Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

20 fevereiro 2008

Deserto do Real


Olá, Pequeno! Espero que você esteja bem e que sua insatisfação não esteja alcançando picos tão altos quantos os meus.

Estou lhe escrevendo para compartilhar um pouco dos meus sentimentos do dia. Neste exato momento são 14h06min e lá fora o sol está ardido com o ar bastante seco. Aqui dentro do peito, a secura parece chegar ao nível mais alto por mim já vivido e, o pior de tudo, é que nem sinal de uma pequenina nuvem de chuva se quer. Tudo é deserto...

Acabo de me excluir de uma comunidade no Orkut, na qual entrei com a expectativa de poder compartilhar de alguns textos de Krishnamurti. Muito antes da existência do Orkut, eu já fazia parte de um fórum de Mensagens no MSN, o qual também deixei por causa do intelekrishnamurtismo presente na mesma. Era – e ainda me parece ser - uma verdadeira guerra de egos, onde vários membros pareciam estar ali não para encontrarem material reflexivo, mas sim, para disputar um palavrório com o qual nada se consegue. Cada palavra sua era analisada, com um clima analítico inquisitório. E a maior das piadas: um dos membros se colocava como uma espécie de "explicador de Krishnamurti", tratando de enviar diuturnamente, páginas e mais páginas dos textos do K, sublinhados, em negrito, EM CAIXA ALTA com suas explicações egocêntricas colocadas entre parêntesis, isso quando não era o texto todo SUBLINHADO, EM NEGRITO, ITÁLICO E CAIXA ALTA E COM A COR DIFERENCIADA... Creio que seja capaz para você imaginar o quanto era irritante se deparar com um texto neste estilo. Por mais que K tivesse deixado claro em suas palestras de que "Os ensinamentos são importantes por si mesmos e intérpretes ou comentadores apenas os distorcem, sendo aconselhável ir diretamente à fonte, os próprios ensinamentos, e não valer-se de nenhuma autoridade", o membro em questão insistia com autoridade, manter tal comportamento. Como penso que controvérsias públicas não podem nos levar a nada, deixei de lado tal grupo.

Hoje, passado algum tempo, através de uma nova ferramenta on-line, o Orkut, percebo que as coisas continuam na mesma. Parece que nesses grupos de "discussão" – acho que esses grupos deveriam ser chamados de "grupos de controvérsias" – ninguém sofre. Todos são pessoas bem resolvidas, equilibradas, livres de qualquer tipo de dúvida, de insatisfação, de tédio, do sentimento de mesmice ou de secretas compulsões... Nada disso! Chego a apostar que se fosse possível o próprio K surgir novamente neste espaço tempo, fazendo uso de um "Nickname" qualquer, esses membros com certeza tratariam logo de dissecar cada uma de suas letrinhas com um intelektualismo egocêntrico de causar irritação em qualquer santo. Ali, você precisa estar atento a cada letra desde o título, o conteúdo do "post" e sua assinatura. Não há um real clima de "comum unidade", mas sim de "análise comum", de "disputa de razão". Creio que é justamente por isso que comunidades como esta não crescem e não pela dificuldade de compreensão dos ensinamentos do K, como alguns destes membros controversos tentam justificar o mirrado número de membros atuantes. Esses membros, sem perceberem, adotam uma postura de "especialistas em K" e acabam quase sempre por inibir uma amigável troca de idéias. Como não conseguem perceber as coisas por si mesmos, invariavelmente acabam se escudando nos próprios textos do K e, desse modo, gerando em si mesmos uma "atrofia perceptiva", termo este que foi muito bem colocado por um dos membros da comunidade:

...A atrofia perceptiva pode acontecer quando nos transformamos em especialistas... Mais importante que ENCONTRAR um exemplo prático de um determinado conceito é valorizar e prestar atenção aos processos subliminares, as novas percepções que vão sendo criadas, aos insights.

Acredito que o processo de autoconhecimento não pode ser realizado apenas de forma analítica, pois nenhum sistema de análise vai fazer jus a complexidade e singularidade de cada ser humano.

