Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 novembro 2007

APENAS VIVER


- Viva, JR!
- Viva, Pessoa!

- Antes de mais, agradeço a você toda a sua atitude paciente, e ternamente generosa, comigo. Meu último e-mail, repleto de questões confusas, de labirintos intelectualistas, encontrou em você um oceano de clareza. Parece-me que minha intenção era mais criticar, atacar, do que realmente compreender.
- Fique na boa! Quem se presa a escrita, tem que estar aberto e preparado para todo tipo de reação emocional. É interessante notar em mim mesmo, a maneira como reajo a cada manifestação dos leitores. Aprendo muito sobre mim, a cada situação desse tipo.
- JR, não me leve muito a sério, pois, não sou cônscio de mim mesmo. Só agora estou dando os primeiros passos de um caminho que, mesmo sendo óbvio, é, provavelmente, o caminho mais difícil. É muito difícil me auto-observar, sem motivo, sem julgamento, sem comparação, sem intelecto, sem o peso desgastante das memórias emocionais...
- Sei muito bem o que você quer dizer com isso, Pessoa!
- A auto-observação simples e crua é a própria vida, mas minha mente me mantém prisioneiro numa espécie de não-vida, de inconsciência.
- Seja bem-vindo ao Planeta Terra, irmão!
- Agradeço também ter continuado a me enviar textos para nutrir a consciência, como este aqui sobre "A Inteligência", com o qual concordo, tão simplesmente, por ser verdade/realidade/fato. Aliás, minha desistência dos estudos universitários se prende também com a minha percepção intuitiva de que nos bancos da escola não se ensina inteligência, apenas memória (intelecto). E eu ambicionava por mais do que meros conhecimentos técnicos. Eu queria VIDA. E, depois de três anos atravessando um deserto de livros, teorias, filosofias, reflexões, opiniões, investigações, eu me dou grato por ter encontrado o caminho para essa VIDA: a consciência.
- Consciência é a resposta, já dizia Robert Happé! Está aí um ótimo livro para você ler!
- Sim, a consciência!... Curiosamente, esse caminho não tem trilho, não tem sinalização indicando direções, aliás, nem sequer existe antes de eu o pisar. É como andar no escuro. E é assim que eu me sinto desde que eu "despertei" - me sinto andando em caminho incerto e invisível.
- Bem-aventurados os que andam por caminhos incertos e invisíveis, pois eles alcançarão a Inteligência!
- Pois é!... Malditas e Benditas sejam as crises existenciais! Digo "Benditas" porque nos resgatam do estado vegetativo, mas digo, também, "Malditas" porque não há nada mais cruel do que ser "um homem com um garfo em terra de sopas" - título curioso de um livro de Jordi Sierra i Fabra. Diz este autor, nesse mesmo livro:
"Um homem com um garfo numa terra de sopas, bebe e come com as mãos, porque o garfo não lhe serve para nada, nem nunca lhe irá servir"...
Reconheço, JR, que esta metáfora está incompleta. Se "garfo" é auto-consciência, e "sopas" é a "normose", duas opções existenciais lógicas existem: ou eu abandono a terra de sopas e cultivo, isolado, um quintal de hortaliças para comer com o garfo que eu possuo (viveria uma vida coerente comigo mesmo), ou eu abandono meu garfo e como sopa como toda a gente, ou seja, com uma colher (abdicaria do meu garfo, e viveria coerente com quem me rodeia).
- Decisão difícil, não é irmãozinho? O que você pretende fazer?
- Ainda não acabei meu raciocínio... Existe, contudo, uma terceira opção, aquela a que o escritor se refere: comer sopa, mas com as mãos. Justifica o autor:
"E essas mãos são tudo o que tem, da mesma maneira que o ser humano na vida apenas tem a sua honestidade para a viver. Há muitas terras cheias de sopa, carregadas de cores, convidando-te com cantos de sereia, oportunidades, êxitos, luxos... mas a única colher para apurar a existência reside em nós mesmos. Mãos e coração."

