Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

A Ditadura do Diploma


Quando o telefone tocou, encontrava-me reflexivo, diante da tradução de um texto. Com voz rápida e muito firme pediu-me para que comparecesse à loja, sem ao menos dizer-me por que. Pelo tom de sua voz, senti que algo não corria conforme a cotidiana calmaria. Prontamente saltei da frente do computador e dirigi-me apressado e receoso para o local. Num misto de alegria e alivio deparei-me com a visita de uma grande amiga nossa que por alguns anos conviveu em nosso espaço.

Para nós, esta amiga é um ser muito especial – uma das poucas que realmente havia incorporado holisticamente aquilo que para nós transmite a essência da “Arte de Cuidar do Ser”. Agora, exercitava esta arte em outro local, no entanto, para nós, era como se estivesse sempre ali conosco.

Abraçamo-nos sorridentes, tomados de bastante alegria pelo reencontro.

Como havia viajado no período final do ano, não houve a possibilidade de lhe entregarmos a pequena lembrança que havíamos preparado para brindar aos amigos que durante o ano haviam nos prestigiado com sua “amizade nutritiva”. Juntamente com esta lembrança, havia um pequeno envelope vindo do Japão, enviado aos seus cuidados por parte de uma das suas “amigas evolutivas”. Tratava-se de um pequeno cartão de boas festas, o qual demonstrava toda a diferença que ela havia significado na vida desta amiga evolutiva.

Havíamos colocado nossa pequena lembrança – um CD personalizado contendo uma fala sobre “A arte de Cuidar do Ser” e mais uma série de treze músicas compatíveis com esta arte – numa pequena e apertada embalagem com tema festivo, a qual requeria bastante cuidado ao abri-la para que a mesma não fosse rasgada. Sua ansiedade estava lhe impedindo de obter sucesso de retirar o CD da pequena embalagem. Desculpando-se, feita criança ansiosa, rasgou o pequeno pacote para apreciar seu conteúdo. O CD fora estampado com detalhes das peças artesanais indianas vendidas em nossa loja. Pode-se perceber que as duas lembranças – o CD e o cartão do Japão – haviam lhe tocado bastante. Prontamente, após nos agradecer, com um sorriso no olhar, abriu sua bolsa, retirando de seu interior dois envelopes como os nossos, contendo um CD, gravado por ela, cujo repertório era feito de antigos sucessos nacionais. Abaixo das relações das músicas, uma carinhosa dedicatória. Disse-nos que um amigo seu que possuía um pequeno estúdio havia lhe ajudado na produção do CD e que o mesmo estava lhe ajudando a resgatar a arte do canto, a qual, após o seu casamento, havia deixado de lado. Visivelmente contendo as lágrimas no olhar, disse-nos – para a nossa surpresa – que estava atravessando um período de intensa crise, como nunca antes havia vivenciado e que a música estava sendo de extrema importância para que ela não se perdesse de si mesma. Falou-nos da imensa insatisfação na qual estava acometida e de como a mesma estava repercutindo em todas as áreas de sua vida, trazendo a tona uma série de questionamentos carregados de medo, sendo que entre eles, estava o receio de ter que recorrer ao uso de calmantes devido a intensa energia desgastante dessa crise.

- Crise... oportunidade de crescimento! Comentei meio intimidado. Sinto que o que faço agora é o mesmo que comentar a missa para um vigário; mas há que se abraçar a crise, dar-lhe as boas-vindas e sentar-se com ela. A Grande Vida já nos dotou de quatro instrumentos básicos para atravessá-la: um “bumbum” para nos sentarmos, um punho para apoiar nosso queixo e uma mente e um coração para observar a profunda inteligência contida na mensagem de uma crise, que quase sempre é um alerta de que por razões, por vezes inconscientes, distanciamo-nos de nós mesmos. Sinto-me como um tolo ao lhe dizer isto.

Perplexo, dei-me conta do quanto que um título impresso num pedaço de papel contendo uma estampilha dourada, moldurado e pendurado numa parede qualquer pode tornar-se um tremendo fardo para quem o detém. Um título, principalmente na área de saúde mental, cria o rótulo condicionado pelo social, da “excelência humana”, da “autoridade”, de alguém que possui todas as respostas sobre o modo de viver correto e que, portanto, não tem o direito de se dar ao luxo de atravessar uma crise. O título muitas vezes rouba de seu titular a tutela de ser, tão somente, um ser humano em construção. Pode-se levar de quatro a cinco anos para se formar um especialista, mas de quantos anos precisamos para sermos realmente “humanos”?
Exercendo minha vocação de “farmacêutico de letrinhas”, indiquei-lhe a leitura do livro de Tanis Helliwel, intitulado Trabalhando com Alma e ainda mais enfaticamente incentivei-lhe, por meio de um forte abraço, para que desse as boas-vindas para essa oportunidade de crescimento, que com certeza, em sua essência continha as promessas de um salto quântico.

Sua atitude de honestidade emocional para conosco, aumentou ainda mais a minha admiração, respeito e gratidão que já sentia por ela. Sabia que mesmo naquele momento doloroso, o espírito do Ser que nos faz ser, cuidava bem deste ser, que de forma direta ou indireta, ajudou-nos na atual qualidade do nosso ser.

Quando ela já estava quase saindo da loja, com seu semblante mais aliviado, disse-lhe:

– Infelizmente, minha querida amiga, no momento, não tenho o nome de um profissional a quem eu possa lhe indicar. No entanto, se você precisar de ouvidos atentos, amorosos e fraternos, saiba que estamos sempre aqui!

Sorriu e segui seu caminho.

A garoa voltava a cair, mas o clima ainda continuava abafado.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!