Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

07 abril 2007

Saindo da Zona e do conforto

Mal havíamos chegado da nossa caminhada matinal com nosso cachorro, quando ele apareceu. Estávamos ainda cuidando dos preparativos rotineiros para a abertura de nossa loja para mais um dia de trabalho. Estava visivelmente com sono e apesar de ainda ser tão cedo, suas roupas já cheiravam a nicotina!
- Mas veja só quem vem lá!... E aí Marcelo? Caiu da cama?
- Nem te falo! Então, você já tomou café?
- Sim acabei de passar com a Déia na padaria! Mas, me diga: o que faz por aqui tão cedo neste sábado pós feriado?
- Pois é JR! Minha mãe me chutou de casa logo cedo! Disse que não queria saber de me ver em casa pela manhã! A coisa lá está pegando forte! Todos dizem que estou numa zona de conforto!
- E você está?
- Se for olhar bem... Creio que sim!
- Isso te faz mal?
- Sim!
- Então, por que você insiste em ficar nessa situação?

- Acho que fico na zona de conforto devido ao fato de só ficar pensando em como fazer alguma coisa para sair dela.

- Qual é o seu medo de sair da zona de conforto?

- Horas, de perder a zona de conforto!

- Por que você acredita estar numa zona de conforto?

- Eu me sinto sendo cobrado pela sociedade, pela minha família e por mim mesmo> Tenho que sair da situação em que me encontro no presente momento. Minha família vive me cobrando que eu tenho que ser alguma coisa; que eu tenho que estudar, que eu tenho que ter muito dinheiro... Vivem me dizendo que eu tenho que seguir um padrão! Existe um padrão criado por meus antepassados ao qual sinto que tenho que me amoldar... Eu não posso ser o que sou e viver como estou!

- Isso é fogo não é meu caro?

- Aí sabe o que acontece?... Eu acabo entrando em conflito por que eu olho para esse padrão que foi criado por terceiros e me vejo imensamente longe do mesmo! Como me vejo longe desse padrão, automaticamente, aquilo que sou, não tem valor algum, nem para mim, nem para os meus familiares. O que eu sou hoje não presta, não serve, não funciona!... Só que eu não estou vivendo lá no futuro... Eu estou tentando viver o só por hoje... E eles não querem saber de nada disso... É só cobrança atrás de cobrança... Você tem que, você tem que, você tem que e mais um pouquinho de você tem que!... É só isso que eu escuto! E aí, tonto de tanta cobrança, tonto pela overdose de “você tem que”, acabo deixando o agora e acabo me transportando para um futuro idealizado... O fogo é quando eu retorno para o agora, para o presente e encaro a dura realidade que eu não sou aquele padrão, não sou aquela idealização, caio na maior deprê. Isso me mata! Enche-me de conflito! Caio naquela coisa de estar errado, de não ser certo!... Algo deve ter saído errado comigo quando eu nasci, uma vez que não consigo ser normal!

- E desde quando ser normal é sinal de ser saudável? Você sente por você mesmo que você é errado, ou isso é lá com os seus familiares?

- O pior é que isso é aqui comigo... Eu é que sinto que sou errado, que não sou normal! Eu mesmo faço o meu julgamento, dou a minha sentença e também acabo sendo o carrasco de mim mesmo!... Tenho certeza que isso não nasceu comigo; creio que adquiri isso com o passar dos anos através de influências externas... Sei que isso não é da minha natureza, mesmo tendo consciência disso não consigo abrir mão desse carrasco interior. Eu gostaria de sentir diferente, mas a realidade é tal e qual estou lhe apresentando! Fico no presente, mas sempre com o ideal do futuro. Não sei bem como lhe explicar isso com outras palavras, pois até para mim mesmo isso se torna confuso!

- Tente!

- Veja, seria o ideal se eu estivesse naquele patamar idealizado pela minha família, hoje, no patamar que eles criaram e não eu.

- Que eles criaram...

- Sim, isso! Que eu me deixe influenciar!

- Você tem consciência disso?

- Sim, tenho!... E quando vejo que hoje não tenho esse padrão idealizado, o que acontece? O meu hoje se desmorona... Ele parece não ter a mínima consistência!... Ele fica suspenso, sinto-me como se estivesse vivendo num limbo... Você sabe o que é um limbo?... Limbo é aquele lugar onde, segundo a teologia católica, se encontram as almas das crianças muito novas que, embora sem qualquer sombra de culpa pessoal, morreram sem o batismo que as livrasse do pecado original... Em outras palavras, é aquele lugar onde são depositadas todas as coisas que são inúteis. Em outras palavras, sinto-me um verdadeiro inútil!

- Mas não tem mesmo como ter consistência se estamos lidando não com o real, mas com o ideal, com uma imagem, com o “deveria ser”. Pode ter consistência aquilo que é só uma idéia? Uma imagem? Um ideal? Isso é algo parecido com o estar num deserto morrendo de sede e querer saciá-la com uma miragem...

- Tem consistência sim por que está vivo dentro de mim aqui e agora!

- Tem consistência porque você está se identificando com isso, ou seja, ficando igual a isso que eles cobram de você!

- Acho que pior que a cobrança deles é a cobrança que eu mesmo faço de mim!

