Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

Conformose: a patologia do conformismo


– Olá irmãozinho, como vão às coisas por aí? Tudo bem?

– Por aqui, caminhando, mas não tão bem como você!

– E o neném, quando vêm?

– Estamos esperando.

– Qual a previsão da data?

– Pode chegar a qualquer momento. Temos que esperar pelas contrações! Estamos aguardando o bebê.

– E você, como está? Como está lidando com tudo isso?

– Estou bastante desanimado?

– Como assim, desanimado?

– Não sei direito. Estou um pouco revoltado.

– Revoltado com o que meu amigo?

– Não sei; é tudo muito confuso!

– É isso mesmo ou você não quer conversar sobre o assunto?

– Não, não é nada disso. Estou realmente confuso. Estou me sentindo velho; achando que vou morrer e que a vida não faz sentido.

– Que mais?

– Acho que estou adiando usar o meu potencial para a espiritualidade; estou me manipulando.

– O que é isso: espiritualidade? Isso existe?

– Estou distorcendo tudo o que li, todos os ensinamentos que adquiri até aqui.

– Se você tem consciência de que está distorcendo as coisas, por que continua fazendo-o?

– Porque me encontro numa cômoda situação... E agora ainda tem o lance do bebê!

– Se você sente que se encontra numa cômoda, porém doentia situação por que se conforma em permanecer nela?

– Não sei lhe responder direito; tudo está muito confuso em minha mente... Os pensamentos não param e a cada segundo eles emergem com muita energia e contradição. Não consigo chegar num denominador comum. Rodo, rodo e me vejo sempre no mesmo lugar sem saber pra onde ir. Sinto-me como se estivesse dentro de um grande labirinto. Acho que não abro mão desta situação pelo fato de ninguém reclamar!

– Mas diga-me uma coisa meu querido amigo, por que as pessoas precisam reclamar para que você faça algo pela sua própria existência?

– Ninguém está falando nada, nem mesmo meus pais! Até minha esposa não fala nada! A única coisa que faço é matar o tempo através da leitura.

– André, se alguém reclamasse o que você faria?

– Provavelmente minha prepotência impediria de ouvir.

– E por que você tem tanta certeza de que não ouviria?

– Porque acho que ninguém tem o direito de opinar em minha vida.

– Então, se ninguém tem o direito de mandar em ninguém, por que você reclama que se encontra nesse conformismo estagnante por ninguém reclamar com você?

– Está vendo? Como lhe disse antes, tudo parece tão confuso!

– André, perdoe-me pela minha franqueza, mas, o que realmente me parece do lado de cá deste telefone é que você quer mesmo continuar acomodado em sua zona de conforto. Nada melhor do que seu pai continuar a bancar sua vida aos 30 anos de idade e bem provável, a vida da sua esposa e filho também... Assim deve sobrar mais tempo para você se dedicar as suas leituras não é mesmo? Mas será que a vida se encontra dentro das páginas de um livro, por mais santificado que este seja?

– Meu pai não manda mais em mim!

– Não manda, mas pelo que vejo, continua pagando a banda não é mesmo? Já ouviu o velho ditado: “quem paga a banda escolhe a música?”

– Sim!

– Provavelmente, não mande mais de forma direta! Parece haver um pacto silencioso entre vocês e através desse pacto, ele ainda continua mandando em você ao ponto de castrar toda sua iniciativa de viver a vida com seus próprios recursos. Ouso dizer que essa relação com esse pacto secreto está tornando a cada dia que passa, seus talentos ainda mais lentos!

– Não creio que isso seja um fato!

– André, lembra-se do que já conversamos antes: nunca subestime o poder da negação meu amigo!

– Pelo que me parece, você acabou trocando o uso de drogas pelo uso da leitura, não é mesmo?

– Sim!

– Com todo carinho que sinto por você, por favor, me responda: qual a diferença que existe entre se esconder da vida atrás de um baseado ou atrás de um livro?

– Não tem diferença! É tudo fuga!

– André, se você sabe que não tem diferença, então por que continua fazendo uso da leitura para não se sentar com a sua própria realidade? Por que continuar fugindo da própria vida?

– Sinto que hoje, o meu maior problema é essa “merda” de zona de conforto! Não estou conseguindo enfrentar a minha realidade com seriedade. É como se eu estivesse no meio de um limbo, compreende?

– Se você enxerga que seu maior problema é a zona de conforto, então por que não age com inteligência diante dela?

