Desprovidos de asas e de plumas, os indivíduos medíocres são incapazes de voar até as alturas ou de se bater contra o rebanho. Sua vida é uma perpétua cumplicidade com os outros. Engajam-se no exército mercenário do primeiro homem firme que saiba submetê-los ao seu jugo. Passam pelo mundo cuidando de sua sombra e ignorando sua personalidade. Nunca chegam a se individualizar: ignoram o prazer de exclamar "eu sou", diante dos outros. Sozinhos, não existem. Sua estrutura amorfa obriga-os a se apagar numa raça, num povo, num partido, numa seita, num grupo: sempre imitando os outros. Apoiam todas as doutrinas e preconceitos, consolidados através dos séculos. Assim vegetam. Seguem o caminho das menores resistências, nadando a favor de toda corrente e mudando com ela; não há mérito em seu nadar correnteza abaixo: é simples incapacidade de nadar correnteza acima. Crescem porque sabem se adaptar à hipocrisia social, como os vermes à entranha.
São refratários a todo gesto digno; são hostis a ele. Conquistam "honras" e alcançam "dignidades", em plural; inventaram o inconcebível plural de honra e de dignidade, singulares e inflexíveis por definição. Vivem às custas dos outros e para os outros: sombras de um povo, sua existência é o acessório de focos que as projetam. Carecem de luz, de arrojo, de fogo, de emoção. Neles, tudo é emprestado.
Os indivíduos excelentes ascendem à própria dignidade nadando contra todas as correntes degeneradoras, a cujo refluxo resistem com garra. Comparados com outros, são facilmente reconhecíveis, nunca apagados por essa bruma moral em que eles se desbotam. Sua personalidade é todo brilho e realce: "Firmeza e luz, como cristal e rochedo", breves palavras que sintetizam sua definição perfeita. Seguros em suas crenças, leais a seus afetos, fiéis a sua palavra. Nunca se obstinam no erro, jamais traem a verdade. Ignoram o impudor da inconstância e a insolência da ingratidão. Lutam contra os obstáculos e enfrentam as dificuldades. São respeitosos na vitória e se dignificam na derrota como se para eles a beleza estivesse na luta e não em seu resultado. Sempre, invariavelmente, dirigem o olhar para alto e longe; detrás de cada momento presente, tão fugidio, divisam um Ideal mais respeitável quanto mais distante estiver. Esses nobres são raríssimos; vive um em um milhão. Possuem uma firme linha moral que lhes serve de esqueleto ou armadura. São alguém. Sua fisionomia é única e não pode ser de mais ninguém; são inconfundíveis, capazes de imprimir sua marca indelével em mil iniciativas fecundas. As pessoas domesticadas os teme, como a chaga ao bisturi; sem percebê-lo, no entanto, adora-os com seu desdém. São os verdadeiros amos da sociedade, os que agridem o passado e preparam o futuro, os que destroem e plasmam.
São os atores do drama social, com energia inesgotável. Possuem o dom de resistir à rotina e podem se livrar de sua tirania niveladora. Devido a eles a Humanidade vive e progride. Sempre são excessivos; centuplicam as qualidades que os outros só possuem em germe. A hipertrofia de uma ideia ou de uma paixão torna-os inadaptáveis a seu meio, exagerando sua pujança; mas, para a sociedade, realizam uma função harmoniosa e vital. Sem eles se imobilizaria o progresso humano, estagnando-se como um veleiro surpreendido em alto mar pela bonança. Deles, somente deles, a história e a arte costumam se ocupar, interpretando-os como arquétipos da Humanidade.
O homem que pensa com sua própria cabeça e a sombra que reflete os pensamentos alheios, parecem pertencer a mundos diferentes. Homens e sombras: diferem como o cristal e a argila.