- Enquanto você continuar achando que o falso é verdadeiro, logicamente que terá consistência. Agora, quando você consegue ver a falsidade disso, pode haver qualquer identificação? Como que isso pode ter consistência?... Quando você vê que toda essa cobrança parental e social é falsa, quando você vê que tudo isso que eles cobram, eles mesmos não possuem, como pode haver identificação? Como pode haver conflito? Será que quando você consegue ver que tudo isso é falso, existe a possibilidade da continuidade da identificação?

- Por vezes eu consigo ver como falso, mas, não consigo sentir­ no mais fundo do meu ser, toda a falsidade envolvida nesse tipo de cobrança... Talvez eu esteja vendo somente um lado da moeda... Talvez o que me falte é uma visão holística, uma visão onde eu consiga ver a moeda no seu todo e não fragmentariamente! Talvez o problema seja exatamente esse: eu vejo, mas não sinto!

- Não seria isso uma forma de condicionamento?

- Me ocorreu agora que talvez seja pelo fato de no momento em que tento ver a falsidade, estar fazendo esforço para obter um resultado também idealizado!... Uma espécie de observação condicionada, uma observação com escolha! Compreende o que quero dizer?

- Claro! Perfeitamente!

- Vai ver que é por isso que vejo a falsidade de forma fragmentada!

- Vejo com isso que realmente a maior parte dos nossos conflitos resulta do abuso da nossa vontade, do nosso desejo!

- Perfeito!

- Realmente, quando nos identificamos com essas cobranças sociais, parentais, que falam que você tem que, você tem que aquilo, que você deveria ser... Fica claro que a vida fica um tanto pesada de ser vivida!

- Fica, - realmente fica bem pesada!

- O pior é que se você abrir bem os olhos verá como já dizia o Gabriel Pensador, que tudo aquilo que a sociedade e a família lhe pede eles mesmos não tem para dar! Há uma grande dualidade nisso!... Até quando você vai ficar usando rédeas? Já ouviu essa música?... É como diz o pensador, “na mudança de postura a gente fica mais seguro!”

- Intelectualmente eu sei disso, o foda é que não cai na esfera dos sentimentos!

- E aí? Você escolhe o que?... A verdade deles ou a verdade sua?...

- Tenho que ser sincero: aqui dentro fica pendendo muito mais para a verdade deles, que eu sei que é um ideal!

- O ideal não é como uma imagem?

- Sim!

- A imagem do morango é o morango?

- Claro que não!

- E se a verdade deles for uma mentira? Aceitaria passar sua vida toda vivendo de uma mentira para descobri-la somente nos últimos suspiros?... Isso ocorre com boa parte da população, e ouso dizer que muitos deles, nem essa hora ligam o desconfiômetro!... Acabam morrendo sem perceber nada!

- Também acho! Isso tenho como verdade!... Sabe, tenho a vontade de ver tudo isso como falso, mas não consigo sentir como falso!... É aí que mora o conflito!

- Espere um pouco... Se você tem a vontade de ver isso como falso, não será por que algo no mais fundo de você mesmo já lhe mostra a falsidade disso?... Se você quer que isso seja falso, não seria pelo fato de você já estar se sentindo mal por causa disso?

- Não sei!...

- Como você poderia estar vivendo o conflito com aquilo que eles dizem ser o ideal se você sentisse que fosse correto? Só pode haver conflito quando você percebe ser o falso e se permite viver dentro de tal padrão idealizado? Não seria isso? Isso já não está gerando conflito?

- Já!

- Então, não seria por ser falso?

- Não sei... Preciso observar com mais atenção...

- Para mim, a verdade só pode trazer conflito quando você percebe que aquilo é realmente verdade, mas decide ficar com o falso! Nisso há conflito e grande perca de energia! Ocorre uma grande estagnação! Viver na inverdade, por medo de abrir mão da zona de conforto é uma das maiores insanidades da raça humana!... Agora, quando se aceita a verdade do modo que ela é, do modo que ela se apresenta, pode haver qualquer tipo de conflito?

- Não! A aceitação é a solução do conflito!

- Mas isso não tem nada a ver com conformismo, tem?

- Não! Isso não seria verdade, seria dualidade!

- Concordo que não é nada fácil se desapegar desse padrão social idealizado... Se formos olhar bem fundo, veremos que vamos chegar em algo profundamente simples... Observar!... Se o conflito está aí, não é a toa! Está aí para lhe mostrar algo... Agora, se você quiser fugir do conflito, como você poderá observar a mensagem embutida nesse conflito? Como você vai poder ver o que o conflito quer lhe mostrar? Penso, que todo conflito, é uma resposta inteligente do nosso emocional, do nosso psíquico, ou seja, lá o nome que você quiser dar, que tenta nos mostrar que nos desviamos do nosso próprio caminho, que desviamos daquilo que sentimos ser real em nome de ter a aceitação condicionada de terceiros! E isso é dependência e uma homem dependente nunca pode ser um homem livre! Nunca poderá saber o que significa a verdadeira liberdade do espírito humano!

- Faz sentido! Intelectualmente está tudo bonitinho!

- Sabe, em nome de se conformar em seguir esse ideal imposto pela sociedade é que muitos homens e mulheres morrem daquilo que insanamente vem sendo chamado de um “súbito ataque cardíaco”... Eles não conseguem ver que nisso nada há de súbito, mas sim, a resultante de viver anos e anos se distanciando de si mesmo, se distanciando de seus próprios e mais intrínsecos valores!

- Me parece ser isso mesmo o que estou fazendo comigo, ou melhor, que estou me permitindo!

- Então, o que vai fazer com relação essa zona de conforto?... Buscar conforto na zona? Até quando?

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!