Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

Isto atrai dinheiro?

Depois de uma madrugada de intensa chuva fria, o asfalto amanheceu bastante encharcado. Era impossível encontrar ao menos uma pequeníssima brecha no imenso céu cinzento, pela qual pudesse deixar transparecer o tom azulado dos dias anteriores. Um enorme carro de bombeiros, com sua barulhenta sirene, com seus preparados homens em suas roupas e botas pretas com detalhes amarelos, pesadamente passava por entre a estreita abertura feita pelos carros em trânsito. Por onde passava, atraia a atenção de todos. As árvores hoje pareciam mais fortes, vigorosas e em suas folhas havia um verde repleto de frescor.
O rapaz chegou timidamente; sua comunicação deu-se através de um pequeno movimento com a cabeça. Vagarosamente correu seu olhar por todas as prateleiras e paredes da pequena, mas acolhedora loja. Num tom de voz muito baixo, um tanto introvertido, questionou-me se trabalhávamos com a venda de “bastão com ponta de cristal para radiestesia”.
– No momento não disponho de tal produto, mas posso estar providenciando o mesmo em até dois dias para atender as suas necessidades.
– Ah! Então pode deixar!... Meu pai é cliente seu; ele possui uma fábrica de molas bem próximo daqui... Duas ruas acima. Talvez o senhor deva se lembrar dele. Qualquer coisa peço para ele dar um pulinho aqui e encomendar com o senhor.
– Fique a vontade! Se preferir, tome aqui o nosso cartão! Nele encontra-se o nosso telefone e também o endereço de nosso site onde você pode ter acesso a dica de vários filmes, livros, CDs e textos voltados para a arte de cuidar do ser. Por favor, precisando disponha, será um prazer em poder atendê-lo!
Novamente limitou-se a um tímido movimento com a cabeça, voltando sua atenção novamente para as prateleiras da loja.
– Desculpe-me pela curiosidade, senhor, mas, uma loja como esta, com estes tipos de artigos vende bem?
– Vejamos, isso depende muito do que você tem por “bem”! Para mim, esta pequena loja vem a cinco anos atendendo as necessidades do meu modo de vida, pautado por opção própria numa simplicidade voluntária. Logicamente que precisei me adequar aos artigos que hoje vendo. Hoje, nossa loja deixou muito do seu projeto inicial, o qual era formado por muitos livros e um espaço holístico com palestras e vários profissionais autônomos, entre eles, psicólogos, massagistas, fisioterapeutas, arte-terapeutas e também, um radiestesista. Trabalhávamos com livros, sempre escolhidos a dedo, voltados para o auto-conhecimento, filosofia, religiões diversas, sociologia e esoterismo. No entanto, amargamente descobrimos que nesta região, de livros não se vive. Outro ponto que pudemos perceber durante estes anos é que, pelo menos nesta região, existe um grande conservadorismo. Trata-se de uma região bastante patriarcal. A população local dividi-se, em grande parte, entre cristãos, evangélicos e uma pequena parte voltada para o espiritismo. Temos percebido um grande aumento de evangélicos neste período. Poucos são os que já se abriram para a necessidade de uma visão mais holística. Com certeza, existem outras regiões onde, certamente, esta loja poderia nos dar um retorno financeiro muito maior, no entanto, creio que teria que pagar um preço muito alto por isso. Não creio que poderia desfrutar da qualidade de vida que tenho aqui, muito menos poderia contar com o tempo que tenho para desfrutar de boas amizades com conversas tão nutritivas.

– Tenho percebido, como você mesmo deixou transparecer em suas palavras, que as pessoas que estão fechadas numa determinada religião parecem ter dificuldades para se abrirem à novos paradigmas.

– Será que isso que você está chamando como “religião” seria de fato “religião”? Será que a verdadeira “religião” pode ser organizada? Isso à que você se refere como “religião” não seria, de fato, crença organizada?

– Como assim?

– Veja, para mim, o que a séculos se convencionou chamar de “religião”, não passa de um sistema de crença organizada pelos seguidores de alguém que experimentou, por si mesmo, uma verdadeira experiência religiosa e que tentaram de forma insana, codificar por meio da limitação dos símbolos, a qualidade daquela experiência vivida por essa pessoa. Para mim, a crença é como uma doença que a nossa consciência prensa; ela não tem o poder de libertar o homem de seus conflitos interiores. Já a religião, é uma experiência pessoal, intransferível e que não pode de modo algum ser codificada. Ela é esse movimento, essa ânsia pessoal e intransferível pela completude, pela experiência de ser. É esse chamado interno que insiste em não calar sua mensagem de que não estamos vivendo, mas tão somente, existindo. Religião para mim é esse movimento de buscar por uma existência com vida, por um estado de unidade e de bem-estar comum com aquilo que é comum à toda forma de vida. Fiz-me claro?