O cristal possui a forma determinada pela sua própria composição química. Pode cristalizar-se nela ou não, conforme o caso, mas sempre será fiel à sua própria forma. Quando o vemos, podemos reconhecê-lo inequivocamente. Da mesma forma, o homem superior é sempre uno, por si mesmo, diferente dos outros. Se o clima for propício, converte-se em núcleo de energias sociais, projetando sobre o meio suas próprias características, igual ao cristal que numa solução saturada provoca novas cristalizações semelhantes a si mesmo, criando formas de seu próprio sistema geométrico. A argila, pelo contrário, carece de forma própria e toma a que lhe imprimem as circunstâncias exteriores, os seres que a pressionam ou as coisas que a rodeiam. Conserva o rastro de todos os sulcos e a marca de todos os dedos, como a cera, como a massa de modelar; será cúbica, esférica ou piramidal, de acordo com a modelação. Assim são os indivíduos medíocres: sensíveis às coerções do meio em que vivem, incapazes de servir a uma fé ou uma paixão.
As crenças são o suporte do caráter. O homem que possui crenças firmes e elevadas, possui excelente caráter. As sombras não crêem. A personalidade está em perpétua evolução e o caráter individual é seu instrumento delicado; é necessário afiná-lo sem descanso nas fontes da cultura e do amor. O que herdamos implica em certa fatalidade, que a educação corrige e orienta. Os homens estão predestinados a conservar sua própria linha entre as pressões coercitivas da sociedade; as sombras não têm resistência, adaptam-se às demais até se desfigurar, domesticando-se. O caráter se expressa por atividades que constituem a conduta. Cada ser humano tem o caráter correspondente a suas crenças: se for "firmeza e luz", como disse o poeta, a firmeza está nos sólidos fundamentos de sua cultura, e a luz, em sua elevação moral.
Os elementos intelectuais não são suficientes para orientar as sombras; a fraqueza do caráter depende tanto - ou mais - da consistência moral como da intelectual. Sem nenhuma inteligência, é impossível ascender pelos caminhos da virtude: sem nenhuma virtude, são inacessíveis os caminhos da inteligência. Na ação, caminham juntas. A força das crenças está em não ser puramente racionais; pensamos com o coração e com a cabeça. Elas não implicam um conhecimento exato da realidade; servem simplesmente para avaliá-la, uma avaliação suscetível de correção ou substituição. São instrumentos atualizados; cada crença é uma opinião contingente e provisória. Todo juízo implica uma afirmação. Toda negação é, por si mesma, afirmativa; negar é afirmar uma negação. A atitude é idêntica: acredita-se no que se afirma ou se nega. O contrário da afirmação não é a negação, é a dúvida. Para afirmar ou negar, é indispensável crer. Ser alguém é crer intensamente; pensar é crer; amar é crer; odiar é crer; viver é crer.
As crenças são a mola de toda atividade humana. Não necessitam ser verdades: cremos antes de qualquer raciocínio e toda nova noção é adquirida através de crenças preconcebidas. A dúvida deveria ser mais comum, minando os critérios de certeza lógica. A primeira reação, no entanto, é uma adesão ao que se apresenta para nossa experiência. A maneira primitiva de pensar as coisas consiste em acreditar nelas tais como as sentimos. As crianças, os selvagens, os ignorantes e os espíritos fracos estão expostos a todos os erros, joguetes frívolos das pessoas, coisas e circunstâncias. Qualquer um desvia os barcos sem governo. Essas crenças são como os pregos que entram com um só golpe; as convicções firmes entram como os parafusos, pouco a pouco, pela observação e pelo estudo. Custa mais trabalho adquiri-las; mas enquanto os pregos cedem ao primeiro puxão vigoroso, os parafusos resistem e mantêm de pé a personalidade. A genialidade e a cultura corrigem as fáceis ilusões primitivas e as rotinas impostas ao indivíduo pela sociedade: a amplidão do saber permite aos homens formar ideias próprias. Viver arrastado pelas alheias equivale a não viver. Os medíocres são obra dos outros e estão em todas partes: maneira de não ser ninguém e não estar em nenhum lugar...
Diz o ditado bíblico: sereis julgados pelas suas obras. Quanto são os que parecem homens e só valem pelas posições alcançadas entre medíocres corruptos! Visto de perto, examinadas suas obras, são menos que nada, valores negativos. Sombras.
José Ingenieros