Todo sistema de análise acaba de certa forma "possuindo" quem o adota, programando seu jeito de pensar, de tal forma que ao olhar para algo só o que encontramos é o próprio sistema. Ao observar um mesmo fato um filósofo vai encontrar filosofia, um artista encontrará a arte, um psicólogo a psicologia, e por ai vai... Pois cada um deles estará condicionado a ver o mundo sobre um determinado ponto de vista. Isto pode ser bom por um lado, mas também pode ser muito prejudicial se não conseguimos preservar a singularidade e espontaniedade das avaliações que realizamos quando somos IGNORANTES (no sentido de não carregar toda uma bagagem conceitual).

E vejo que é exatamente isso que acontece nesses grupos com vários dos seus participantes: trocam os condicionamentos do passado pelos condicionamentos de suas observações sobre as observações feitas pelo K. Creio que seria interessante colocar uma tarja colorida bem na entrada dessas comunidades com os seguintes dizeres:

NÃO FAÇA DE KRISHNAMURTI UMA DROGA: A VÍTIMA PODE SER VOCÊ

Mas, o que realmente interessa não é a ação desses membros, mas sim, compartilhar do meu momento atual. Sinto que estou num enorme deserto. Não há mais para onde correr, para onde ir, onde freqüentar e até mesmo o que ler. Sinto como nunca ser uma máxima o teor do dito popular: quanto mais é dado mais se é cobrado. O fato é que a clareza das observações feitas por Krishnamurti acabou jogando tudo por chão. Nenhum sistema de crenças ficou em pé, o que acho uma verdadeira benção, pois a crença é somente para os infantes. Creio que as observações feitas por K funcionam exatamente como um "programa de desilusão que em seu devido tempo, acaba se auto-desprogramando", como se fosse uma espécie de "softer" carregado num arquivo temporário, com o intuito de deletar todos os vírus do sistema social que por anos e anos tomou conta do nosso hardware cerebral. Sinto-me num "ponto zero" onde absolutamente nada do passado parece fazer sentido, inclusive os próprios textos de Krishnamurti. Sinto uma necessidade imperiosa de deixá-lo para trás, assim como todos os tipos de ferramentas pelas quais fiz uso para compreender a minha dor existencial, das quais, como resultado, consegui a visão de mundo que tenho hoje: uma verdadeira Matrix, onde todo sistema falhou. É uma espécie de limbo, ou seja, não dá mais para voltar ao antigo modo de vida (não voltaria nem se fosse possível), mas também, não me vejo como uma pessoa livre. De fato, há uma maior compreensão das dificuldades presentes na vida de relação, mas, no entanto, não existe a libertação das dualidades criadas pela mente. Há uma lucidez que demonstra a total insanidade de recorrer aos velhos e disfuncionais mecanismos de fuga gerados pelo sistema, mas, não há a presença de paz: ao contrário, há uma inquietude constante, um perene descontentamento, uma imensurável insatisfação. Como nas falas do personagem Morfeu do filme Matrix: seja bem-vindo ao deserto do real. Não dá mais para me iludir com as chupetas e chuquinhas do sistema: preciso de alimento sólido.

Talvez, ao ler este texto, você possa estar se perguntando: de que valeu então tudo isso? Posso lhe afirmar que, onde todos enxergam prejuízo, vejo lucro. Não troco a gritante insatisfação que sinto hoje pela euforia gerada pelos manjares ilusórios do passado. Estou ficando com "o que é" que está se passando aqui e agora dentro de mim. Como escrevi no texto anterior, sinto-me num momento de total impotência sem resistência e confesso que estou me sentindo uma nulidade, um zero, sem saber qual é a ação a ser tomada, a não ser a ação de não me entregar novamente ao processo de reação condicionada... Como nos dizeres do poeta:

"Eu não quero mais mentir, usar espinhos que só causam dor, eu não enxergo mais o inferno que me atraiu, dos cegos do castelo me despeço e vou a pé até encontrar um caminho o lugar pro que eu sou"...
É isso aí irmano... Agora me despeço e vou cuidar, não de você, mas de mim!

Quem ouvir algo de novo, grite alto!

Um abraço fraterno, do seu sempre amigo, JR.
Fui!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!