Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

Na barriga de mãinha

- Olá mocinha!
- Olá mocinho! Cheguei da cidade agora! Tudo certo por aqui?
- Sim e com você?
- Assim, assim!... Estou bastante cansada hoje! Meus olhos estão pregando de tanto cansaço! Dá vontade de colocar dois palitinhos para mantê-los abertos! Estou cansada demais! Muito mais do que nos outros dias!
- Mas por que de tanto cansaço em pleno inicio da semana?
- Coisas da rotina mesmo!... É “mãinha”!
- O que tem sua mãe?
- Ela sofre de uma dor crônica na coluna e quando ataca, não há como dormir! Acordamos por volta das 03h00min da manhã e não conseguimos dormir mais! Sabe, dormimos no mesmo quarto!
- Por que você não experimentou contar carneirinhos para ela?
- Com mãinha gemendo? Que filho desnaturado você deve ser!
- Você podia contar bem baixinho no ouvidinho dela! Quem sabe ela conseguisse se esquecer da dor e se entregar ao sono!
- Bichinha sofreu que só! Droga de coluna ruim! Ela agora começou a fazer hidroterapia! Acho que deve estar mexendo com a dor!
- A medicina holística diz que “dor na coluna” pode representar que estamos carregando alguém em nossas costas!... Você me parece ser muito ligada com a sua mãe!
- Vixi! Completamente! Já te contei minha história?
- Não que eu me lembre!
- Sou filha adotiva! Mãinha foi me buscar nos cafundós de Judas! Prá lá do norte de Rorâima! E olha só: foi sozinha e nem mesmo conhecia o caminho! Sua atitude fez com que ela sofresse muito preconceito na cidade dela! Ela foi guerreira: várias pessoas já tinham ido pedir aquela criança barrigudinha! Ela diz que logo que entrou no quarto, fui logo esticando os bracinhos para ela e sorrindo muito!
- Quem sabe, isso não tenha sido uma espécie de reencontro!
- Não duvido disso! Ela me trouxe só, enrolada em seus braços e vivemos muito juntas desde então, uma vez que “painho” trabalhava fora! Ele só veio ficar em casa por definitivo quando a doença lhe atacou! Tivemos pouquíssimo tempo! É por isso que eu e mãinha somos que nem unha e carne. Tenho consciência que isso atrapalha em alguns momentos, mas creio ser impossível modificar de vez esta situação!
- Desculpe-me pelo atrevimento de minha parte. Se não se sentir à vontade para responder não estresse. No entanto, seria mesmo difícil se libertar dessa situação ou você não alimenta o sincero desejo de romper com este cordão umbilical?
- Confesso que não sei não!
- Você realmente não sabe ou não pensou a sério em como modificar isso?
- Pensando bem, por não saber nem por onde começar a trabalhar esta questão, nunca quis me aprofundar nisso! Olha só nossa situação: sem irmãos, sem meu pai, há anos somente nós duas... Como separar isso?... Até que eu já tentei isso algumas poucas vezes, por exemplo, viajar sozinha! Já o fiz algumas vezes, mas não consigo deixar de ligar para ela pelo menos duas vezes ao dia. Se não o faço fico num estresse só, a ponto de não conseguir desfrutar da viagem! Se não ligo, me sinto profundamente culpada e irresponsável! Para evitar isso, prefiro optar em viajar juntas, assim, posso tê-la sobre os meus olhos e ficar mais tranqüila.
- Desculpe-me, mas, você não acha isso um tanto perigoso?... Já ouviu falar a respeito da dependência emocional?... Olha, você pode ter certeza de que nunca verá isso escrito num atestado de óbito ou numa certidão de divórcio, mas, se formos ver apuradamente, em muitos casos, lá está ela com seu veio pútrido!
- Nem me fale! Sinto isso no mais fundo de mim, mas, não consigo ver a vida distanciada de mãinha! Tenho consciência de que todo tipo de dependência é nociva, mas, com relação a mãinha...
- Você não pensa em sua própria vida sem a presença dela?... Marido, família...
- Nem pensar! Não alimento qualquer tipo de perspectiva em relação a ter um companheiro! Filhos, então, nem pensar! Não quero repetir o modelo de minha vida!
- Por que você pensa que seus filhos teriam a mesma história?
- A carga emocional de um filho único é muito pesada; sempre empenhado em realizar a felicidade de um dos pais. O peso é muito grande!
- Sei bem o que é isso! Venho de um lar disfuncional, regado com muito alcoolismo! Eu chamo isso de abuso emocional, ou melhor, de incesto emocional! Isso não cabe à criança, cabe ao casal! Você não acha que toda essa sua memória do seu passado pode ser um dos gatilhos que mantém essa dependência psicológica da sua mãe, afinal de contas, apegar-se ao passado é perder a própria continuidade, uma vez que isso significa apegar-se a algo que já não existe mais? Será possível viver a maravilha do desconhecido se baseamos nosso “possível futuro” nas imagens contidas em nosso arquivo de memória?...
- Não sei? Não pensei nisso antes!
- Olhando para o passado, constatando o dano que você sofreu com as expectativas descabidas de seus pais, você ousaria fazer o mesmo com um filho seu? Repetiria o mesmo comportamento? Não faria diferente? Teria um filho para realizar a sua própria felicidade ou para compartilhar com ele a sua já presente felicidade capaz de ajudar na formação de um ser humano feliz?
- Mocinho, eu não vivi o diferente! Só sei das diferenças pegando carona nas famílias dos conhecidos da minha adolescência!
- E por essa razão você acha ser impossível a existência do diferente? Isso não seria uma espécie de preconceito?
- Não, não creio que seja isso!
- Será que podemos viver nossa autenticidade, nossa originalidade, nossa potencialidade se estivermos presos ao cordão umbilical emocional?
- Não acho que seja nada disso! Penso que só não encontrei ninguém que possa trocar essas minhas impressões do passado! Não creio que eu esteja fechada para coisa alguma! Talvez tenha me colocado mal: sempre fomos muito unidas. Não era interesse apenas meu, nem manipulação dela. Não éramos prisioneiros, apenas gostávamos de ficar juntas pelo fato de meu pai trabalhar em várias cidades!
- Sei bem como é isso... Pai ausente filhos carentes (ou dependentes)!
- Não estou fechada para nada não! Fique tranqüilo que se eu encontrar meu homem quero ter cinco barrigas de gêmeos!
- Mas será possível achar esse homem para encher sua barriga se você ainda estiver ligada à barriga de sua mãe pelo cordão da dependência emocional? Como você poderá encontrar uma “terra firme” se insistir em se manter presa na “bóia” que te salvou um dia?...
- JR, gostaria de continuar nossa conversa, mas tenho que ir até o banco pagar umas continhas que vencem hoje. Quem sabe, se der, volto depois!
- Na boa! Por favor, não me leve a mal! Como diz um velho amigo, sou uma espécie de “anjo cutucador”. Talvez eu esteja mais para “demo” do que para anjo!
- Tudo bem! Na verdade, não concordo com nada do que você me disse sobre essa coisa de dependência emocional. Não acho que esteja presa na barriga de mãinha... Na realidade, acho que nem saí dela! Sinto que estamos no coração uma da outra!
- Ok! Na boa!
Depois de se despedir, seguiu apressada em direção ao Banco. Enquanto observava seus passos largos, lembrei-me da cena de um filme chamado “Beleza Americana”, onde um dos personagens com um sorriso sarcástico no olhar dizia a profunda frase:
- “Nunca subestime o poder da negação”!

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!