Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

10 novembro 2007

Trocando figurinhas, mas sem colar.

A campainha soou por volta das 16:00 horas. Ao pé das escadas, meu querido amigo Novaes, de óculos escuros apoiados sobre o couro cabeludo recentemente aparado e num visual bastante esportivo.

- Ora, ora, meu amigo Novaes, que bons ares lhe trazem?

- Vim arriscar aquele cafezinho filosófico... Está muito ocupado?

- O trabalho pode esperar, mas o servir não! Afinal, qual o sentido da pressa se o que nos espera é a morte? Acha mesmo que eu desperdiçaria a riqueza inestimável de uma boa prosa para ficar diante de uma tela sem vida criando estampas de moda?... A moda passa, o que não passa é o que se compartilha ao sabor de uma boa xícara de café. Vamos lá! Façamos valer a pena o momento! Carpe Diem, meu amigo, Carpe Diem!

- Tem certeza de que não estou mesmo lhe atrapalhando?

- O que me atrapalha são as conversas e atividades mesméricas? É isso o que lhe traz aqui?

- Com certeza não!

- Então, ótimo! Aqui, tempo não é sinal de dinheiro, tempo é cuidar para se livrar do tempo!... Vamos lá, me diga como vai a sua existência: com vida ou sem vida?

- Graças a Deus estou bem melhor!

- Sobre qual Deus você se refere? Afinal de contas, são tantos os deuses no abrangente e lucrativo mercado religioso televisivo, que fica difícil de se identificar!

- Eita condicionamento arretado! Desculpe-me, mas esse está difícil de tirar da boca. Dê-me um desconto, afinal de contas, mais de trinta e cinco anos alimentando essa expressão!

- Fica frio! Eu mesmo tenho que estar atento à esses cacoetes verbais!

- Mas, respondendo a sua pergunta, bem melhor, carinha, bem melhor!

- Vamos nos sentar lá no fundo, assim podemos ter mais privacidade em nossa conversa!

- Demorou! Vamos lá!

- O que você vai querer?

- Quero um "carioquinha" e uma garrafa d'água com gás.

- Osmar, por favor!

- Oi, JR! Nem te reconheci! Cadê a barba e o bigode?

- Foi por água abaixo!

- Você fica bem diferente sem ela, fica com cara de moleque!

- Mas a cabeça, continua a mesma!

- O que vão querer?

- Olha só, Osmar, traga aqui para o meu amigo pernambucano, aquele "carioquinha" no capricho, que só um cearense como você sabe fazer, para os paulistas como eu degustarem!

- Esse é o JR, sempre filosofando e brincando com as palavras!

- É a filosofia que dá abrigo para os que buscam por mais vida, meu amigo! Por acaso você sabe o que significa a palavra "filosofia"? Sabe a origem dela? Já pesquisou num dicionário?

- Não!

- Ela tem sua origem no grego e significa "amor à sabedoria". Aposto que você nunca teve a curiosidade de procurar também pelo significado e origem da palavra "sabedoria"...

- Vixi, não tenho tempo para isso não! Vida de pobre não dá para essas coisas não!

- Traga-me um bom copo de capuchino que depois te conto!

- Está bem! Esse JR!

- Você é foda! Quer dar um nó na cabeça do garoto?

- Que nada! Troco altas idéias com ele neste balcão! Gente boa! Na simplicidade dele, solta sempre pérolas raras do cotidiano. Ainda bem que os balconistas de padaria não despertaram para a escrita, pois se assim o fizessem, os Paulos Coelhos da Vida perderiam seus empregos e teriam que substituí-los nas respectivas padarias. Mas me fale sobre você...

- Nada disso! Hoje vamos variar um pouco! Toda vez que venho aqui, sou sempre eu que fico falando e você só ouvindo com esse seu olhar profundo.

- Falar é prata, calar é ouro!

- Para com isso! Desembucha logo! Trate de falar de você...

- Então espera que lá vem o Osmar com o nosso pedido...

- Um capuchino, uma água com gás e um carioquinha! Não vão querer nada para comer?

- Para mim não, e você, JR?

- Vontade daquele pãozinho com manteiga na chapa é que não falta, mas, preciso fechar a boca um pouquinho... Estou em faze de crescimento lateral e a patroa não gosta muito disso, não! Então, quer saber o que significa a palavra "saber" e qual a sua origem?

- Se for ligeiro tudo bem, a padoca está cheia!

- Vem do latim, "sapere", que significa "ter gosto", "saborear" por si mesmo! Agora me responda: o que pode ter de ruim em querer "amar e saborear a vida"?

