Tolamente pensamos, em nossos dias de pecado, que devemos cortejar amigos para estar de acordo com costumes sociais, vestimentas e educação, seus julgamentos. Mas apenas poderá ser minha amiga aquela alma que eu encontrar na linha de minha própria marcha, a alma que eu não desaprove e que não me desaprove e, nativa das mesmas latitudes celestiais, repita toda a minha experiência na sua própria.
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Nada é punido com maior rigor que a negligência para com as afinidades que, sozinhas, deveriam ser responsáveis pela formação da sociedade, e a insana levianidade de escolher companhia pelos olhos dos outros.
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Reprovo a sociedade, abraço a solidão e, no entanto, não sou tão ingrato a ponto de não ver o sábio, o amável e o de mente nobre quando tempos em tempos eles passam diante de meu portão. Quem me ouve, quem me entende, torna-se meu - uma possessão para todos os instantes. E não será a natureza tão pobre a ponto de não me ofertar esta alegria diversas vezes, de modo que tecemos nossos próprios fios sociais, uma nova teia de relações; e, como diversos pensamentos em sucessão se auto-substanciam, de um momento para o outro nos encontraremos em um novo mundo de nossa própria criação, não mais forasteiros e peregrinos em um globo que nos foi entregue. Meus amigos a mim vieram sem que eu os buscasse. O grande Deus a mim os deu. Pelo mais antigo direito, pela divina afinidade da virtude consigo mesma, eu os encontro, ou melhor, não eu, mas a Divindade que em mim e neles habita suprime e faz ridículas as muralhas espessas do caráter individual - e das relações, da idade, do sexo, das circunstâncias, com as quais ele normalmente conspira - tornando assim um o que era múltiplo. Muitos agradecimentos vos devo, amantes excelsos que levam para mim o mundo a novas e nobres profundezas, e alargam o significado de todos os meus pensamentos.
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A alma cerca-se de amigos para que possa alcançar maior autoconhecimento ou solidão; e ela permanece sozinha por uma temporada, para que possa melhorar sua conversação ou companhia. Este método se mostra ao longo de toda a história de nossas relações pessoais. O instinto para a afeição revive a esperança de união com nossos iguais, e a sensação de isolamento que revém nos faz suspender a busca.
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Procuramos por nosso amigo não de modo sagrado, mas com paixão adulterada, que dele quer fazer nossa posse. Em vão. Somos totalmente armados de sutis antagonismos que, tão logo nos encontramos, entram em jogo e traduzem toda poesia em decomposta prosa. Quase todas as pessoas se rebaixam para se encontrar. Toda associação deve ser um compromisso e, o que é pior, a própria flor e o aroma da flor em cada uma das belas naturezas desaparecem quando se aproximam das outras. Que perpétuo desapontamento é a sociedade real, mesmo a dos virtuosos e dotados! Depois de encontros terem sido arranjados com grande antecipação, vemo-nos atormentados por explosões abafadas, por súbitas e intempestivas apatias, por convulsões do engenho e dos impulsos vitais, no auge da amizade e do pensamento. Nossas faculdades não nos correspondem, e ambas as partes se sentem aliviadas com a solidão.
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Não desejo tratar amizades com suavidade, mas com a mais áspera coragem. Quando elas são reais, não são lâminas de vidro ou esculturas de gelo, mas a coisa mais sólida que conhecemos.
Ralph Waldo Emerson