Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

A Ditadura da Vitimização

- Olá JR! Como vai? Tudo bem?
- Olá Cilene! Comigo tudo bem! E como está a sua existência, com vida ou sem vida?

- Ah! Vamos empurrando com a barriga! Você sabe bem como é: tem dias que as coisas ficam difíceis e em outros um pouco mais fáceis. Mas no geral, estou levando! Claro que está bem melhor do que anos atrás, mas não posso afirmar que as coisas estejam indo as mil maravilhas, principalmente vivendo no ambiente familiar em que vivo! É um verdadeiro inferno e para ser franca, não vejo a hora de conseguir sair de lá!

- Mas você não acha que é muita sacanagem se conformar em empurrar a vida com a barriga? Será que a vida tem que ser encarada como um peso a ser carregado?

- Talvez você diga isso por não estar vivendo na minha pele!

- Então me diga o que é que esta lhe causando tamanho peso?

- Já conversamos sobre isso antes! É o de sempre! Minha mãe... Não suporto aquela mulher! Ela realmente acabou com a minha vida e não é nada fácil para mim, ter que dividir o mesmo teto com ela. O pior de tudo é que vivo uma situação financeira que me impede de viver sozinha. Não vejo a hora de poder me auto-sustentar e sumir daquele ambiente doentio. Ela continua a mesma de sempre e insiste em aporrinhar a minha vida! Só de pensar em ter que voltar para casa daqui a pouco já me dá aquela bola na boca do estomago que não sobe e nem desce! Ela insiste em não parar de trazer o meu passado para o presente. Vive sempre me jogando na cara o fracasso do meu casamento. Basta chegar alguém em casa que ela vai logo falando para a visita a respeito do meu ex-casamento. Vive dizendo que precisa me lembrar sempre a respeito do mesmo para que eu não esqueça os erros do passado e torne a repeti-los. Isso é um saco! Já estou cansada de discutir com ela sobre isso, mas, ela insiste em fazer sempre os mesmos comentários!

- Ah, sim!.. Seu casamento com aquele sujeito que você conheceu pela Internet!... Bem, acho que ela realmente não precisa ficar lhe repetindo sobre as insanidades do seu passado, afinal de contas, creio que você já deve ter aprendido bem essa dolorosa lição!... Naquela época, você estava tão obcecada que não havia meios de lhe mostrar uma brecha por onde pudesse entrar um pouquinho da luz da sanidade!... Pensando bem, você não acha que é até um pouco compreensível a preocupação dela com você?

- Ah, fala sério! Não me fale disso! Ela é uma verdadeira cascavel pronta para dar seu bote! Acabou com a minha vida! E agora as coisas tão ficando ainda pior... Ela anda muito esquecida, tendo apagamentos! Só falta ela estar com aquela doença que dá muito em “velhos”! E se der, vai sobrar prá quem? É só o que me faltava! Já desgraçou meu passado, só falta desgraçar também o meu futuro! Ainda se meu pai tomasse uma posição... Ele é um verdadeiro bola murcha! Mais parece um gato de armazém, vive dormindo em cima do saco! Não sabe falar outra coisa a não ser a respeito do Palmeiras. É muita mediocridade! Deus me livre de chegar à idade deles levando o tipo de vida insignificante que eles levam!

- Me perdoe, mas, quem é que está reclamando para mim a respeito da insignificância da própria juventude?... Outra coisa, se é que deus realmente existe, o que é que ele tem a ver com tudo isso? Será que é ele quem escolhe o tipo de vida que você leva ou a maneira pela qual você lida com a mesma? Será que deus é responsável pelas suas escolhas, pelas suas zonas de conforto e estagnação? Será que ele é o responsável pelo modo com o qual você escolhe se relacionar com a vida e seus relacionamentos? Você não acha muito infantil responsabilizar a qualidade da sua existência à uma idéia, a uma imagem de deus criada conforme o seu pensamento?

- Acho que você entendeu bem o que eu quis dizer com isso!

- Desculpe-me, mas não entendi não! Diga-me uma coisa: quem é que pode modificar a sua própria vida? Você ou uma entidade criada pelo seu pensamento? Se as coisas estão tão insuportáveis como você afirma estar, de quem é a responsabilidade de se permitir permanecer nesse ambiente?... Deus? Seus pais?... Será que você poderá conseguir modificar as coisas se preferir continuar na zona de conforto criada pela sua vitimização? O que espera com isso? Que deus ou alguém sinta peninha de você e resolva lhe tirar como num passe de mágica da confusão onde você é co-participante? Será que se você continuar com esse comportamento de derramar as mazelas da sua existência nos ouvidos dos outros poderá modificar alguma coisa? Desculpe-me, mas, bafo de boca não cozinha ovo! Você sabe muito bem disso: ação é a palavra mágica! Que tipo de ação real você está tomando para concretizar uma mudança nessa situação? Está fazendo algo diferente?