- E desde quando se precisa de filosofia para amar a vida? Ela por si só não basta?

- Não disse para você, Novaes, que os Paulos Coelhos da Vida estão correndo um sério risco de desemprego?

- Acho que não são só eles que correm esse risco: a maioria dos políticos e técnicos de futebol também! Eles passam o dia todo ouvindo em silêncio, tudo quanto é tipo de opinião de um monte de insatisfeitos crônicos, não assumidos, tentando fugir de sua dor através de uns copos de cerveja, ao mesmo tempo em que olham todas as bundas das senhoras que entram em busca de pão! Não é preciso ser filósofo para se constatar isso.

- Fato! Obrigado, Osmar! Faz o seguinte, depois dessa, nossos cérebros precisam de uma massa nutritiva: traga uma cestinha de pães de queijo! Vê se não me traz os murchos!

- É prá já!

- Olha só JR, não pensa que vai me distrair com toda essa prosa! Anda logo, vai me falando, o que é que está acontecendo?

- Como assim? Do que você está se referindo?

- Tem boi na linha! Estive no grupo de estudos na sexta-feira e me falaram que você e a Deca não vão mais. É verdade?

- Sim!

- Posso saber o por quê?

- Você sabe muito bem que, tempos atrás, eu já havia deixados o grupo. Acabei voltando para atender as necessidades da Deca e acompanhá-la.

- Sim, você já havia me contado isso!

- Francamente, não tenho visto sentido algum nas reuniões, uma vez que o que encontro nelas, é um aglomerado de pessoas que não estão realmente comprometidas com o autoconhecimento. Com raríssimas exceções, depara-se com um ou outro com um "potencial de seriedade", se é que possa dizer assim. Você me compreende?

- Sim!

- O que mais vejo são pessoas se relacionando com seus "castelinhos mentais", ou então, usando o grupo para fugirem da solidão, ou preocupadas em garantir entretenimento para os finais de semana.

- Também já percebi isso!

- Se fosse isso, até que dava para agüentar! O pior são aqueles que não perdem a irritante neurose de ficar relatando nos mínimos detalhes o comportamento de outras pessoas, que nunca estão na roda naquele momento e, portanto, não tem como se defender. Essas pessoas não conseguem sustentar uma conversa sobre os próprios pensamentos e sentimentos, e, invariavelmente, em questões de segundos, tratam de transcorrer suas falas num labirinto de assuntos superficiais e estéreis. É um desfile de julgamentos e criticas, que fazem com que, não só os ouvidos mas todos os músculos do corpo voltem para casa bastante tensionados.

- É triste meu caro!... Só que vocês não podem deixar de irem lá, pois tem muita gente precisando do compartilhar da experiência de vocês.

- Desculpe-me, meu amigo, mas, acho que você está fortemente enganado!

- Será?

- As pessoas não estão buscando de forma alguma por isso. Não vejo pessoas comprometidas com o autoconhecimento, a busca da verdade e sua resultante autonomia psicológica.

- Será que você não está sendo cético demais?

- Não creio. A coisa toda fica só no nível do bafo e, como você bem sabe, "bafo de boca não cozinha ovo". As pessoas estão querendo falar do seus "castelinhos" – o que é de seu direito -, ou então, em busca de um "príncipe encantado" que satisfaça todas as suas exigências egocêntricas. Só que não vejo nenhuma delas realmente imbuídas em derrubar as "torres do castelo" que lhes aprisionam. Elas querem ser "Rapunzel" a espera do príncipe encantado, devidamente motorizado, com uma "bela espada" e, de preferência, que tenha tido aquilo que elas pensam ser "sucesso". Eu estou mais é a fim de acabar com todos os contos de fada e os cantos das sereias. Eu te pergunto: quem é que está a fim disso?

- Olhando por esse ponto, acho até que você tem um pouco de razão. Só que você precisa levar em conta, o fato de que um ponto é tão somente um ponto.

- Quem sabe você tenha razão, uma vez que nunca afirmei não mais estar doente do olhar. Sabe, para mim, esse grupo é página virada, não tem mais como freqüentar essa sala. No entanto, as portas da minha sala estarão sempre abertas para aqueles que forem realmente sérios, que estiverem de fato comprometidos em compartilhar suas experiências relativas a observação daquilo que lhes impede de potencializar os seus talentos e viverem uma vida com a totalidade do seu ser. É por isso que decidi não freqüentar mais.

- Mas você não acha perigoso ficar só? Acha que dá para praticar o "descanso" do grupo?