– Entendo! Mas, você não acha que a crença é importante? Conheço várias pessoas que levavam uma vida errante e que ao conhecerem determinada religião, ou como você diz, um sistema de crença organizada, despertaram para uma vida muito mais equilibrada.

– Veja bem, desculpe-me por fazer uma analogia tão simples. Imagine um homem caído à beira de uma estrada devido uma perna quebrada. Tratar desta perna através de um gesso bem colocado durante certo período de tempo é extremamente salutar. Agora imagine esse homem ter medo de abrir mão do uso do gesso? O que aconteceria? Com certeza, seus músculos e ossos atrofiariam, não acha? Para que pudesse andar livremente, necessitaria abrir mão do gesso, não é certo? No inicio, creio que teria certa insegurança e até dificuldade de fincar seu pé com firmeza. Titubearia, mancaria por algum período, mas, com certeza, em seu devido tempo conquistaria confiança em si mesmo e poderia andar a passos largos e livremente. Pois bem, para mim, o gesso é a “crença organizada”. Pode ser útil por um breve período de tempo, caso contrário faz mais mal do que bem, pois a mesma atrofia a visão, cria o sectarismo, robotiza a originalidade, ainda que adoentada e impede ao homem de pensar com liberdade, uma vez que deve conformar-se a seguir uma determinada cartilha.

– Não havia pensado nisso antes!

– Você já fez ou faz parte de algum grupo, ou crença organizada? Se afirmativo, alguma vez já tentou questionar algo do seu sistema de crença? Qual foi a sua experiência? Seu questionamento foi bem aceito e tratado abertamente? Ou pelo contrário, muito polidamente foi abafado e deixado de lado?

– Faço parte de uma entidade espiritualista, mas nunca vivi essa experiência!

– Pois eu já vivi isso na pele! Sei bem do que estou lhe falando e não é nem necessário que você leve em conta a minha experiência. Qualquer bom livro de história ou de estudos sociais lhe mostrará isso. Ontem mesmo, eu e minha esposa estávamos assistindo um filme chamado “Hotel Ruanda”. Você já assistiu?

– Não!

– Pois bem, então fica aí a sugestão. Ele retrata a história do último grande genocídio feito pelo homem, no período de 1994 em Ruanda. Um massacre de mais de hum milhão de pessoas. Num determinado momento, o filme mostra a cena de um pequeníssimo grupo de “rebeldes”, tentando fazer sua parte para evitar a continuidade da insana histeria coletiva. O coletivo é facilmente manipulado por um determinado sistema de crença. A crença tira a liberdade de visão, cega e leva a verdadeiros atos de loucura em nome da fé. Fé é aquilo em que se acredita. A insana consciência coletiva daquele povo “acreditava” ser correto o extermínio de uma menor classe. Bastou um líder, auto-intitulado, soltar sua voz na mídia, por sua vez sempre manipulável, que o extermínio começou. Os poucos “rebeldes” não precisavam acreditar, eles enxergavam os fatos. Pois bem, o que quero dizer com isso é que tanto os que manipulam a crença, como os que seguem a crença, como os que somente lavam suas mãos diante das insanidades da crença, nenhum valor real tem para acabar com o conflito humano. Somente os pouaos rebeldes podem fazer alguma coisa e como mostra a história, com vários e vários exemplos, muitas vezes, esses rebeldes chegam a pagar muito caro por terem visão, alguns até mesmo, com a própria vida.

– Ok! Nossa conversa está muito boa, mas pena que tenho outros compromissos e não possa estendê-la. Em outra oportunidade, quem sabe, possamos nos aprofundar um pouco mais.

– Muito bem! Gostei muito da nossa conversa! Quanto ao bastão para a radiestesia, se você ainda precisar dele, basta me dar um alô. Terei imenso prazer em atendê-lo!

O rapaz já ia saindo da loja quando resolveu voltar e parar diante da prateleira de incensos. Percorreu seu olhar pelos textos das caixinhas. Retirou duas delas e dirigiu-se novamente a mim. Tratava-se de duas caixinhas de incenso, sendo uma “contra inveja e mal olhado” e outra “chama dinheiro”. Sorrindo me perguntou:

– Você realmente acredita que este incenso chama dinheiro?

– Não preciso acreditar meu jovem, pois para mim, sei que isso é um fato, uma vez que você me deve por eles R$3,00! Assim que você me pagar por eles terá me atraído dinheiro! A crença funciona assim mesmo: “alguém cria uma idéia, alguns a vendem e muitos outros pagam um bom preço pela mesma!”

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!