Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

A ditadura do preconceito

O telefone tocou por volta das 10h30min da manhã. Do outro lado da linha, uma voz bastante tímida, com receio de ser identificada questionava se ali trabalhava alguém chamado JR.
– Aqui é o JR, por favor, quem gostaria de falar com ele?
– Olha, não vou me identificar no momento; volto a falar com você mais tarde. Fico feliz por ter conseguido seu contato novamente. Mais tarde volto a te ligar!
Desligou o telefone sem ao menos deixar qualquer sinal pelo qual pudesse ser identificada.
Sem dar muita atenção para o ocorrido, voltei-me para a minha cadeira sob a pequena árvore e continuei em minha meditação matinal. O dia estava bastante quente e mesmo na sombra, o calor era por vezes quase que insuportável. Algumas pessoas faziam uma breve parada para recompor as energias embaixo da pequena pitangueira, arrancando suas pequeninas frutas e jogando parte de seu bagaço na calçada.
– Gostosa essa frutinha não? Fique a vontade, inclusive, se quiser, até para ajudar a cuidar dela! Não podemos esquecer que a vida é uma estrada de mão dupla!
O telefone interrompeu a minha conversa e desta vez ela se identificou. Tratava-se de uma antiga conhecida com quem não mantinha contato a mais de nove anos. Na época em que a conheci ambos estávamos vivendo um período bastante turbulento em nossas vidas. Fazíamos parte de um grupo terapêutico no qual trabalhávamos as questões referentes a codependência afetiva. Ambos havíamos detectado que estávamos vivendo um relacionamento disfuncional sem a perspectiva salutar de continuidade e futuro. Várias pessoas daquele grupo não conseguiram manter a necessária honestidade emocional para consigo mesmas, e por isso, deixaram de freqüentar o grupo para se entregarem com maior intensidade ainda nas garras de seus relacionamentos de fachada. Ambos acabamos vencendo o medo do abandono e da solidão, conseguindo romper as amarras estagnantes que nos prendiam em nossos relacionamentos carentes de um verdadeiro sentido de intimidade e responsabilidade.
Devido sua separação, teve que se mudar para outro estado deixando para trás a zona de conforto representada por sua boa casa, marido e filhos. Saiu só e com a cara e a coragem. Essa foi a última noticia que havia tido a seu respeito.
– E então? Como você conseguiu o meu telefone?
– Passo em frente da sua loja há vários dias! Voltei para São Paulo; estou morando próximo à você, perto de umas seis quadras daí! Peguei seu telefone no painel da sua loja e tomei a liberdade de ligar para você. Espero não estar invadindo sua privacidade, muito menos lhe atrapalhando! Você poderia me dar uns minutos de atenção?
– Sinta-se a vontade! A propósito, como vai a sua vida?
– Até que razoavelmente bem!
– O que você quer dizer com “razoavelmente bem?”
– Sabe... É a minha filha caçula...
– Que acontece?
– Ela... Ela... Ela é lésbica!
– E o que há de mal nisso? Ela está infeliz por isso?
– Ela diz que não, mas, não consigo acreditar!
– Ela já se queixou com você a respeito da opção feita por ela? Já falou algo ou demonstrou em seu comportamento?
– Não! Só que eu acho que ela assumiu muito cedo, afinal, tem apenas 17 anos.
– Ah! Você acha! O “achismo” é realmente um fator desencadeante de conflitos! Diga-me uma coisa: existe uma data pré-estabelecida, algum livro ou cartilha que dite o exato momento em que uma pessoa tenha o direito garantido de assumir seus sentimentos referentes a própria sexualidade?
– Não, creio que não! Muito pelo contrário! A maioria dos livros ditos “sagrados” abomina a homossexualidade, do mesmo modo que abominam a separação. Só eu sei o quanto de conflito e pressão que sofri por parte da congregação em que eu participava para não me separar e dar continuidade aquele casamento destrutivo!
– Então, com base em tudo isso que vimos juntamente agora, por que você “acha” que ela assumiu muito cedo?
– Você fala isso por que não é mãe!
– Não creio que seja essa a resposta para a questão que fiz para você! Por que você está sofrendo por sua filha assumir a responsabilidade por seus sentimentos mais profundos logo cedo, ao invés de seguir o padrão social estabelecido a qual várias pessoas se entregam de forma silenciosa, de viver uma vida dupla hermeticamente fechada em compartimentos? Por favor, não pense que estou fazendo apologia ao homossexualismo! Mas você diz que sua filha está feliz e eu acredito nisso, pois não é ela que está comigo ao telefone se mostrando em conflito. Sinto que você me ligou não por causa dos meus lindos olhos azuis, mas sim, pelo fato de estar em conflito, estou certo?
