Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

18 janeiro 2011

A violência não está só no matar

Amigos
As chuvas chegaram e se foram, e as enormes pedras resplandeciam ao sol da manhã. Havia água nos leitos secos dos rios e o solo se regozijava novamente; a terra estava mais vermelha e cada arbusto, cada fibra do pasto estavam mais verdes, e nas árvores de raízes profundas apareciam folhas novas. O gado começava a engordar e os aldeões se viam menos magros. Estes morros são tão antigos como a terra, e os enormes pedregulhos parece haver sido colocados aí com esmerado equilíbrio. Para oeste há um morro que tem a configuração de uma grande plataforma, sobre a qual há construído um templo quadrado.

Os meninos da aldeia caminhavam várias milhas para aprender a ler e escrever; havia aqui uma menina pequena que se dirigia completamente só e com o rosto radiante, à escola da aldeia mais próxima, levando numa mão um livro e na outra um pouco de comida. Quando nos cruzamos se deteve, tímida e inquisitiva, si tivéssemos permanecido assim por mais tempo haveria chegado tarde na sua escola. Os arrozais se viam surpreendentemente verdes. Era uma longa e aprazível manhã.

Dois corvos estavam brigando no alto, grasnando e destroçando-se um ao outro. No ar não havia suficiente apoio, de maneira que pousaram na terra para continuar pelejando. Pelo solo começaram a voar plumas e a luta começou a ficar muito séria. Prontamente, próximo duma dezena de outros corvos desceu sobre eles e colocou fim à peleja. Depois de uma quantidade de grasnidos e rabugens, todos desapareceram entre as árvores.

A violência está em todas as partes, tanto entre os altamente educados como entre os mais primitivos, entre os intelectuais e entre os sentimentais. Nem a educação, nem as religiões organizadas tem sido capazes de amansar ao homem; pelo contrário, tem sido os responsáveis pelas guerras, as torturas, os campos de concentração e a matança de animais na terra e no mar. Quanto mais progresso, mais cruel parece tornar-se o homem. A política tem se convertido em gangsterismo, um grupo contra outro grupo; o nacionalismo nos tem conduzido à guerra, há guerras econômicas, há ódios pessoais, há violência. O homem não parece aprender nada da experiência e o conhecimento, e a violência prossegue em todas suas formas. Que lugar ocupa o conhecimento na transformação do homem e de sua sociedade?

A energia que se tem dedicado à acumulação de conhecimentos, não tem transformado ao homem, não tem colocado um fim à violência. A energia que se tem investido em milhares de explicações do por que o homem é tão agressivo, tão brutal e insensível, não tem colocado fim à sua crueldade. A energia que se tem gastado em analisar as causas de sua insana destruição, de seu prazer na violência, de seu sadismo, de sua atividade divergente, de modo algum tem feito com que o homem seja mais benévolo e considerado. Apesar de todas as palavras e os livros, das ameaças e os castigos, o homem continua com sua violência.

A violência não está só no matar, na bomba, nas mudanças revolucionárias que se produzem mediante derramamentos de sangue; é mais profunda e sutil. O conformismo e a imitação são indicações de violência; a imposição e aceitação da autoridade indicam violência; a ambição e a competição são uma expressão desta condição agressiva, desta crueldade, e a comparação produz inveja com sua animosidade e seu ódio. Onde há conflito, interno ou externo, aí está o terreno para a violência. A divisão em todas suas formas traz consigo luta e sofrimento.

Todos conhecemos isto; temos lido sobre as ações da violência, as temos visto em nós mesmos e ao redor de nós, temos escutado muito a respeito e não obstante, a violência não terminou. Por que? As explicações a respeito das causas de uma conduta semelhante não têm real significação. Se nos comparássemos nelas, estamos esbanjando a energia que necessitamos a fim de superar a violência. Necessitamos de toda nossa energia para nos enfrentar com a energia que dissipa a violência e ir mais além dela. Controlar a violência é outra forma de violência, porque o controlador é o controlado. Na atenção total, que é a soma total da energia, chega a seu fim a violência em todas as suas formas. A atenção não é uma palavra, não é uma fórmula abstrata do pensamento, senão uma ação na vida cotidiana. A ação não é uma ideologia porque se a ação é o resultado de uma ideologia, conduz à violência.

Depois das chuvas, o rio passa ao redor de cada pedra, de cada cidade e aldeia, e por contaminado que se encontre, se purifica a si mesmo correndo através de vales, desfiladeiros e pradarias.

Autor: Krishnamurti

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!