Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

Incongruências


Os prédios cinzentos com seus vidros espelhados pareciam vigiar o imenso movimento de pessoas. A cada farol verde, uma verdadeira São Silvestre de engravatados e de saltos altos pelas escadarias do Metrô. Os carros se amontoam freneticamente. As filas se concentram. A impessoalidade intensifica-se.
Policiais e outdoors vigiam o incessante movimento.
Um flautista solitário, acompanhado pelo sintetizador, faz seu show não na calçada da fama, mas sim, na calçada do anonimato. Sua alma está tão alinhada com a harmonia que sai de seu instrumento que nem percebe o som dos poucos trocados atirados em sua caixinha.
Um jovem adepto do Hare Krishna, simpaticamente oferece seus incensos na entrada da estação.
Um barbudo vendedor de bijuterias observa silenciosamente a insana massa em seu compasso acelerado.
O farol se fecha!
O gado se comprime!
O farol se abre!
E a porteira da normose se escancara!
Sentado num balcão de um dos raros restaurantes dotados de simplicidade, saciando minha sede com uma garrafa de água sem gás, observo o movimento do fim do horário comercial. Do outro lado do balcão, uma magérrima jovem de olhos claros e cabelos encaracolados. Um pequeno piercing em sua sobrancelha esquerda. Com olhar distante mascava seu chiclete de forma barulhenta. Sobre o balcão, um pequeno pacote branco do tabaco “Royal Choice”. Não devia ter mais que 23 anos de idade. Pediu ao garçom pelo suporte de guardanapos de papel. Retirou a primeira folha, amassou-a jogando-a ao lado do seu pé direito. Retirou a segunda folha, abrindo-a sobre o balcão. Depois de alisá-la delicadamente com as pontas dos dedos, deu inicio ao seu pequeno ritual quase que de forma sagrada. Tratava o preparo do seu cigarro como quem cuida de uma pequena criança. Os olhos pareciam não pestanejar.
Lá fora, o fluxo de pedestre parecia aumentar assim como o som das buzinas dos automóveis.
Depois de enrolar o tabaco, cortou as pontas e procurou reforçar a colagem lateral com sua saliva. Tirou da surrada calça jeans um pequeno isqueiro branco e com certa dificuldade procurou acender seu cigarro, sem ao menos se desfazer de seu chiclete. Depois de umas quatro ou cinco tragadas, já se podia sentir no ar o aroma achocolatado do mesmo. Voltando-se para o garçom, pediu pela promoção de pão de queijos anunciada numa enorme faixa amarela com letras vermelhas, logo na entrada do restaurante. O garçom prontamente acomodou três pequenos pães de queijo numa cestinha de vime forrada por uma pequena renda. Com uma mão colocou seu cigarro na beirada do balcão e com a outra procurou se desfazer do chiclete jogando-o do mesmo lado em que atirou a primeira folha de guardanapo amassado.
O garçom observava o movimento dos pedestres.
Um senhor de meia idade, talvez um do donos do estabelecimento, por detrás de uma pequena vitrine repleta de cigarros, doces e outras “cositas mas”, matava seu tempo fazendo palavras cruzadas.
A jovem pediu por mais uma porção da promoção. Quando o garçom já se preparava para dar continuidade à observação dos pedestres, ela pediu em alta voz por uma latinha de Coca-Cola. Quando o garçom depois de abrir a latinha e começar a derramar o escuro e borbulhante liquido em seu copo, ela com dificuldade de falar devido a baforada de seu cigarro exclamou:
- Dá para trocar? Esqueci de lhe dizer, só tomo Diet!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!