– Sim!
– Sendo assim, não seria mais importante tirar o foco da sua filha e voltar o foco para a solução dos seus próprios conflitos e possíveis preconceitos? Por que a homossexualidade da sua filha lhe afeta ao ponto de você ligar para alguém com quem não fala por volta de nove anos? Por que não falar sobre isso com alguém mais próximo da sua presente realidade? Em que área isso lhe afeta? Por favor, não responda para mim! Trata-se da sua vida!
– Ah! É muito difícil de responder! Mas acho que, “de certa forma”, até que aceitei isso muito bem!
– Desculpe-me pela franqueza, mas, não creio nisso que você acabou de me falar! Quando você diz que aceitou “de certa forma”, está querendo dizer com isso que a sua aceitação é condicionada por uma fôrma, não estou certo? Essa fôrma não é sua, não é mesmo? Você consegue falar abertamente a respeito da “opção sexual” da sua filha?
– Bem... Não, não consigo!
Houve um breve e fecundo momento de silêncio o qual não ousei interromper.
– É que eu gostaria de poder entender...
– Então será que houve aceitação desse fato?... Você gostaria de entender o que? Por acaso você sente que “errou” em algo? Sente-se responsável pela homossexualidade da sua filha?
– Eu só queria entender!...
– Olha, não sei se pode lhe ser útil a informação, mas, sei da existência de um grupo de ajuda-mutua com base nos 12 Passos de A.A., voltado para gays, lésbicas e simpatizantes. Ele funciona nas dependências de uma igreja no centro da cidade. Você pode conseguir o endereço com auxilio da telefonista. Quem sabe você possa encontrar nesse grupo respostas para os seus mais profundos sentimentos.
– Eu gostaria muito de conversar com outras mães que também tenham passado por essa amarga experiência. A gente tem uma filha e com ela vem todo um sonho... E tem mais! Se não bastasse essa questão sexual, ela também não quer saber de nada, não quer saber de assumir responsabilidades. Não quer saber de estudar e nem de trabalhar. Sua vida resume-se nas baladas e dormir até tarde! Está trocando o dia pela noite!
– Muito bem... E quem é que está custeando esse padrão de vida irresponsável?
– Eu e meu atual marido!
– Então, será que você não está sendo a grande mantenedora, a facilitadora desse comportamento sem limites? Já parou para questionar o porquê dessa sua dificuldade em estabelecer limites saudáveis para o seu relacionamento com ela?
– Não, nem sequer parei para pensar sobre isso! Na realidade, confesso que muitas vezes nem ao menos sei em que pensar! É muita coisa na minha cabeça! Tem horas que sinto que é um tanto difícil viver neste planeta; dá vontade de sumir, mas não sei bem para onde!
– Então,... Por favor não me xingue!... Quem sabe, o fato de sua filha assumir a sua homossexualidade, a seu ver tão cedo, possa ser uma grande benção para que você possa ver o quanto de respostas você precisa urgentemente para você mesma e não para o modo de vida dela, não é mesmo? Veja, se eu agora lhe pedisse R$100,00 emprestado, quanto você precisaria ter em sua carteira?
– Com certeza R$100,00!
– Está vendo! É exatamente isso que tento lhe mostrar! A maioria das pessoas pensam exatamente como você e isso se chama codependencia! Uma pessoa saudável, emprestaria esse valor desde que tivesse em sua carteira uma reserva prudente aponto desses R$100,00 não lhe fazerem falta. Em outras palavras, ela teria que ter de sobra para poder ofertar ao outro. Pense nisso!
– Não sei, não sei! De qualquer forma, foi bom falar novamente com você. Vou procurar por esse grupo GLS; essa informação já valeu a ligação! Mudando de assunto: você se casou novamente ou está solteiro?
– Sim! Estou casado com a Andrea, lembra-se dela?
– Sim, lembro-me bem! Que bom! Espero que vocês sejam muito felizes!
– Obrigado! E eu te desejo de todo o meu coração que você não espere para ser feliz amanhã. Espero que você consiga viver e deixar sua filha viver (e com limites saudáveis!). Olha só: viva sua vida com intensidade, com abundância! Solte-se e entregue-se a vida!
– Foi bom falar com você!
– Obrigado por ter ligado!
Ao desligar o telefone lembrei-me de uma pequena mais tão profunda frase de Einstein:
“É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito!”

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!