Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

18 fevereiro 2008

Impotência sem resistência

O som da campainha do Messenger por pouco não foi abafado pelo forte som dos pingos da chuva contra a cobertura de zinco do prédio ao lado. Pegou-me distraído em meio dos meus questionamentos rotineiros sobre o sentido da existência humana. Do outro lado da tela, para minha surpresa, um amigo que há tempos estava sumido da net.
- JR? Está por ai?
- Olá Erick! Que bom revê-lo em minha tela! Como vão as coisas por aí?
- Caminhando!
- E a sua criança? Está cuidando bem das demais crianças da casa?
- Estou tentando! Com dificuldades, mas caminhando! E você?
- Estamos aqui nos contrariando!
- Como assim, JR?
- Cumprindo com as obrigações criadas pelos nossos ancestrais e não questionadas pelos chamados "normais"?
- Esse é o véio JR!... Sempre brincando com as palavras!
- Antes fosse brincadeira, Erick! Já parou para questionar tudo aquilo que chamam de obrigação?
- Se eu fizer isso, acabo louco!
- Desculpe-me meu amigo, mas, acho que não questionar isso tudo é que nos mantém nesse modo de vida que há muitos leva à loucura.
- Não sei não, JR!... Acho que a gente não pode levar a vida tão a sério... É preciso ver o lado bom de tudo senão a vida fica muito pesada. Acho que quando a gente faz assim, fica muito mais fácil de dar um sentido as coisas...
- Erick, desculpe-me, mas para mim, sua última frase é totalmente sem sentido. Essa história de "você" dar o sentido é totalmente ilógica, uma vez que esse "você" é o grande causador de todos os problemas. O grande problema, para mim está na limitação de visão do tal "você". É ele que nos mantém nessa – desculpe-me a palavra – merda de rotina.
- Entendo. JR, você não está mais fazendo palestras voltadas para a espiritualidade?
- Não, parei com tudo: nem faço e nem assisto.
- Por que disso? O que te irrita nesses tipos de palestras?
- Diga-me uma coisa Erick: como é que pode alguém que ainda não se libertou, querer ficar falando sobre um monte de temas? Tem mais: estou mais ocupado com outras atividades. Atualmente, o que mais me pega é a impotência que sinto diante da falta de possibilidade de uma existência com real sentido. Quanto às palestras, sou extremamente sensível a falsidade dos "ares de espiritualidade". Não agüento essas "falas mansas", totalmente carregadas com o egocentrismo sacerdotal.
- Entendo.
- Não agüento ver neguinho imitando Buda, Cristo, K ou quem quer que seja, ou então repetindo um monte de frases prontas extraídas desses livrinhos de auto-ajuda. Dá para sentir isso até pela aparência física dessas pessoas. Esses palestrantes querem ser tudo e falar sobre tudo, menos sobre a realidade deles. Não agüento isso.
- Imagino, JR. Sinto o mesmo que você quando me deparo com esses atuais "mestres de meditação e relaxamento".
- Pois é! Nenhum deles aparece na frente da câmera e diz o que realmente sente, não falam do tédio, da ansiedade ou da insatisfação... Ao contrário, aparentam uma vida "Doriana" onde é tudo bonitinho com final feliz! Nenhum deles fala sobre as loucuras que fazem quando ninguém os vê, do que se passa no interior do "quarto escuro" de suas mentes...
- Isso é um fato! Vivem proclamando uma paz interior que só engana os mais desesperados.
- Erick, estou farto disso tudo: Palestras, livros, internet, fóruns, Orkut, comunidades que nada tem em comum... Estou farto de todo esse palavrório, de toda essa masturbação mental... É tudo ego e interesses velados. E quer saber? Acho melhor o ego de um egoísta assumido do que o ego de um egoísta mascarado de espiritualista... Raça de hipócritas... O que os move é a respeitabilidade e o desejo de poder, prestigio, reconhecimento social e dinheiro.