– Inteligência? Não sei o que é isso; só sei o que é confusão e desordem! Não sei agir diante disso!

– André, você tem certeza que não sabe ou não quer?

– Os meus pais não mais me enchem o saco! Minha esposa também não.

– Desculpe-me, mas, parece-me que todos, veja bem, eu disse todos se encontram de alguma forma tirando um prazer mórbido e pútrido dessa zona de conforto. Isso é uma verdadeira doença a qual denomino de conformose; a patologia do conformismo. É na essência da conformose que outra doença se manifesta: a codependência.

– Acho que sim! Você já conversou por várias vezes a esse respeito! Tenho consciência de tudo isso, mas, algo dentro de mim me impede de agir com inteligência.

– Se você percebe isso, o que pensa? Por que você não quer ver "a realidade"?... Alô? Alô? André...

Por breves momentos o telefone ficou mudo. Eu não sabia se ele ainda estava ali e também não sabia se devia ou não desligar. Decidi dar mais alguns segundos...

– Olá meu amigo! Aqui é Karina! O André saiu as pressas aqui de casa! Provavelmente não gostou de algo que você disse! Deve estar agora anestesiando a mente com um baseado!

– Sério?

– Fique tranqüilo, ele sempre faz assim, não consegue lidar de forma adulta com o confronto! Toda vez que o assunto aperta para o lado dele, bate em disparada!

– Isso é um tanto sério! Impede o florescimento da maturidade! Fugir da realidade não é solução!

– Cara, ele tem fumado muita maconha!

– Eu já imaginava!

– Isso tem sido todo o dia... Não tem como a cabeça dele estar funcionando bem!

– O isolamento das pessoas com quem somos íntimos é um dos primeiros sinais da recaída!

– Pois é... Acontece que ele sabe o que está fazendo!

– A droga, seja ela de que tipo for, deixa a mente letárgica, embotada!

– Ele tem consciência disso, mas parece que prefere esse estado!

– Sinto muito por ele, por você e pela criança que está em seu útero! A droga é uma forma de anestesiar a dor causada pela desordem mental!

– Por que sentir por mim também? Eu por exemplo, não bebo não fumo e não tenho esse tipo de sofrimento! Sou muito diferente dele!

– Karina, desculpe-me pela franqueza, mas... Não consigo ver diferença alguma no seu comportamento! É tudo é igual... Por favor, me escute com calma... Não tente me rebater agora! Tente só escutar de verdade! Deixe-me tentar explicar o que vejo!

– Se o André fica dois dias sem fumar ele sofre muito! Não ocorre esse tipo de sofrimento comigo!

– Veja, isso é a mesma coisa! Ele foge da realidade dele através do químico e você através da negação de enxergar a própria realidade! Quando não vemos não temos responsabilidade! Você ainda está ai?

– Sim! Sei que me preocupo, mas agir de alguma forma contra isso vai contra o que eu acredito... Acho que ele tem de agir por si mesmo!

– Veja, é preciso muita seriedade para querer ver isso de forma total, sem querer sair pela tangente!

– Cara, acho que o problema dele, como já conversamos antes, é essa questão do comodismo; ele está acomodado com a vida que os pais dele lhe proporcionam, com as coisas que fazem por ele. Parece não haver nada que o faça sair dessa rotina, dessa mesmice.

– Isso parece um fato, ainda mais, se as pessoas que estão em sua volta também estão acomodadas com esta situação!

– Como assim? Você não acha que as pessoas têm que fazer por elas e não pelas outras... De que me adiantaria reclamar dele? Creio que só causaria mais conflito!

– Minha amiga, não seja a criadora de uma crise, mas, por favor, não colabore para que essa crise não se apresente. Crise é uma grande oportunidade de crescimento! Vocês estão sendo os grandes mantenedores da imaturidade emocional do André! Será que vocês não conseguem perceber isso que está embaixo do nariz de vocês?

– Cara eu vivo expondo meu ponto de vista, mas não imponho nunca!

– Diga-me uma coisa, seu filho vai nascer não vai? Você pensa em não fazer nada para ele? Espera que ele faça tudo por si?

– Claro que não!

– Pensa em não colocar limites para ele?

– Mas tenho medo disso!

– Pensa em não lhe dar uns bons tapinhas no bumbum se preciso for?

– Tratar o André como se fosse meu filho e acabar entrando em uma codependência... Esse é meu maior medo!

– As pessoas que estão diretamente em volta de alguém que está perdido e não fazem nada, já são co-dependentes!