- Sinceramente: nada! Continuo dando aulas na mesma escolinha e você sabe como é o salário de professor em nosso país! Só dá para ir de casa para o trabalho e do trabalho para casa! Não faço outra coisa! O pior é ter que chegar em casa depois de um dia estressante no trabalho e ter que me refugiar em meu quarto com meus gatos para não ficar ouvindo as discussões dos meus pais. Prefiro mil vezes os meus gatos do que a vida com aqueles dois! Não consigo entender por que é que ainda vivem juntos se eles nem se quer se toleram!

- Acho que não é muito difícil encontrar uma resposta para essa sua dúvida, uma vez que – se me permite - a sua situação com relação a eles não é muito diferente. Talvez se você tirasse um pouquinho o foco deles poderia ver sua vida com muito mais clareza. O que é mais importante para você, encontrar um modo de fazer com que eles se modifiquem ou ver com clareza onde estão às limitações que lhe impedem de fazer uma escolha saudável para a sua existência? O que lhe parece ser mais desafiador: esperar que seus pais se modifiquem para que você possa ter o mínimo de conforto dentro daquela casa, ou procurar por um modo de vida autônomo, talvez com menos conforto material, mas que lhe proporcione um mínimo de autonomia psicológica? Não estou lhe fazendo esta pergunta esperando pela sua resposta. Ela cabe somente à você! Espero que você medite com seriedade em tudo isto, uma vez que insanidade é fazer as mesmas coisas esperando resultados diferentes!

- Ah, sei lá! Acho que só vou ter mesmo sossego quando os dois partirem desse mundo! Acho que mesmo o fato de eu conseguir sair de casa não vai mudar muito os meus problemas. Tenho certeza que ela vai querer continuar se metendo na minha vida, como sempre fez enquanto que meu pai fica sentado na varanda ouvindo seu velho rádio de pilha! Acho que eles são viciados nisso!

- Veja só, será que você não está querendo pintar o seu futuro com as únicas cores e os mesmos pincéis do seu antigo e desgastado estojinho de vitimização? Desculpe-me pela franqueza, mas sinto que você não está realmente interessada em assumir a responsabilidade pela sua vida. Acho que você está se comprazendo com morbidez num mar de autopiedade e enquanto você insistir nisso, não há a menor possibilidade de você encontrar por resultados diferentes! Sinto pelo seu olhar que o que estou lhe dizendo está lhe causando uma profunda raiva. Quem sabe você escolha fazer como as crianças birrentas que pegam sua boneca e não brincam mais, optando pelo conforto do isolamento! Tudo bem! Você sabe bem como sou; comigo não tem essa de melzinho na chupeta não! Não tem essa de ficar passando a mão na cabecinha de adultos infantilizados! Você pode até escolher me ter como um “inimigo declarado” da sua infantilidade, mas prefiro isso do que ser um “amigo hipócrita”! Pense bem nisso e no que você está fazendo com a sua existência, caso contrário, você corre o sério risco de repetir o papel da sua mãe, de por não ser feliz, infernizar a vida dos que estão ao seu redor! Pense bem, pois indiferente do que diz esse monte de crença criada pelo homem, não temos outra vida para viver a não ser esta que vivemos agora! Se existir outra vida, deixemos os problemas dela para quando nela estivermos vivendo. Cabe lidar com responsabilidade quanto a qualidade da vida que vivemos aqui e agora e não creio que isso seja da responsabilidade de deus ou de outra pessoa a não ser de nós mesmos! Culpar os outros pela mediocridade da nossa existência é um grande sinal de falta de inteligência em nossa vida! Pense nisso! Agora preciso ir! Vê se aparece em casa, a Dé ia gostar muito de te ver! Vê se se cuida e não deixe para amanhã o que você pode solucionar hoje! Vou nessa!

Desconcertada pela nossa conversa, pegou suas coisas, olhou para os lados e dirigiu-se para o outro lado do balcão onde outros conhecidos seus apreciavam umas boas cervejas! Do caixa, enquanto pagava minha conta, pude perceber que ela, como um vampiro emocional, estava a procura de sua próxima vitima.

Por que será que as pessoas insistem tanto em buscar conforto na auto-vitimização?

Por que insistem em manter suas energias num mar de autopiedade?

Por que se conformam em empurrar a vida com a barriga?

Por que evitam a responsabilidade de se tornarem conscientes da própria participação na confusão em que se encontram alegando que o caso delas é sempre diferente?

Por que insistem em jogar a responsabilidade da sua existência numa imagem pré-concebida de um deus?

A noite já se fazia presente, trazendo consigo o calor do verão e a cor do céu alterada pelas luzes distantes do sambódromo, que dificultavam a visão de qualquer estrela. As ruas encontravam-se vazias e poucos eram os comércios que se encontravam abertos.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!