- De fato, não se vê seriedade em quase nada! É muita papagaiada...
- Somente disputas acirradas por razão travada entre vários idealistas falidos. Não tenho mais saco e energia para nada disso. Eu quero saber por mim mesmo o que é que pode dar um real sentido a minha existência e não uma distração a mais.
- Sinto o mesmo!
- Não faz sentido algum acordar todos os dias somente para correr atrás de alguns suados e mirrados trocados, somente para pagar as "obrigações"... A palavra já diz: tudo é obrigado.
- Pois é, nada é de graça ou vem pela graça... Tudo é forçosamente forçado sem o menor questionamento.
- Pior é que se você questiona, acaba sendo rotulado de "utópico", ou então, de ter uma visão de vida tipo "don quixotiniana".
- Parece que hoje você está num daqueles dias, JR... Deve ser a síndrome de segunda-feira... Brincadeirinha!
- Quer saber? Tem horas em que a minha vontade é mandar tudo e todos para a...
- Não é diferente comigo, JR! Tem vezes que esses tipos com "carinha de felicidade", com ares de "senhor entendido e resolvido", quase me mata... Pior são aqueles cujo tamanho da pança demonstra o quanto são insatisfeitos e o quanto tentam matar a insatisfação pelo estomago... Pior que alguns deles chegam até ter horários na televisão. O foda é que parece que ninguém vê isso...
- Há!... Esses sorrisinhos de mestre espiritual ou de pastor de ovelhas é uma coisa de louco... Eu não tenho mais estomago para isso...
- Pelo jeito, JR, o bicho está pegando aí do seu lado!
- Nem me fale! Não tenho mais estomago para ouvir esse pessoal "mal amado e mal trepado", com suas roupinhas coloridas, repletas de adornos, vendendo felicidade de prateleira esotérica ou religiosa. Não consigo ver felicidade nessas pessoas... Basta uma boa olhada no fundo do olhar para perceber que o único brilho existente é o da brilhantina ou do laquê dos cabelos.
- Realmente não tem vestígio de vida alguma.
- Não tem expressão!... Fico me questionando quanto ao por que da dificuldade dessas pessoas assumirem o próprio tédio, a insatisfação e a falta de sentido... Por que é mais fácil se iludirem com toda essa pompuosidade espiritualista? Chego a sentir nojo de tudo isso. Eu te pergunto: olhe bem para todas essas figuras que estão por ai nesse imenso mercado de auto-ajuda-religioso que em nada ajuda... Você entregaria seus segredos para algum deles?
- De modo algum... Pura papagaiada, papagaiada e mais papagaiada... Tudo engrenagem de um sistema financeiro escondido na capa da auto-ajuda esotérica ou religiosa. Também sinto uma profunda alergia disso tudo. Pra onde olho, só encontro pessoas psicologicamente falidas, imitando um monte de gente. Fico me perguntando onde foi parar a originalidade?
- Eu confesso que gostaria imensamente de conhecer alguém realmente sério com a coragem de falar abertamente sobre a realidade vazia de sua vida. Alguém que gostaria de estudar junto essa questão que assola há todo mundo, seja de forma consciente ou inconsciente. Mas o fato é que desconheço quem queira estudar com seriedade essas questões... A maioria está em busca de distração, de palavras e mais palavras vazias jogadas ao vento encostados num balcão qualquer. As pessoas não estão querendo entrar em contato com o que realmente sentem.
- Vejo que o tédio é a grande realidade humana. Mas, como a grande maioria não agüenta ficar com isso, correm atrás de qualquer tipo de distração de aluguel... Um novo mp3, um videozinho, um texto qualquer, uma nova comunidade, abrir a caixa de e-mails ou o Orkut 40 vezes ao dia atrás de uma mensagem que valha a pena, um flertezinho pelo Messenger com aquele carinha que mora num país distante...
- E não se esqueça: a noite uma transadinha básica!