- Muito interessante!
- É óbvio que a opção mais sensata é esta última, e é precisamente aquela que eu reconheço em você ao ler seu blogue. Consiste em viver na comunidade, não se isolando, mas filtrando a realidade através do coração.
- É o que tenho procurado fazer e, ao mesmo tempo, é o que entendo pelo termo "simplicidade voluntária".
- Contudo, existe um fato que me perturba, JR, na sua vida e na minha também...
- Pois então, me conte!
- Será saudável ser um humano consciente e continuar vivendo no meio da insanidade e da normose?
- Pessoa, se isso não for saudável, o que será então?
- JR, você é um ser humano profundamente cônscio e, contudo, você me diz que o seu negócio, seu trabalho, que implica ter que vender futilidades comerciais aos seus fregueses, lhe provoca um mal-estar existencial, uma futilidade em si mesmo.
- Sim, é isso mesmo o que sinto! Quanto a ser "profundamente consciente"... Tenho meus deslizes!
- Bem sei, JR, que temos contas e faturas para pagar ao fim do mês, que temos que garantir o nosso sustento e da nossa família. Eu trabalho, também, em semelhantes circunstâncias. Mas vale a pena sacrificar a nossa sanidade mental pelo conforto civilizacional?
- Depende do que você entende por "conforto"...
- Não são os índios da Amazônia muito mais felizes que nós, vivendo despreocupadamente os dias, vivendo o presente, não se importando sequer com a garantia segura do seu sustento?
- Não faço idéia, uma vez que nunca vivi a realidade deles! Uma das coisas que tenho procurado me abster de fazer e que vem apresentando salutares resultados é a comparação.
- Vejo que nós, ocidentais civilizados, temos muito apego à nossa sobrevivência: fazemos Seguros de Vida, de Casa, de Carro, psicologicamente nos adaptamos a quem nos rodeia, "vendemos" nossa alma e honestidade por um punhado de regalias...
- Nem todos!
- Eu adivinho o que você me responderia... Que, à semelhança do pensamento budista, o "Caminho do Meio" é o mais sensato, ou seja, comer "sopa", mas com as "mãos"; que seria insensato abdicar dos avanços tecnológicos e do conforto porque o problema não são os objetos mas a forma como a nossa mente reage a eles; e que um homem verdadeiramente cônscio não é afetado por aquilo que o rodeia, é independente, porque se foca na sua própria mente. Você me responderia que (usando a metáfora que o príncipe Siddhartha usou) se eu esticar pouco uma corda de um instrumento musical de cordas, a corda não produz som, é inútil; se eu a esticar demais, a corda se partiria, e seria inútil também. Que é preciso encontrar um Equilíbrio existencial.
- Acho que você está vendo uma clareza mental em mim, a qual eu mesmo ainda desconheço... Sou apenas um ser humano em construção, ainda não estou pronto!
- Eu procuro esse Equilíbrio Existencial. Krishnamurti apareceu na minha vida dizendo que essa "procura" embota, logo de início, a mente. Concordo com ele, mas ele nunca precisou trabalhar para garantir seu sustento, nunca precisou se "prostituir" como nós todos temos que nos prostituir, diariamente, vendendo a nossa honestidade por um punhado de moedas que garantam uma existência que mais não serve do que para garantir a continuação de uma espécie humana vegetal (uma praga para o planeta terra).
- Pessoa, desculpe-me, mas, creio que lidar com "achismos" sobre a pseudo-realidade do outro, em nada pode nos tornar seres manifestadores de uma Inteligência Amorosa e Criativa. Não sabemos e nunca saberemos qual foi a "navalha cortante" na pele de Krishnamurti ou de outro qualquer! Quanto ao que penso a respeito dele, acho que não deve ter sido nada fácil ser separado da família, ter que ser criado como um semi-deus para dar respostas para as exigências descabidas de um punhado de insatisfeitos crônicos bitolados por um sistema de crenças e sincretismos. Se fosse fácil, por que teria desfeito uma organização como aquelas? Por que teria devolvido todos os bens materiais que haviam sido doados para a organização que ele encabeçava?... Bem, isso não vem ao caso! O que importa é compreender o por que sofremos, o por que de não termos em nossa existência monótona, vida em abundância!
- Me questiono, JR: Qual o interesse de minha existência?
- Ótima questão!..
- Não tenho intenção de me reproduzir - o planeta terra está superpovoado por humanos.
- Seriam mesmo humanos? Leva muito tempo para se tornar humano!...
- Não tenho intenção de competir - me encontro além da selva humana. Não tenho intenção, nem desejo, de produzir cultura ou outra forma de entretenimento. Não tenho intenção de viajar (a viagem interior é bem mais interessante).
- Sim, apesar de por vezes, ser bastante desgastante! No entanto, não a troco. Como dizia em tempos idos Marco Aurélio: Explora-te por dentro. É dentro que está a fonte do bem e ela pode jorrar sempre, se a explorares sempre.
- JR, é possível APENAS VIVER?... Eu só queria APENAS VIVER!
- Viver e não ter a vergonha de ser feliz, como dizia o poeta brasileiro Gonzaguinha!
- JR, não precisa responder. Minha mente é confusa. Minhas questões são confusas. Eu sou um Pensador Compulsivo, depois de um dia de "prostituição" no trabalho, também eu procuro compensar a dor através de padrões de comportamentos compulsivos!

- Sei!... Através de drogas de aluguel!
- Não vou pedir a você que me adicione ao grupo de mensagens dos Pensadores Compulsivos. Preciso acabar, primeiro, de imprimir os textos da Coletânea Krishnamurti que você generosamente me deu e que, muito lentamente, me ajudam a ver claramente os problemas.
- Você vai precisar de bastante tempo para se estudar com clareza através da imensa clareza daqueles textos.
- Mesmo sabendo que pensar em termos de "futuro" é um obstáculo à concretização do "agora", eu tenho esperanças que, depois de uma segunda leitura destes textos, mais profunda e recolhida, eu veja mais claramente os problemas que me impedem, ou me resgatam, de ser como toda a gente que me rodeia.
- ...Só encontro gente amarga, mergulhada no passado, procurando repartir seu mundo errado, nesta vida sem amor que eu aprendi!... Essa estrofe, que reflete bem o seu pensamento, é de um finado compositor e poeta brasileiro chamado Taiguara. Me identifico muito com esta estrofe!
- Aqui, em meu país, existe uma canção que diz... Pode alguém ser quem não é?
- Grande pergunta, irmãozinho!... Qual seria a sua resposta?
- Eu sou "quem não é". "Eu não sou eu, sou outra coisa qualquer", como dizia Fernando Pessoa. Esta nossa conversa é, sobretudo sobre a HONESTIDADE. Eu sou incapaz de ser desonesto comigo, e por isso eu sofro tanto com coisas que são banais e verdades adquiridas para as outras pessoas. E esta é uma pergunta que apenas pessoas como eu e você, JR, têm a coragem de enfrentar. Encontrei em você um companheiro de igual honestidade. Bem haja, JR!
- E eu te pergunto agora: onde estão essas pessoas? Por que se escondem?... Foi exatamente com o intuito de encontrar estas pessoas que comecei a escrever... Saiba de uma coisa: foi muito bom te "reencontrar", espero que continue voltando... Apesar de você não concordar muito com esta frase, digo-te: Você não está só! Um grande abraço!
- Um Abraço do tamanho do oceano que nos separa e até breve!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!