Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

22 novembro 2010

O Vício de Amar

Katy baixou o papel de carta cor-de-rosa e perfumado, coberto com uma caligrafia delicada e feminina. Seus olhos encheram-se de lágrimas, sua garganta apertou-se e ela dobrou o corpo, atingida pela dor.

- Não, Ronnie, outra não! - balbuciou entre soluços. - Outra vez eu não agüento!

A carta, descoberta no bolso do terno que ela ia levar ao tintureiro, era um bilhete de Cassie, a jovem secretária que o marido contratara há um mês. Descrevia, em dolorosos detalhes, o divertido final de semana que o marido passara com a garota - em Acapulco. Katy pensara que o marido estivesse em San Francisco, a negócios.

Bonita e bronzeada, Katy era esposa de Ronnie há oito anos. Com trinta e cinco anos de idade, podia passar facilmente por vinte e cinco.

Trabalhara duro para ficar em forma desde a ocasião em que quase se divorciaram, dois anos antes, e ela quis desesperadamente obter a atenção e o amor do marido. Mas parece nunca ter atingido seu objetivo.

Alguns meses depois do casamento Ronnie tornou-se distante, ausente. Seu negócio estava crescendo, explicava ele, cada vez mais envolvido com os documentos que trazia para casa à noite. Também parecia fazer muitos negócios em reuniões noturnas e em viagens para outras cidades. Naquela ocasião, Katy descobrira que ele estava tendo um caso com alguém - uma estranha que ela não conhecia. Primeiro horrorizada, depois zangada, ela o confrontara e ameaçara deixá-lo se ele não terminasse tudo. Quando ele respondera que precisava pensar sobre o assunto, ela arrumara as roupas dele em caixas, enviando-as para o
escritório enquanto ele viajava, e trocara as fechaduras da casa. Estava apavorada com a idéia de que ele resolvesse deixá-la, mas tomou essas atitudes porque precisava forçá-lo a tomar uma decisão imediata. Se ele decidisse partir, Katy tinha um plano para atirar-se aos pés dele e suplicar, sabendo que iria sentir-se vazia sozinha. Mas não precisou lançar mão do segundo plano.

Conseguiu captar-lhe a atenção. Ronnie mandou um buquê de rosas, convidou-a para jantar, desmanchou-se em desculpas sinceras e jurou que aprendera a lição. Disse que sempre a amou, e que nunca quisera perde-la.

Ela acreditou e permitiu-se ficar feliz e cheia de esperança. A intensidade emocional do quase-divórcio a rejuvenescera, fazendo-a sentir-se viva outra vez, e Ronnie também dera a impressão de renovar-se. Ele foi morar com ela outra vez, e os dois iniciaram a longa estrada de volta à confiança.

Katy apoiava-se em Ronnie até para existir, sentindo-se bem porque ele voltara, esperando ser cuidada e amada da forma que acreditava precisar. Depois de todos os esforços para restaurar o relacionamento e estabelecer a confiança, ela ficara chocada com a descoberta do novo caso amoroso do marido.

- O que eu tenho de errado? - queixou-se para si mesma. - Não fiz tudo o que podia para ele ficar feliz? Se ele for embora vou ficar indefesa.

Não sei fazer a contabilidade do talão de cheques, nem arrumar o jardim, nem programar o conserto do carro. Ele sabe que eu preciso dele! E nem conversa mais comigo. Não tenho a menor idéia sobre o que ele está pensando, ou sentindo.

Nas noites que voltava para casa, Ronnie geralmente apanhava uma cerveja e ligava a televisão para assistir ao noticiário das seis e meia. Depois do jantar ele ia para o estúdio trabalhar, ou ler um livro, ou dava um pulo na garagem para completar algum projeto. Ele e Katy faziam sexo duas ou três vezes por semana, e geralmente ambos ficavam satisfeitos.

Nessa noite em particular, reparou no tremor das mãos de Katy e em seus olhos avermelhados. Acho que vamos ter uma boa discussão se eu não tiver cuidado, pensou. Deu de ombros e atravessou a sala para ligar a televisão. O noticiário já ia pela metade quando uma folha fina de papel cor-de-rosa flutuou por sobre seus ombros e aterrissou em seu colo. Ele gelou, lembrando-se de ter deixado a carta no bolso do terno.

Sem esperar uma palavra de Katy, gritou:

- Diabo! Por que você é tão enxerida? Parece que eu vejo você espionando o tempo todo! Vou sair daqui, isso sim!

