Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

A Ditadura do Sexo

Eram por volta das 18h30min quando ele estacionou seu carro em frente à loja.

As paredes da loja em frente tinham suas cores modificadas pelo tom alaranjado do por do sol. Uma brisa gelada balançava os galhos da pequena árvore repleta de pequenos brotos. Pessoas estressadas em seus carros, de volta para casa, tocavam a buzina, tão rápido abria o farol. Alguns comércios já se encontravam fechados, devido o fraco movimento causado pelo período final das férias. Somente a papelaria, por causa do período de matrículas, mantinha um movimento com as compras de material escolar. Um comerciante negociava o arranque de seu outdoor, em função da nova lei de reurbanização visual.
Entrou na loja com passos tímidos, como se fosse contar ao pai, a repetição de algo de que ele mesmo se envergonhava. Cumprimentou-nos, como de costume, com beijos carinhosos e fraternos. Coçando o curto couro cabeludo, e bastante sem graça, convidou-me para um café, dando a entender com isso, que o que tinha para falar requeria bastante privacidade. Colocamos sua pasta e a sua surrada blusa de couro sobre uma das cadeiras da loja.

– Sei que você vai falar que tudo isso não passa de condicionamento, mas... Cara... É novamente aquela coisa do sexo! Por mais que a gente já tenha falado sobre isso, a coisa insiste em rodar na minha cabeça. É sempre a mesma fantasia, sempre os mesmos questionamentos, sempre a mesma idéia de que estou perdendo algo, de que estou perdendo dias preciosos da minha juventude. Não consigo entender.