- Seria cômico se não fosse trágico! Mas, essa me parece ser a rotina da grande maioria das pessoas.
- Pois é, JR! Só que ninguém quer falar disso! Nada disso: ao contrário, empurre tudo isso com a barriga para debaixo do tapete! Hipocrisiaaaaaaa eu quero uma pra viver!...
- Erick, você me parece ocupado, vou desligar. Deixarei você com você mesmo, afinal de contas, no inicio de nossa conversa, você me disse que está de bem com você!
- Não é bem assim, sabe como é: força de expressão!
- Se não está ocupado, porque demora tanto para dar continuidade em nossa conversa?
- Sabe o que é?
- Não!
- Em nossas conversas, quase sempre você acaba dando um nó na minha cabeça. Quando saio do Messenger, nem sei prá que lado vou! Fico lendo suas frases e imaginando você emputecido com a minha falta de coragem de meter a mão na minha realidade e deixar de vez o meu conformismo e a minha zona de conforto. Tem outras vezes em que fico com medo de dizer alguma bobagem... Essa é a verdade! Aí eu fico me questionando: se nada faz sentido, o que a gente está fazendo aqui e agora? Temos que dar um sentido e, na real, penso que somos nós mesmos que damos sentido aos acontecimentos em que estamos envolvidos.
- Penso que uma coisa é algo realmente fazer sentido e outra bem diferente é a gente querer dar um sentido as coisas...
- Da maneira que você fala, parece-me que a única opção que se apresenta é ficar com essa impotência...
- Não sei, só sei que o que sinto agora é impotência sem resistência e estou sentido ela como nunca antes. Não quero mascará-la ou então anestesiá-la. Estou com ela aqui e agora e digo que de fato é extremamente dolorida.
- Entendo.
- O fato é que percebo o quanto que as pessoas têm medo de se depararem com a própria realidade de suas vidas, com o vazio de suas relações, de seus trabalhos, de suas existências sem vida. E vejo que, para não entrarem em contato com essa triste realidade, se entregam para algum sistema de crença, algum ritual, alguma benzedeira, ao consumismo ou até mesmo, geram filhos! Tudo na expectativa de saírem da mediocridade em que percebem viver. No entanto, não conseguem ficar de frente com a própria irrealidade da realidade em que vivem.
- Digo por mim, se fico longe dessas minhas distrações, começa a surgir um monte de dores pelo meu corpo... Começo a somatizar doenças, começo a entrar em depressão e acabo recaindo num dos meus padrões de comportamento compulsivo. Quando não recorro a nada disso, percebo-me recaindo no intelectualismo. É fogo: se correr o bicho pega se ficar o bicho come.
- Pois é faça o que fizer o tédio, o vazio, a insatisfação, a falta de sentido e a incapacidade de saber de verdade o que é estar em paz, o que é o amor, continua lá... Comendo lentamente nossa existência.
- Sim! Pior é que é isso que mesmo que tenho visto acontecer comigo. É só começar a falar sobre isso que minha cabeça começa a dar um nó... Sinto que agora preciso sair para tomar um ar...
- Que acontece?
- Meu cérebro parece estar fritando!
- Disse alguma asneira?
- Você? Imagine!
- Meu amigo, tem que existir algo pela qual eu possa dizer que valeu encarnar neste espaço tempo.
- Eu me pergunto a mesma coisa.
- Caso contrário, seria um grande desperdício da natureza, criar um ser para viver nessa rotina ridícula, apressada, barulhenta e sem sentido.
- Concordo plenamente! Não faz sentido viver num mundo onde tudo é grana... É muita desgraça, nada ser de graça, ou pela graça.
- Tudo bem! Vai lá tomar o seu ar! Nessa impotência sem resistência, tente manter-se vivo sem estar morto em meio de tanta falácia, falta de ressonância, nesse abismal vazio que não tem eco... Cuide-se bem! Fui!


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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!