Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

04 abril 2007

O dilema da dependência emocional

O dia amanheceu nublado, com nuvens de um cinza escuro e o ar estava um tanto abafado. Talvez, por ser uma sexta-feira, o trânsito logo cedo se encontrava agitado. Havia muito barulho no ar. Nas calçadas estreitas, vários sacos de lixo aguardavam pelo caminhão com seus quase invisíveis atletas coletores com sua acelerada e exaustiva rotina de trabalho. Aqui e ali, uma ou outra maritaca timidamente dava o ar de sua graça. O jovem andarilho, com uma séria ferida em sua perna esquerda, logo acima do calcanhar, repetia sua rotina de buscar pela doação do seu alimento matutino, doado pelos funcionários da padaria, longe dos olhos do proprietário. O barulho dos ônibus, hoje, parecia quase infernal. Um senhor de cabelos grisalhos, vagarosamente caminhava com seu neto em seu colo. O olhar do garoto refletia inocência, uma vez que ainda não se encontrava contaminado pelo peso da cultura, da crença e da tradição. Na esquina, um jovem com boné na cabeça com a aba voltada para trás, com vários anéis de prata em seus dedos, calças jeans extremamente largas e arrastando pelo chão e um enorme colar de sementes distribuía um pequeno panfleto branco, certamente, um anúncio de algum comerciante local. A cada vez que o vermelho do semáforo se apresentava, repetia sua rotina a passos largos. Alguns guardavam o folheto, outros, um pouco mais adiante o atiravam pela janela do carro em movimento.

Eram por volta das 11h30min quando ele, como de costume, estacionou seu belo carro, ainda com aquele cheirinho de fábrica, sob a sombra da enorme árvore. Com passos tímidos, carregando sua pasta de couro marrom, na cintura, de um lado o celular e do outro o rádio da empresa. Pelo modo como caminhava pude perceber que não estava vivendo bons momentos. Ao se aproximar, o tom amarelado dos seus olhos confirmaram minha percepção. Atravessava uma ressaca emocional natural do período das festas natalinas e de final de ano. Como outras tantas pessoas, ele também estava amargando com o ruminar das lembranças do seu passado, sem perceber que as mesmas, infectavam sua realidade, deformando-a e impedindo-o de vivenciar a beleza do eterno agora. A lembrança do passado, quase sempre traz consigo o peso da comparação e como resultante, sentimentos de culpa ou um mórbido saudosismo, por vezes, paralisante.

Há um ano e quatro meses estava se recuperando da perda de um relacionamento, segundo ele, extremamente disfuncional. Já em meados do mês de novembro começava a apresentar sua preocupação com a chegada desse período tradicional de festas. Até então, encontrava-se inteligentemente lidando com seu doloroso, porém fértil período de solidão. Havia acabado de mobiliar seu pequeno apartamento alugado com muito zelo. Estava praticando aulas de yoga, musculação orientada e havia até mesmo mudado a sua alimentação, abstendo-se ao máximo da carne vermelha. Vez por outra, entregava-se a um retiro de final de semana numa fazenda no interior de São Paulo, juntamente com um grande grupo de pessoas praticantes de certa modalidade de meditação organizada.

Como representante comercial de uma conceituada empresa de eletrodomésticos, gozava de uma qualitativa renda mensal. No entanto, talvez pelas marcas de uma infância paupérrima no interior de Alagoas, vivia amedrontado quanto a sua segurança financeira. Constantemente trazia para as nossas conversas um profundo, mas disfarçado medo quanto ao seu futuro e a qualidade da sua possível aposentadoria. Não raro, tinha que lhe chamar atenção para que fincasse seus pés no aqui e agora presente. Apesar de intelectualmente ter consciência de que só existe o hoje, não conseguia perceber seu condicionamento mental que insistia em fazer com que ele sempre fugisse para esse insano movimento passado-futuro, o qual, tanto assola o ser humano.

O medo da solidão também lhe acompanhava durante boa parte de seu dia-a-dia e era justamente por causa desse medo que sua mente insistia na idéia da possibilidade de reatar esse relacionamento disfuncional. Sua ainda fragilizada auto-estima fazia com que tivesse o medo de jamais encontrar alguém com quem pudesse se sentir feliz. Havia condicionado que sua felicidade dependia de uma polpuda conta bancária e de uma cama a dois. Ainda não sabia por experiência própria o que era viver bons momentos em sua própria companhia. Achava que somente seria feliz e encontraria segurança se estivesse novamente vivendo com sua ex-esposa na casa que juntos haviam construído.

– “Quantas vezes durante este período em que vocês estão separados ela entrou em contato com você para saber, tão somente, como você se encontrava?”

– “Nenhuma! Todas as vezes que me ligou, havia sempre o interesse de ver uma das suas necessidades financeiras atendida! Nunca ligou, nem sequer uma só vez para perguntar sobre a minha saúde física ou emocional!”

– “É meu caro! Parece-me que o que você está me dizendo com isso tudo é mais ou menos o seguinte: ‘É melhor um pouquinho de merda, do que merda nenhuma, afinal de contas, pelo menos esse cheio já me é bem conhecido! ’ Não seria isso?”

– “Você é fogo! Com você não tem mesmo a possibilidade de melzinho na chupeta!”

– “Meu irmãozinho... já dizia Gandhi: ‘A realidade é dura e corta como diamante, mas também é doce como a flor do pessegueiro!’ Preste atenção que o trem da vida quer seguir sua viagem e você insiste em segurar o trem com suas portas abertas na estação do passado! Você tem todo direito de querer atrasar a sua própria viagem, mas, seria correto atrasar a viagem dos que estão nesse mesmo trem, ainda que seja em vagões diferentes? Por que você não deixa essa porta se fechar para que o trem prossiga com sua viagem rumo ao desconhecido? Quem sabe você possa sentir prazer em conhecer novas estações, novos povos, novas culturas. Por que não ousar? Por que não investir na excelência da sua própria existência? Por que não conspirar pela verdadeira liberdade do espírito humano?”

Essas palavras de algum modo pareciam ter criado uma pequena fresta nas duras paredes de sua dependência emocional por onde passavam agora pequenos raios de luz. O silêncio da reflexão foi interrompido pelo toque do seu celular. Era sua ex-esposa questionando-o quando ao dia em que faria o depósito da pensão do mês.

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!