Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

08 janeiro 2011

A domesticação dos medíocres

O medíocre é uma sombra: sua vida inteira é um processo contínuo de domesticação social. Se alguma caraterística própria permite diferenciá-lo de seu rebanho, os medíocres se lançam sobre ele para apagá-la, complicando sua insegura originalidade numa multidão imensa. O rebanho oferece-lhe inúmeras vantagens. Não é surpreendente que ele as aceite em troca de algumas renúncias compatíveis com sua estrutura moral. Não exige dele coisas inverossímeis; basta sua condescendência passiva, sua alma de servo.

Enquanto os homens resistem às tentações, as sombras escorregam ladeira abaixo. Se alguma partícula de originalidade atrapalha seu caminho, eliminam-na para confundir-se melhor com os outros. Parecem sólidas e se abrandam, ásperas e se suavizam, ariscas e se amansam, calorosas e se amornam, viris e se afeminam, erguidas e se dobram. Mil sórdidos laços as espreitam desde que tomam contato com seus semelhantes: aprendem a medir suas virtudes e a praticá-las com parcimônia. Para elas, cada distanciamento custa um desengano, cada desvio vale uma desconfiança. Amoldam seu coração aos preconceitos e sua inteligência às rotinas: a domesticação facilita-lhes a luta pela vida.

A Mediocridade teme o homem digno e adora o servo... A boa linguagem clássica chamava de doméstico todo homem que servia. E era justo. O hábito da servidão traz consigo sentimentos de domesticidade tanto nos cortesãos como no povo... Os indivíduos excelentes são indomesticáveis: orientam-se pelo seu Ideal. Sua "firmeza" os sustenta: sua "luz" os guia. As sombras, pelo contrário, degeneram. Facilmente a cera derrete: o cristal Jamais perde sua aresta. Os medíocres encharcam sua sombra quando o meio os instiga; os superiores se elevam na mesma proporção em que se deteriora o ambiente. Na boa fortuna e na adversidade, amando e desprezando, entre risos e lágrimas, cada homem firme possui um modo peculiar de se comportar, que é a sua síntese: seu caráter. As sombras não têm essa unidade de conduta que permite prever o gesto em todas as ocasiões. 

Aquele que persegue a Verdade sobrepõe-se à sociedade em que vive: trabalha para esta e pensa por todos, antecipando-se, contrariando suas rotinas. Tem uma personalidade social adaptada para as funções que não pode exercer isoladamente, mas seus sentimentos sociais não exigem cumplicidade com o que não está claro. Quando se une com os outros conserva livres o coração e o cérebro, porque possui algo próprio que nunca o desorienta: aquele que possuí caráter não se domestica. 

O tempo e o exercício adaptam o indivíduo à vida servil. O hábito de se arrastar cria mecanismos cada vez mais sólidos, um automatismo que apaga para sempre qualquer característica individual. O medíocre enche-se de estigmas que o separam definitivamente do homem digno. Mesmo emancipado, continua sendo lacaio e dá corda a baixos instintos. 

O costume de obedecer engendra uma mentalidade doméstica. Aquele que nasce de servos traz a servidão no sangue. Herda hábitos servis e não encontra ambiente propício para formar um caráter. A vida iniciada na servidão não adquire dignidade.

Nos mundos minados pela hipocrisia tudo conspira contra as virtudes civis: os homens se corrompem uns aos outros, imitam-se na fraude, estimulam-se no que é turvo, justificam-se reciprocamente. Uma atmosfera morna entorpece aquele que cede pela primeira vez à tentação do que é injusto; as consequencias da primeira falta podem chegar até o infinito. Os medíocres não sabem evitá-la; o propósito de voltar ao bom caminho e se emendar seria inútil. Para as sombras não há reabilitação; preferem justificar os desvios leves, sem perceber que elas preparam os graves. Todos os homens conhecem essas pequenas fraquezas, pois de outro modo seriam perfeitos desde a origem; mas enquanto tocam de leve os indivíduos firmes sem deixar rastro, nos fracos aram um sulco por onde se facilita a recaída. Esse é o caminho do envilecimento. Os virtuosos o ignoram; os honestos sofrem a tentação. Os homens sem ideais são incapazes de resistir às armadilhas de riquezas materiais semeadas em seu caminho. Quando cedem à tentação são cevados, como as feras que conhecem o sabor do sangue humano. 

José Ingenieros

Gostou? Então compartilhe!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Postagens populares

Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!