- Claro, uma vez que as discussões nesse grupo mais me cansam do que outra coisa. Novaes, hoje entendo bem a essência daquele dito popular "antes só do que mal acompanhado". Não vejo inteligência em querer gastar vela com defunto ruim! Se é para empregar a energia, tem que ser com atividades que ultrapassam essa superficialidade que nunca nos levará ao centro de nós mesmos. Isso não tem nada a ver com o isolamento neurótico, uma vez que estou aberto para estar junto daqueles que realmente demonstrarem seriedade. Já tem gente falando pelos bastidores de que estou criando uma gama de relacionamentos codependentes em torno de mim. Não creio. A saber, de quem partiu esse tipo de comentário, essa mesma pessoa é que se encontra num neurótico isolamento de si mesmo através de um relacionamento de fachada. Hoje, não dá mais para compactuar com esse tipo de insanidade. Não dá mais para fechar os olhos e fingir que não se sabe de nada. Talvez isso seja bom para alguns dos nossos políticos, mas não para mim.

- É, já vi muito esse tipo de comportamento nos noticiários de televisão nestes últimos cinco anos.

- Meu irmãozinho, cansei de conversa fiada, intelectualismo barato, fofocas e jogos de intriga. Isso em nada pode ajudar na compreensão daquilo que nos mantém nesse crônico estado de sofrimento anônimo. Prefiro mil vez o silêncio da minha sala, na companhia da minha esposa, do meu bagunceiro cachorro, um bom livro ou a meditação em algum texto. Sempre digo que ainda não estou pronto, que ainda me deparo com momentos de tédio, insatisfação e incompletude. Talvez, nossa única diferença esteja no fato de eu não estar mais me iludindo com muitas das coisas com as quais estas pessoas ainda se iludem. No entanto, sinto que ainda estou doente do olhar. Você me compreende?

- Sim!

- Pois bem! Quero estar com aqueles que se reconhecem também doentes do olhar e manter um diálogo aberto e direto com eles – não para criar uma nova forma de dependência -. Quero estar com essas pessoas "trocando figurinhas, mas sem colar".

- Não sei não! Será que não seria melhor você pensar um pouco mais nesse assunto? A sala sem vocês dois vai ficar muito xoxa, e vai acabar fechando em pouco tempo... Nenhum grupo vinga sem uma liderança servidora.

- Espero que isso não aconteça. No entanto, já vi isso acontecer antes, e, foi só quando a sala fechou que as pessoas se deram conta da falta de seriedade com que levavam as coisas.

- É só quando a água bate na bunda que as pessoas se movimentam!

- Eu costumo dizer que o doente emocional é que nem um fusquinha 64: muitas vezes, só pega no tranco!

- Sendo assim, acho que nossos cafés terão que ter seus espaços reduzidos.

- Por mim, tudo bem, só que existe uma pequena condição...

- Qual?

- Que você também procure reduzir espaço existente entre o "você" que você acredita ser e o "você" que realmente é...

- Isso eu já estou tentando faz tempo! (e aqui para nós: como é difícil!)

- Tenho um recente amigo on-line que me escreveu dias atrás, me dizendo que "tentar é não fazer"...

- Aí você está pegando duro demais!...

- Novaes, querido... "Fazei-vos duros!", já dizia Nietzsche...

- É mais também não se esqueça do que dizia o Chê: sem perder a ternura!

- Você acredita mesmo que ao fazer isso eu estaria "perdendo a ternura"?

- Se acreditasse nisso, você acha que eu estaria tomando um café com você?

- Novaes, para algumas questões, somente com tratamento de choque! Sinto que não estou pronto, não estou inteiro. Talvez seja por isso que eu não consiga criar um ambiente de identificação com estas pessoas. Sinto que em solidão, possa penetrar com mais propriedade nas questões que ainda me impedem de "ser em totalidade". Sinto que no grupo até encontro com pessoas que concordam com esse meu ponto de vista, no entanto, concordar não significa "comprometimento".

- Você acha que eu sou um desses que não está comprometido?

- Por que você me pergunta isso?

- Tenho medo do auto-engano!

- Desculpe-me, Novaes, mas isso é só você com seus botões... Aceita outra água?

- Não, por enquanto não.

- Que bom! Quando começamos nos falar, logo nas primeiras vezes, sua ansiedade era tamanha que você chegava a tomar quase que dois litros de água em menos de uma hora.

- Nem me lembre desse período!

- Veja só: já diminuiu para 250 mls... Progressos!

- Acho que devido a sua ajuda, estou ficando menos "aguado"... – risos.

- Não estou ajudando ninguém. Tenha sempre em mente: estamos tão somente "trocando figurinhas"... Eu não estou pronto... Ainda não completei meu álbum. Agora, vamos nessa.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!