Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

Por que tememos tanto o vazio da solidão?

Era um jovem rapaz, nascido no berço de uma família portuguesa, com toda sua tradição e abuso religioso. De personalidade acanhada, baseada na vergonha tóxica, fazia uso de um comportamento agressivo para se proteger de qualquer possibilidade de exposição e para tentar esconder seus medos. No entanto, por detrás dessa máscara de agressividade, com um mínimo de observação, podia-se perceber um jovem assustado e carente de afeto. Com certeza, era mais um sobrevivente de um lar condicionado pela tradição.

Durante anos, fez uso da sexualidade como uma forma de alivio para seus conflitos, sua dor e sua inadequação. Vivia na pele o sofrimento anônimo, o pecado secreto de uma vida dupla e o fantasma da possibilidade de ser descoberta sua dupla personalidade por parte das suas pessoas mais significativas. Por detrás de um rosto barbado, podia-se ver um menino assustado, assim como uma pequena criança perdida de seus pais, num corredor de um supermercado qualquer. Era bastante arredio, conservador e metódico. Sentia-se bastante deslocado quando exposto a alguma manifestação de carinho, seja da parte masculina ou feminina. Por mais que tentasse esconder seu sofrimento, não era capaz de fazê-lo.

Durante anos, foi vítima de um padrão de comportamento sexual condicionado, auto-imposto, que quase fez com cometesse uma loucura contra si mesmo. Agora, vivia uma outra forma de ilusão auto-imposta: a de que a supressão desse padrão sexual condicionado poderia acabar com seus conflitos e sofrimentos. Com orgulho não disfarçado no olhar, contava seus dias, horas e minutos de sua abstinência ao padrão sexual condicionado. Não conseguia perceber que vivia uma ilusão de liberdade, uma vez que se encontrava fisicamente abstinente de seu passado, mas não psicologicamente. O fantasma do seu passado com toda sua carga de medos se apresentava não somente durante seus sonhos, mas em cada acontecimento do cotidiano. Havia trocado um padrão auto-imposto por outro padrão também auto-imposto, achando que isso representava uma melhora, sem perceber que tal mudança representava tão somente uma nova decoração nas paredes de sua própria cela.

Repudiava qualquer forma de autoridade, bem como qualquer ponto de vista discordante do seu, ou do que era diferente do tradicionalmente aceito pelo consciente coletivo, tendo por vezes, explosões emocionais que lhe causaram algumas inimizades, ampliando assim seu auto-isolamento. Seu medo de ser exposto à vergonha tóxica fazia com que adotasse uma postura competitiva contra qualquer forma de liderança. Para a surpresa de muitos, diante das dificuldades de lidar com os reveses do dia-a-dia e seus relacionamentos, novamente entregou-se com a volúpia contida de anos ao velho padrão de comportamento sexual compulsivo, que acabou ampliando ainda mais sua vergonha tóxica, resultando num total isolamento, também auto-imposto. Como a grande maioria, não foi capaz de perceber a “natureza exata” de seus conflitos e muito menos aceitar o fato de que qualquer forma de “programação” não tem o poder de “desprogramar” o que secularmente vem sendo programado. Não foi capaz de perceber que a liberdade física de um determinado padrão de comportamento compulsivo, nada tem que ver com a verdadeira liberdade do espírito humano.

Toda programação leva a repetição de um determinado sistema de ação, leva à rotina, à mesmice, à mecanicidade, ao ajustamento e anula a originalidade e a espontaneidade, ainda que “adoentada”. Toda programação nega a liberdade de pensamento e força ao conformismo aos padrões pré-estabelecidos por terceiros, e nisso, não pode haver liberdade, tão somente, o surgimento de mais mentes robotizadas, permanentes presas de seus próprios medos. Toda forma de programação produz divisão e conflitos. Separa àqueles que a praticam daqueles que dela se abstém. O individuo que não está preso na prática de uma determinada programação é livre para ir e vir, podendo se relacionar com qualquer grupo, no entanto, o inverso não é um fato, pois o individuo livre é visto pelo grupo como uma espécie de ameaça ao bem-estar comum, sendo prontamente rotulado como um “membro problema”, criador de confusão e quebra de unidade; alguém que não é bem-vindo e que, portanto, deve ser jogado na fogueira da inquisição psicológica, ou encerrado na masmorra do ostracismo.

Por que temos a necessidade de pertencer a determinado grupo?

Por que dessa necessidade de identificação psicológica com um grupo?

Seria pela dificuldade de estarmos com a nossa própria solidão?

Por que não conseguimos olhar para a nossa insuficiência?

Por que não conseguimos ficar a sós com a nossa solidão, abraçando-a, dando-lhe as boas vindas, conhecendo-a com maior intimidade?

Por que tememos tanto o vazio da solidão?

Será possível encontrar um modo de viver, sereno, equilibrado e feliz, sem o alcance da capacidade de compreensão da própria solidão?

Se dissermos ser impossível, não teríamos então que nos resignar ao triste e estagnante convívio com outros solitários amedrontados?

E nesse resignar, pode haver a verdadeira libertação do espírito humano?

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!