sem fazer nada!

- O problema irônico é que o simples "querer" fazer qualquer coisa, ou até mesmo o "querer" não fazer nada, me bloqueiam. "Querer é não poder". Se assim é, talvez eu deva fazer aquilo que eu fiz quando aconteceu a minha grande crise existencial: ser como uma folha morta de outono - simplesmente me deixar rebolar, voar, ser jogado fora, cair, ao sabor do vento. É que eu sinto que o único momento em que fui livre, foi nesses anos de profundo desprezo por mim mesmo, e pelos outros, nesses anos em que me rendi a não ser nada, a não fazer nada, a não me esforçar por nada, a não procurar nada.

- Desculpe-me novamente Pessoa, mas, não creio que o desprezo por si mesmo e pelos outros possa ser sinal de VIDA. Em meu caso, esses períodos de "inverno existencial, apesar de extremamente penosos, foram um período de fecunda busca. Nesse período, era como se eu estivesse dentro de um "limbo"... Não havia vida, não havia brilho no olhar... Era como se eu nem mesmo existisse – e foi através dele que eu percebi que eu simplesmente, como muitos apenas existia. Foi nesse período que eu pude perceber que eu era apenas mais um participante inconsciente desse jogo existencial, sem conhecer bem as regras e muito menos os criadores anônimos dessas regras, para muitos, inquestionáveis e invioláveis. Sinto que saboreei a VIDA, por breves minutos que ocorreram logo após a minha "noite escura da alma"... Ali sim tive um contato real com aquilo que significa a palavra "VIDA"... Foram breves minutos onde soube por mim mesmo o que é ser realmente uma pessoa livre... Nesse momento, não havia o menor desejo de fazer qualquer coisa, a menor necessidade de ter que conseguir qualquer coisa para o alcance da minha "segurança", pois, TUDO estava ali... Não existia nem o TUDO e nem eu... Não há como expressar em palavras o que não é da palavra...

- Sabe JR, sinto agora que estou novamente entrando no jogo do "que devo fazer?", "para onde devo ir?", "o que será melhor para mim?", "o que devo ler para evoluir?", e até o "faço ou não faço um jardim, este ano?" é uma questão insolúvel e torturante. Eu gostaria simplesmente de me render à morte. Talvez, então, eu pudesse experienciar a VIDA. Vou adiando a impressão dos textos do Osho e do Krishnamurti que eu "deveria" ler... Ainda só li e pesquisei uma insignificante parte dos textos que eu já poderia ter lido. Eu simplesmente não consigo fazer aquilo que eu deveria fazer para meu Bem. Vivi escravo e subjugado por "deveres" durante uma vida, e agora nem coisas simples - como ler textos que me fariam bem - eu consigo fazer, ou o faço penosamente.

- Hoje não sinto a leitura como um "dever", aliás, para ser franco, já não leio com a intensidade dos meus nebulosos dias de busca. Sinto que a leitura desses homens que "enxergaram mais longe" – com toda a energia do meu ser -, foi extremamente importante; no entanto, sinto que meu momento é o de deixar um pouco de lado essas "luzes dianteiras" e ascender a minha própria luz interna... A principio tive medo de tomar esta decisão, mas agora, sinto-me agradecido por ter confiado em minha intuição.

- Estou num beco sem saída, JR. Se me mexo, sinto que estou morto e escravo. Se fico parado, sinto-me despreocupado e livre e vivo, mas fico estagnado na minha possível e apetecida evolução. É, simplesmente, um beco sem saída.

- Pessoa, lhe asseguro que já vivi situação semelhante... É como um período de gestação, de crisálida, de encubação de um "novo homem", de um "homem remido"... Tanto a criança no útero, como a lagarta na crisálida, expressam poucos movimentos... É um período de formação e que leva seu próprio tempo... Há que se tomar imenso cuidado para não fazer movimentos pesados que possam "abortar" esse processo...

- Eu até poderia tentar ter "a coragem de estar só e em silêncio", mas se eu "tentar", eu não o vou conseguir. "Tentar" é "não conseguir". Assim sendo, mais vale não tentar, mas, assim, eu também não vou conseguir. Isto é uma INSANIDADE! E eu estou me rendendo à impotência, como folha morta de outono que só conhece a liberdade quando se desprende do ramo onde sempre viveu e se deixa levar pelo vento. Mais vale ser morto e livre do que vivo e preso, porque a MORTE é ser-se vivo e preso, e a VIDA é ser-se morto e livre.

- Concordo com você, Pessoa. No entanto, é preciso compreender bem o que é necessário morrer... Eu tenho morrido todos os dias e, através dessa morte para o falso é que venho conquistando vida. Confesso que, por vezes, é um processo bastante desgastante, mas, confesso que não troco o meu "pior de hoje" pelo melhor de outrora. Onde todos só enxergam prejuízo, confesso à você que estou encontrando lucro... Continuo morrendo todos os dias para o "ouro dos tolos"...

- Obrigado, JR, pelo texto do Osho sobre a Meditação. E me desculpe, sinceramente, por todo o incomodo que eu causo a você. Você tem sido muito generoso e paciente comigo. Bem haja!

- Não sei de onde você tirou essa idéia de que nossas conversas possam me causar algum tipo de incomodo. Ao contrário, elas têm uma riquíssima fonte de nutrição e, tem mais, ressinto-me por mais pessoas não poderem desfrutar da mesma... Que o propósito de todas as nossas conversas seja sempre o aprofundamento do processo de morte dos condicionamentos e enriquecimento do processo do despertar da Inteligência Criativa e Amorosa. Pensando bem, acho até que esta nossa conversa deve fazer parte das “Conversas Para Cuidar do Ser”... Assim será! Fique na paz do seu silêncio! Um abraço fraterno!

- Outro para você!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!