Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

Quando o dinheiro vai à frente


O celular tocou cedo, por volta das 5h30min da manhã, com seu tom barulhento.

Da janela do quarto, podia-se ouvir o agradável som de uma fraca chuva que caia sobre o telhado plástico do quintal dos fundos. O som da natureza não ofende aos ouvidos como o som produzido pelo homem.

Neto de italianos, orgulhava-se de contar repetidamente o modo como seu avô, sem qualquer tipo de formação, havia obtido o sucesso financeiro ao estabelecer-se neste país. Não conseguia perceber o quanto que o sucesso de seu avô aprisionava-o em seu atual sofrimento interior.

Aos setenta anos de idade, ainda se martirizava com a idéia de ter que obter sucesso financeiro. Carregava consigo o sentimento de culpa e de fracasso por ter constituído uma pequena empresa, a qual acabou falindo e por pouco não o fez perder a casa própria para o pagamento das dividas. Alegava que se não fosse a ajuda conseguida por parte de alguns poucos amigos, não saberia o que teria sido de sua vida.

Nas festas familiares, sentia-se inferiorizado diante de outros parentes bem sucedidos, tendo o mesmo tipo de sentimento dentro da sua própria família por hoje ter que depender financeiramente do trabalho da sua própria esposa, que apesar da idade, ainda trabalhava como professora.

A lembrança de ter sido leviano com os valores conseguidos no período das vacas gordas, amargava-lhe o animo.

Maldizia a tecnologia da computação gráfica pelo fato da mesma, com a sua origem, ter acabado com várias profissões, inclusive a sua. Com saudosismo retratava a quantidade de profissionais que formavam uma agência de publicidade e que hoje, graças ao computador, um ou dois elementos davam conta de todo o serviço.

Queixava-se que em sua própria casa era tratado como um estorvo. Sua esposa, segundo ele, possuía a neurose da casa limpa e que a mesma não conseguia perceber que, muitas vezes, quanto mais a casa brilha mais sua dona perde o brilho.

Seus filhos, ambos bem formados e financeiramente encaminhados, não tinham a menor paciência com as conversas do seu interesse, muito menos com as suas dificuldades tecnológicas referentes ao uso do computador. Sentia-se profundamente incomodado pelo fato de hoje ser um peso para sua esposa e filhos, assim como, para ele, era o fato de ter que dispor do montante da sua pequena aposentadoria para cobrir as despesas provenientes do sustento de sua mãe – uma forte e saudável senhora com seus 96 anos de idade, morando a sós.

Para aliviar sua inadequação, quando chegava na loja sempre brincava que a sua atual ocupação de aposentado era a de encher o saco das pessoas que trabalham, ajudando-as a pensarem em deus, alegando que todas as vezes que ele chegava ao local, as pessoas logo pensavam: “Aí meu deus, lá vem ele novamente!”

Gostava de vir com freqüência, às vezes até por duas vezes na semana, para juntos saborearmos daquilo que convencionamos chamar de “café filosófico”. Bastante carente de atenção, reclamava religiosamente da sua extrema dificuldade de armazenar na memória o acumulo de informações e conhecimentos que adquiria nos variados locais que freqüentava, ou mesmo, dos livros e artigos que lia.

Quando questionado sobre determinado assunto, raramente conseguia trazer uma resposta surgida de sua própria visão; quase sempre se perdia entre os vários dizeres de terceiros. Não percebia que sua conversa quase sempre se limitava na repetição irrefletida de antigos chavões filosóficos, esotéricos ou mentalistas, desses usados pelos gurus da nova era com seus programas de rádio ou workshops caríssimos de um final de semana.

No entanto, era extremamente prazeroso ver chegar aquele par de olhos azuis, com seu sorriso, sempre bem vestido e com simplicidade, carregando sua pequena pasta plástica sobre o braço esquerdo, repleta de recorte de textos para serem discutidos.

– Por que você pensa ser um peso para a sua família?

– Como não? Você acha ser um bom fim de vida para um homem da minha idade, ter que depender da renda da sua própria esposa e por vezes ainda ter que recorrer à ajuda financeira dos próprios filhos? Pensa que é bom ter que ouvir o que sou obrigado escutar da parte deles? Realmente sinto-me como um peso morto. Gostaria de ter muito, mas muito dinheiro para poder me livrar de tudo isso!

– Você realmente acredita que todos os seus problemas poderiam ser resolvidos com um grande montante de dinheiro?

