O medíocre é uma sombra: sua vida inteira é um processo contínuo de domesticação social. Se alguma caraterística própria permite diferenciá-lo de seu rebanho, os medíocres se lançam sobre ele para apagá-la, complicando sua insegura originalidade numa multidão imensa. O rebanho oferece-lhe inúmeras vantagens. Não é surpreendente que ele as aceite em troca de algumas renúncias compatíveis com sua estrutura moral. Não exige dele coisas inverossímeis; basta sua condescendência passiva, sua alma de servo.
Enquanto os homens resistem às tentações, as sombras escorregam ladeira abaixo. Se alguma partícula de originalidade atrapalha seu caminho, eliminam-na para confundir-se melhor com os outros. Parecem sólidas e se abrandam, ásperas e se suavizam, ariscas e se amansam, calorosas e se amornam, viris e se afeminam, erguidas e se dobram. Mil sórdidos laços as espreitam desde que tomam contato com seus semelhantes: aprendem a medir suas virtudes e a praticá-las com parcimônia. Para elas, cada distanciamento custa um desengano, cada desvio vale uma desconfiança. Amoldam seu coração aos preconceitos e sua inteligência às rotinas: a domesticação facilita-lhes a luta pela vida.
A Mediocridade teme o homem digno e adora o servo... A boa linguagem clássica chamava de doméstico todo homem que servia. E era justo. O hábito da servidão traz consigo sentimentos de domesticidade tanto nos cortesãos como no povo... Os indivíduos excelentes são indomesticáveis: orientam-se pelo seu Ideal. Sua "firmeza" os sustenta: sua "luz" os guia. As sombras, pelo contrário, degeneram. Facilmente a cera derrete: o cristal Jamais perde sua aresta. Os medíocres encharcam sua sombra quando o meio os instiga; os superiores se elevam na mesma proporção em que se deteriora o ambiente. Na boa fortuna e na adversidade, amando e desprezando, entre risos e lágrimas, cada homem firme possui um modo peculiar de se comportar, que é a sua síntese: seu caráter. As sombras não têm essa unidade de conduta que permite prever o gesto em todas as ocasiões.
Aquele que persegue a Verdade sobrepõe-se à sociedade em que vive: trabalha para esta e pensa por todos, antecipando-se, contrariando suas rotinas. Tem uma personalidade social adaptada para as funções que não pode exercer isoladamente, mas seus sentimentos sociais não exigem cumplicidade com o que não está claro. Quando se une com os outros conserva livres o coração e o cérebro, porque possui algo próprio que nunca o desorienta: aquele que possuí caráter não se domestica.
O tempo e o exercício adaptam o indivíduo à vida servil. O hábito de se arrastar cria mecanismos cada vez mais sólidos, um automatismo que apaga para sempre qualquer característica individual. O medíocre enche-se de estigmas que o separam definitivamente do homem digno. Mesmo emancipado, continua sendo lacaio e dá corda a baixos instintos.
O costume de obedecer engendra uma mentalidade doméstica. Aquele que nasce de servos traz a servidão no sangue. Herda hábitos servis e não encontra ambiente propício para formar um caráter. A vida iniciada na servidão não adquire dignidade.
Nos mundos minados pela hipocrisia tudo conspira contra as virtudes civis: os homens se corrompem uns aos outros, imitam-se na fraude, estimulam-se no que é turvo, justificam-se reciprocamente. Uma atmosfera morna entorpece aquele que cede pela primeira vez à tentação do que é injusto; as consequencias da primeira falta podem chegar até o infinito. Os medíocres não sabem evitá-la; o propósito de voltar ao bom caminho e se emendar seria inútil. Para as sombras não há reabilitação; preferem justificar os desvios leves, sem perceber que elas preparam os graves. Todos os homens conhecem essas pequenas fraquezas, pois de outro modo seriam perfeitos desde a origem; mas enquanto tocam de leve os indivíduos firmes sem deixar rastro, nos fracos aram um sulco por onde se facilita a recaída. Esse é o caminho do envilecimento. Os virtuosos o ignoram; os honestos sofrem a tentação. Os homens sem ideais são incapazes de resistir às armadilhas de riquezas materiais semeadas em seu caminho. Quando cedem à tentação são cevados, como as feras que conhecem o sabor do sangue humano.
José Ingenieros