Você se lembra bem: sempre achei que nunca estaria num relacionamento com uma mulher que já tivesse filhos. Hoje já superei isso; eu e a Érica estamos super bem! Temos um relacionamento super aberto e não seguimos uma série de padrões sociais, ou como você diz, de condicionamentos... Como por exemplo, ter que estar todos os sábados juntos, só porque é sábado. Tenho a liberdade de ir e vir, de poder curtir um bom chope com meus amigos sem que ela tenha que estar presente. Entende? Você sabe! Já falamos sobre isso! Estou curtindo muito a nossa relação e até mesmo o filhinho dela. Ainda tenho as minhas reticências com relação a minha sogra; o modo de vida dela, a cabeça cheia das regrinhas sociais, das etiquetas e demais cacoetes das famílias com um pouco mais de dinheiro. Mas até que estou tirando isso numa boa!
Mas o sexo, essa coisa de ter que se relacionar apenas com uma pessoa para o resto da vida, isso, isso me deixa bastante confuso. Até onde isso não é natural do homem? Por que não posso só sair por sair? Por que não posso aproveitar de uma aventura, sendo que a outra pessoa também o queira? Sei que a Érica não tem esse tipo de necessidade ou de comportamento... Mas, será que sair com outra mulher, ter uma experiência diferente não poderia ser bom para o relacionamento? Será que ficar se relacionando um ano e meio com uma só pessoa, sem ter uma relação se quer com outra não pode levar a um tipo de estagnação no relacionamento? Será que está errado se entregar à fantasia que insiste em se apresentar na minha cabeça? Cara, tudo isso me deixa muito confuso! E o que eu faço com a imensa carga gerada pela fantasia? Tenho me masturbado para não dar vazão externa à fantasia, mas me sinto extremamente imaturo ao fazer isso. Ao mesmo tempo, sinto que se eu sair, a sensação final vai ser a mesma de uma simples masturbação. Apesar de saber tudo isso, não sei o que fazer com toda essa fantasia, com toda carga emocional que resulta da mesma!
Cara, às vezes, na minha ingenuidade, me dá até vontade de pedir para a Érica, autorização para sair com outra mulher! Parece loucura, mas é isso o que se passa na minha cabeça! É tudo muito confuso!
– Como você se sentiria se ela lhe falasse que tem os mesmos tipos de pensamentos, sentimentos e fantasias? Será que você aceitaria numa boa?
– Sei que ela não é assim! Ela é bem caseira! Sei lá, talvez pelo fato de ter tido um filho tão cedo!
– Não foi isso que eu lhe perguntei! Você está fugindo da questão!
– Sei lá; não sei qual seria a minha reação!
– Se não houvesse a fantasia, será que haveria essa necessidade de recorrer à outra pessoa para a satisfação de seu instinto sexual?
– Mas até onde isso é fantasia ou é a natureza do instinto masculino?
– Você novamente não respondeu minha questão! Parece mesmo que você nem sequer ouviu a minha questão! Parece que está mais preocupado em falar sem a menor reflexão o que se passa na sua cabeça!
– Não sei! Às vezes isso fica muito confuso; não sei bem o que é instinto e o que é fantasia.
– Se uma pessoa está com muita fome, a ponto de desfalecer, o que faz? Será que ela busca pelo alimento que se apresenta, ou fica gastando ainda mais energia imaginando uma suculenta macarronada, com muito molho ao sugo, repleto de queijo parmesão e almôndegas, regadas ao vinho branco?
Não seria o sentir fome e buscar pelo alimento que se apresenta uma ação natural do instinto?
Imaginar um alimento que não condiz com o que se apresenta, baseando-se nas experiências de prazeres passados, não seria isso a fantasia?
Onde estaria o alimento? Na fantasia?
E por que buscar pela fantasia se já temos alimento sadio à nossa frente?
O que faz com que nos percamos em fantasias?
Não seria a fantasia uma forma de fugirmos da realidade que se apresenta com todos os seus desafios?
Não poderia estar na base da fantasia um autêntico medo de intimidade?
Pode haver um verdadeiro relacionamento onde não exista uma autêntica intimidade? E se existe o sentimento do medo de responsabilidade, será que existe amor nessa relação? Será que uma pessoa que ama, sente peso pela responsabilidade?
– Não sei, realmente não sei. O que sei é que chego a sentir raiva das pessoas que conseguem manter um relacionamento e sair com outras pessoas sem ao menos sentirem um pingo só de culpa. Tem duas mulheres no meu local de serviço que fazem minha cabeça girar e elas são assim, sei que saem com outros homens numa boa. Tenho até sido meio agressivo com elas sem que ao menos saibam do porque da minha agressividade, mas a mesma é uma forma de autoproteção para não dar vazão às minhas fantasias.
– Como você sabe que elas saem com outros homens?
– Já as vi pegando carona com outros homens!
– E por que elas pegaram carona com outros homens significa que tenham tido algo a mais? Ou será isso uma projeção dos seus desejos? Você ficaria chateado se um desses homens desse uma carona para sua garota? E pelo fato dela aceitar a carona, significaria que ela estivesse tendo um caso com algum deles? Está percebendo? Está vendo as várias formas como estamos sexualmente, moralmente condicionados?... Se for o caso de podermos chamar a isso de moral!
– Faz sentido! Mas, a idéia de ter que ficar o resto da vida tendo sexo somente com uma pessoa confesso que isso me incomoda demais!
– Mas o que é isso?... Existe essa tal coisa pela qual você se refere como o “resto da vida?” Você pode me dizer o que vai acontecer daqui alguns minutos, pode? Onde é que existe essa coisa de “resto da vida?” Não seria isso também uma fantasia? Você alguma vez teve a curiosidade de ir ao dicionário para ver o significado da palavra fantasia? Pois bem, fantasia significa, entre outras coisas, aquilo que não corresponde à realidade, mas que é fruto da imaginação; capricho da imaginação; devaneio, sonho; jóia falsa, ou de valor relativamente baixo. Como vê, a fantasia é uma espécie de máscara que esconde a realidade!
Com vista nisso, qual seria a realidade da qual você possa estar fugindo através da fantasia?
Já percebeu que a palavra fantasia e fantasma tem a mesma origem e que ambas refletem algo que não é real, e que, portanto, não pode ter vida?
– Não, nunca tinha parado para ver dessa forma.
– E por que será que a nossa sociedade dá tanta importância ao sexo, a fantasia, principalmente a fantasia sexual? Já reparou o quanto que somos condicionados ao sexo pela mídia? Já reparou como se alia a idéia de maiores conquistas sexuais através da aquisição de vários bens materiais? Percebe como fomos condicionados desde a mais tenra idade, pelas conversas no pátio do colégio, nas experiências contidas em nossa memória?
– Tudo bem, mas como faço para acabar com isso? Isso está me desgastando!
– Bem essa é uma boa pergunta, mas creio que não cabe a mim responde-la. Quem sabe, se você se utilizar a energia que gasta com a fantasia e com a masturbação para poder observar a isso tudo, a perceber a maneira como você foi condicionado, os seus possíveis medos de intimidade, ou seja, lá o que se apresentar, você possa encontrar a resposta para essa pergunta.
– Sei lá! Chego aqui cheio de perguntas e acabo saindo com muitas mais!
– Talvez isso seja muito bom. Certa vez ouvi dizer que o bom terapeuta não é aquele que dá a melhor resposta, mas sim, aquele que faz as melhores perguntas.
Depois de caminharmos proseando por algum tempo, paramos numa padaria para uma água com gás. Ouve um silêncio fecundo pela reflexão. O lojista da papelaria ainda discutia sobre o novo posicionamento do seu outdoor. O alaranjado solar já dava lugar aos tons da noite. Pude perceber seu impulso e ao mesmo tempo dificuldade de observar o corpo da mulher que passara por nós a caminho da loja. Não sei se por cansaço ou por medo de se aprofundar no assunto esquivou-se de subir em nossa casa. Minha esposa acabará de chegar de seu serviço. Com uma pequena brincadeira, desviamos a direção do assunto.
A noite se apresentava e com ela, a oportunidade de se entregar à reflexão, ou novamente, entregar-se à fantasia. Estava diante de um momento delicado, que poderia significar toda a diferença que separa o adulto do adolescente.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!