– Mas eu faço!

– Estabelecer limites não é assumir a responsabilidade do outro!

– Eu falo, converso muito sobre isso com ele... Repreendo quando preciso!

– Menina, menina! Bafo de boca não cozinha ovo! É preciso ações!

– Mas não assumo nenhuma postura mais drástica!

– Por favor, Karina, responda-me com toda franqueza esta questão: quem vai pagar o leite do seu filho? Por favor, responda!

– De certa forma meu sogro e minha mãe!

– Não existe meia mulher grávida, muito menos o tal de certa forma! Ou é ou não é! Responda-me: quem vai custear as despesas do custo de vida de vocês? Quem vai pagar o leite do seu filho?

– Eles.

– E você se conforma com essa situação? Se você se conforma em viver essa situação, então me responda: em que você e o André se diferenciam? Desculpe-me se estou sendo duro!

– Olhando por esse prisma, acho que não há muita diferença!

– Karina, trata-se de uma vida que está chegando e que se nada for feito será contaminada pelo comodismo de todos vocês!

– Ah sim, quanto a isso eu concordo! É preciso agir!

– Vejo muita doença em tudo isso!

– Mas fico pensando em como agir sem impor as coisas, consegue entender?

– Parece-me que há pouca sinceridade em buscar pela solução! Com crianças, por vezes se faz necessário uma boa dose de imposição, se preferir de uma postura de amor exigente! Acho que a situação tomou proporções bem grandes!

– Entendi agora!

– Por favor, tire seu foco do André! Olhe somente para a sua participação, para a sua responsabilidade diante dessa situação! Será que você não está sendo co-responsável por ela?...

– Entendo!

– Olha só: estarei de férias nesta semana ai na sua cidade. Peça para ele tentar não fumar maconha esta semana para poder conversar comigo com a mente limpa, caso contrário, não irei até ai! Quero conversar com pessoas e não com ervas!

– Penso que a atitude do André parar de fumar, seria uma atitude muito mais verdadeira se viesse de dentro dele e não por meio de uma imposição minha! Fico meio perdida com tudo isso!

– Hoje é ele e você perdidos, depois desta semana, se as coisas continuarem como estão, serão três pessoas perdidas! Creio que talvez, na altura dos acontecimentos, seja necessário fazer uso do que chamamos de intervenção orientada!
– Por isso estou falando contigo! Como é isso?

– No caso dele, somente com internação! Acho difícil de outra forma! E creio que essa internação seja mais necessária, não por causa da droga em si, mas por causa da droga que é a relação que ele tem com os pais dele, que insistem em assumir as responsabilidades dele, vestindo as calças dele!

– Eu não sei!


– E pelo que me parece, você já está se transformando noutra espécie de droga para ele! Já lhe falei para procurar por ajuda; freqüentar o Nar-Anon ou o Amor Exigente, mas tenho certeza que você não se mexeu, igualmente como a antiga namorada dele! É! Parece que ele é craque em procurar por pessoas que vão aceitar pacificamente a loucura dele!

– É, eu não fui não! Você me falou há quase um ano atrás!

– Pois é! Deve estar cômodo para você! Quem sabe na hora que ele surtar e começar a afetar você e seu filho que está por nascer, você se mexa! Espero que não seja tarde! Parece que é só quando a água bate na bunda que o ser humano resolve nadar!

– Cara, eu não vou ao Nar-Anon porque não acredito que isso vá me ajudar... Para mim, lá é um lugar que transborda autopiedade... Não vejo como isso possa nos ajudar! Para mim, aquilo é uma espécie de religião! Mas entendo o que você diz... E sinceramente não sei como agir, muito menos sei se devo agir!

– Está vendo? Você se parece muito com o André!... Ambos estão morrendo afogados mas querem escolher a cor da bóia que alguém lhes atira de dentro de um bote salva-vidas! Com todo respeito e carinho: acho que é muita arrogância! Sinto muito por todos vocês!

– Não entendi!

– Pense bem nesta última frase que lhe falei... Você se parece muito com ele... Ambos estão morrendo afogados, mas querem escolher a cor da bóia!...Vou desligar agora, pois tenho que sair para almoçar! Confesso que estou profundamente chateado com essa situação! A propósito, minha esposa pediu para perguntar o que vocês estão precisando para o nosso sobrinho?

– Não precisa trazer nada não! Faz o seguinte: traz uma luz!

– Ele já é luz! Só espero que vocês não consigam apagá-la! E esse é meu medo!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!