– Acho que sim! É muito fácil você dizer isso agora que ainda é jovem! Meu amigo, não tente pagar os seus impostos com um sorriso. Os fiscais preferem em dinheiro! Quero só ver quando você estiver com a minha idade! Olha, meu avô já dizia: “O dinheiro não tem a mínima importância, desde que a gente tenha muito”.

– Você diz se sentir um fracasso, mas diga-me uma coisa: se não me falha a memória, seus filhos não foram educados naquele caríssimo Colégio Italiano, um dos melhores da região? Você não custeou a Faculdade particular dos seus dois filhos? Não vive a anos num excelente bairro, em sua casa própria? Todos vocês, pelo que me consta, também possuem seu próprio automóvel, não é mesmo?

– Sim, é verdade!

– Mais uma coisa: todos não estão gozando de perfeita saúde e com belos dentes?

– Sim!

– Desculpe-me, mas, não consigo ver nisso fracasso financeiro algum! Talvez, o verdadeiro fracasso possa estar em outra área... Será que algum de vocês realmente sabe o que significa amor? Será que uma pessoa que realmente ama, possa sentir que um pai seja um fardo a ser carregado? Talvez, todos vocês possam ser culturalmente formados, ter uma espécie de título em particular, seguir determinada especialização, no entanto, interiormente, não poderiam ser verdadeiros analfabetos?

– Você fala tudo bonitinho, porque não se encontra na minha pele!

– Será que a falta de dinheiro é o seu real problema? Ou será a maneira pela qual se deixou condicionar pelo dinheiro, um dos seus reais problemas? Será que a capacidade de amar e ser amado possam ser adquiridos por meio de um determinado montante de dinheiro? Será que o significado dessa existência – para muitos já sem vida -, possa ser somente esse insano corre-corre atrás de dinheiro, ou atrás da idéia de conseguir uma futura estabilidade financeira para “ai sim” poder desfrutar a vida? Será esse o real sentido de toda uma existência? Não será essa constante luta para adquirir mais e mais, para se sentir mais seguro um dos grandes empecilhos para o descobrimento do que é amor, do que é uma vida com liberdade?

– Sei lá!

– Desculpe-me, mas não creio que se você fosse um homem com a quantidade de dinheiro o qual julga ser necessário, teria uma vida livre de conflitos, ou mesmo, gozaria do amor das pessoas; o mais provável é que amariam sua carteira e seus extratos bancários – pelo menos é isso o que se apresenta por aí, não é mesmo? Parece-me que durante estes últimos anos em que conversamos a sua busca sempre esteve pautada na expectativa de encontrar pelo “Segredo” capaz de lhe proporcionar tal segurança financeira, estou errado disso? Não será realmente isso o que o senhor está buscando?

– Bem...

– Por favor, sinta-se à vontade, seja franco, afinal, somos amigos não somos?

Numa explosão emocional, talvez incentivada pelo confronto, respondeu-me:

– Sim!... É isso mesmo! Eu quero o “puto” do dinheiro. Quero ter a liberdade de ir e vir, quero poder viajar quando e para onde quiser, quero levar minha mulher para conhecer os mais belos lugares... É isso o que realmente quero! Eu quero ser rico! Como dizia o meu avo: “Quando o dinheiro vai à frente, todos os caminhos se abrem!”

– Desculpe-me pela pergunta um tanto pessoal: será que a sua senhora espera isso do senhor? Alguma vez lhe cobrou isso de forma clara?

– Não sei lhe responder!

– Vocês dormem juntos há tantos anos e o senhor nem ao menos sabe dizer quais são os sonhos dela? Não seria isso um verdadeiro fracasso? Viver tantos anos com alguém, vivendo não com esse alguém, mas sim, com a imagem construída dessa pessoa durante tantos anos... Viver um relacionamento de imagens; uma vida baseada na luta pela conquista de uma imagem... Isso sim, para mim é um real fracasso! E tem mais: quando um homem diz: “O dinheiro compra tudo”, a coisa fica clara – ele não tem nem dinheiro, muito menos, inteligência.

Ele ficou bastante sem graça; suas bochechas coraram. Meio atordoado passou a mão nos poucos cabelos que ainda possuía. Por alguns segundos, andou de um lado para o outro, parando com suas mãos apoiando-se em sua larga cintura. Pude perceber o amarelado da contrariedade em seu olhar. Nossa conversa havia lhe colocado frente a frente com a própria insanidade. Não era a minha intenção, mas pude perceber que havia lhe colocado numa situação que para ele era bastante vergonhosa. Senti de pronto que talvez não desfrutaria mais da sua presença.

O mês de Janeiro, com toda sua chuva vespertina já estava quase terminando e ainda não havíamos tomado um café se quer.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!