Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

Apague seus faróis dianteiros

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Ele chegou trajando uma camiseta verde, shorts preto e tênis de montanhismo. Carregava a tira-colo uma pequena mochila de nylon preta com detalhes reluzentes em cinza claro.

Havia por volta de uns dois meses que não brindava-nos com o ar da sua graça. Com 24 anos de idade, já se considerava um buscador. Desde cedo, sempre manteve uma tendência rebelde. Chegou até nós vindo em busca de um exemplar de um livro esgotado de Carlos Castañeda, intitulado ‘A Erva do Diabo’. Seu olhar deixava transparecer sua profunda necessidade de encontrar pessoas com as quais pudesse compartilhar de seus mais profundos sentimentos, dúvidas, buscas e descobertas.

Apesar de, com pouca idade, já ter passado por vários segmentos esotéricos, não havia se vinculado a nenhum deles e mesmo em nossas conversas, não procurava trazer o conteúdo colhido nessas passagens anteriores. Seu olhar estava repleto daquele característico brilho da curiosidade inocente.

Seus pais viviam numa pequena e pacata cidade no interior de Minas Gerais, pouco distante da mística cidade de São Thomé das Letras, da qual sempre falava com bastante entusiasmo. Havia vindo para São Paulo devido seus estudos e melhores condições de emprego; dividindo uma pequena casa com mais dois rapazes, com os quais não possuía identificação alguma. Por esse fato, aos finais de semana, raramente deixava de se refugiar em seu habitat de origem. Suas visitas quase sempre coincidiam horas antes de suas viagens e por isso, eram um pouco breve, não havendo a oportunidade para que pudéssemos aprofundar em nossas conversas. Mesmo assim, havia sempre no ar, aquele sentimento de reencontro; era como se já nos conhecêssemos a muitos e muitos anos.

Desta vez, estava com tempo. Creio até que reservou este fim de tarde para que pudéssemos conversar longamente a respeito da experiência que agora estava vivenciando. Desde que nos conhecemos, sempre manifestou o desejo de conhecer o ‘Santo Daime’ ou então, um grupo similar conhecido como ‘União do Vegetal’. Em sua jovem caminhada, havia entrado em contato com pessoas que já haviam conhecido, como em suas próprias palavras, a experiência de expansão de consciência proveniente da ingestão de uma espécie de chá. Lembro-me de que numa de nossas primeiras conversas a respeito deste assunto, perguntei-lhe se ele não achava que tal experiência induzida por um agente externo, não poderia causar uma dependência ou mesmo, apenas uma ilusão com base no próprio fundo psicológico carregado pela pessoa. Na época, não soube me responder.

Havia uma mudança muito grande na sua maneira de se expressar. Podia-se perceber que estava bastante eufórico com as recentes experiências que havia tido neste período em que se manteve afastado. Estava freqüentando uma entidade religiosa chamada ‘União do Vegetal’ e com orgulho no peito dizia ser um local de verdadeira iluminação, de verdadeiro conhecimento e que diferente de todos os locais pelos quais havia passado, não tinha visto qualquer sombra de interesses financeiros. Com muita energia em seu falar, afirmava que aquele era o local onde se encontrava o ‘verdadeiro conhecimento’. Disse que lá também havia uma espécie de ‘doutrina’, a qual procurava não dar muita atenção.

– ‘Doutrina’! Até a palavra é pesada e carregada de um grande poder castrador!

– Sim! Concordo com você! Tenho verdadeira ojeriza por qualquer tipo de doutrina!

– Mas cara, você precisa conhecer esse chá! Ele é tudo! Ele abre sua mente de tal forma que você vê tudo! Ele dá, mas também cobra de você! Não tem como tomar o chá e ser orgulhoso, prepotente, ou seja, lá o que for! A coisa é muito forte mesmo!

– E sem o uso desse chá, você sabe que está sendo orgulhoso, prepotente e mesmo assim mantém essa postura? Se você sabe que age dessa maneira, por que o continua fazendo? Será necessário para que o homem possa ter uma profunda mudança em sua maneira de ser, fazer uso de substâncias, crenças, tradições, doutrinas, ou seja, lá o que for?

Para que pudéssemos conversar com mais liberdade, convidei-lhe para que fossemos beber uma água enquanto conversássemos. Ele aceitou o convite. Ao invés de irmos direto para a padaria, decidi dar a volta pelo quarteirão de traz da loja; duas avenidas paralelas separadas por um belo e bem tratado jardim por parte dos próprios moradores. Por ser um local alto, nos fins de tarde, ao cair do sol, era extremamente prazeroso caminhar por ali, apreciando o espetáculo das cores dos raios de sol refletidos na natureza, nas casas e nos paredões de alguns condomínios ali existentes.

– Cara, outra coisa da qual me amarrei muito é que lá, existem pessoas muito cultas, pessoas que já passaram por todo tipo de lugar: Rosa Cruz, Maçonaria, Pró-Vida, Comunhão Esotérica, Eubiose e tudo mais que você puder pensar. As pessoas que estão lá possuem uma infinidade de conhecimentos. Só para você ter uma idéia, na semana passada cheguei a ter até aula de astrologia. Cara, é muito conhecimento! Você precisa conhecer! Creio que você vai se identificar! Parece ser sua praia! É um local que realmente amplia as suas qualidades intelectuais, suas virtudes morais e espirituais!

– E tudo isso através de um chá?

– Sim! Quando dá a borracheira...

– Borracheira? Que é isso?

– É como chamamos o estado depois que bate o efeito do chá! Você vê tudo, tudo mesmo!

– Mas para ver, preciso fazer uso do chá, não é mesmo?

– Sim!

– Então, para que eu possa continuar vendo terei sempre que tomar o chá, não seria assim?

– Não é só tomar o chá... É preciso também observar certos princípios, o caminho da retidão, não fazer uso de qualquer tipo de droga, legais ou prescritas, ou toda e qualquer forma de vicio!

– Não sei se estou entendendo bem! Por favor, me corrija se eu estiver equivocado!... Para que eu possa ter acesso a tal visão expandida, ao ‘conhecimento’ devo me submeter a ingestão de uma espécie de chá, uma substância, não é isso?

– Sim!

– E isso não poderia ser considerado uma espécie de droga prescrita por terceiros?

– Não é uma droga! O uso ritualístico desse chá já ocorre entre os povos da Amazônia a muitos e muitos anos!

– Uso ritualístico?...Humm! Isso não me soa muito bem!

– Cara, independente do chá, só o contato com aquelas pessoas tão “cultas” já vale a pena! É muito conhecimento mesmo!

– Posso lhe fazer uma pergunta?

– Sim, claro!

– Você me disse que entre os conhecimentos que você adquire por lá, inclui-se até a astrologia. Pois bem! Gostaria de saber o que você pode aplicar dessa aula de astrologia para a solução dos seus conflitos, ou mesmo para acabar com essa sua necessidade interna de buscar pelo conhecimento de terceiros em vários e vários lugares. Será que o conhecimento adquirido da parte de terceiros ou mesmo o uso de alguma substância pode tornar você uma pessoa livre, autônoma, psicologicamente auto-suficiente não necessitando de doações de fora?

– Bem, nesse caso não sei bem o que lhe responder!

Percebi que a minha pergunta havia lhe causado certo constrangimento. Nesse instante, estávamos caminhando pela calçada nos aproximando da portaria de um dos condomínios de luxo recentemente construído. Era formado por quarenta apartamentos, com um enorme aparato de monitoramento, um belo jardim, piscina e um ótimo playground onde crianças brincavam aos olhos de alguns adultos. Tivemos que parar na calçada diante da portaria, pois um dos moradores, em seu lustrado carro importado, esperava pela abertura do portão do estacionamento. Nas grades do imenso portão, havia uma enorme placa azul marinho com um texto com grandes letras em amarelo. Simultaneamente nos voltamos para a leitura dos textos da placa:

“Por favor, apague os faróis dianteiros e acenda a luz interna.”

Após a leitura, ambos nos olhamos com aquele olhar característico entre duas pessoas que se encontram no mesmo momento de percepção. Não havia a necessidade de palavras. Aquela placa trazia em seus dizeres muito mais do que as orientações para os condôminos daquele prédio. Em sua linguagem subliminar trazia consigo a síntese da mensagem dos poucos homens e mulheres que aceitaram o desafio de ousar pela liberdade de ser.

– Aquela água ainda está de pé?

– Tudo bem! Só que hoje, eu vou de chá!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!