Ronnie levantou e saiu pela porta, batendo-a com força. Deixou Katy tremendo de raiva, olhando para a porta e escutando a partida do carro; depois o ruído do motor que se afastava...

Essa história poderia ter sido sobre um relacionamento romântico no qual não tivesse ocorrido infidelidade, mas uma outra condição de destruição de intimidade; sobre um pai tentando endireitar um adolescente viciado em drogas; sobre um filho devotado tentando sem êxito chamar sobre si a atenção e o amor do pai; ou ainda sobre uma mulher continuamente magoada pela melhor amiga, que nunca pode estar lá para alguém que a ama e precisa dela. Essas histórias têm todas algo em comum: descrevem um vício doloroso em relação a determinado tipo de pessoa, alguém, ao que parece, incapaz de corresponder à devoção dedicada a ele ou a ela. Chamamos esse processo dependente, de “vício de amar”.



VICIADOS EM AMOR, SEUS PARCEIROS, E O RELACIONAMENTO FORMADO POR ELES

O livro O Vício de Amar tem três propósitos:
(1) descrever o Viciado em Amar, a pessoa insensível à qual o Viciado em Amar se liga (que chamaremos de Viciado em Evitar), e o processo viciante criado pelos dois;

(2) descrever um processo de cura para o vício de amar;

(3) descrever as características de um relacionamento sadio, e as expectativas fantasiosas que as pessoas apresentam em relação a isso. Esse livro é uma ferramenta de educação; você pode utilizá-lo, seja ou não um Viciado em Amar, e mesmo que não mantenha um relacionamento com um deles.

Em primeiro lugar, vamos examinar as características do vício de amar, e como podemos distinguí-lo da codependência básica. Vamos citar algumas das experiências infantis que predispõem uma pessoa a viciar-se
em amor. Vamos examinar o ciclo emocional que um Viciado em Amar experimenta ao aproximar-se de outra pessoa e iniciar um relacionamento.

Falaremos da frustração progressiva, da dor, e do comportamento auto-destrutivo que aparecem nos estágios mais avançados do processo de dependência. Vamos também examinar o impacto dos sintomas codependentes na forma do Viciado em Amar relacionar-se.

A seguir descrevemos as características do Viciado em Evitar, a pessoa que atrai o Viciado em Amar. Vamos examinar o ciclo emocional experimentado por essa pessoa, em seu relacionamento com o Viciado em Amar, e o impacto dos sintomas de codependência no Viciado em Evitar.


Também citaremos experiências infantis que podem produzir um Viciado em Evitar.

A seguir exploraremos o “relacionamento inter-viciado” - a experiência tóxica que esses dois viciados criam quando interagem um com o outro. Esse relacionamento parece ser um processo tão viciante quanto o alcoolismo, as drogas, ou qualquer outro vício. A medida que os dois vão se tornando íntimos, são impelidos a adotar comportamentos obsessivos e compulsivos, que não beneficiam nenhum deles. Reagem um ao outro quase sem auto-controle, enxergando seu vício, ou as relações interviciadas como distintas da codependência, e necessitam de tratamentos separados para o vício e para a codependência.

O tratamento para codependência parece um pré-requisito necessário para uma recuperação eficaz do vício de amar. Isso acontece porque um Viciado em Amar apresentando sintomas não tratados de codependência é incapaz de reconhecer a dinâmica de seu vício, ou de suportar a privação da parte viciante do relacionamento.


Separando a Codependência do Vício de Amar

Um Viciado em Amar é alguém que é dependente de, envolve-se com, e concentra-se compulsivamente em tomar conta de outra pessoa. Enquanto alguns descrevem esse comportamento como codependência, acredito que a codependência seja um fenômeno de maior alcance, numa área de problemas mais fundamentais. Embora ser um codependente possa levar algumas pessoas ao vício de amar, nem todos os codependentes são Viciados em Amar, como veremos.

O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA DOENÇA DA CODEPENDÊNCIA

A codependência é uma doença de imaturidade, causada por trauma infantil. Os codependentes; são imaturos ou infantis a tal ponto que chega a atrapalhar-lhes a vida. Um processo de doença, segundo o Dicionário Médico Diland é “um processo mórbido definido, possuindo uma cadeia característica de sintomas. Pode afetar o corpo todo ou qualquer das partes, e sua etiologia (ou causa), patologia e prognóstico podem ser conhecidos ou desconhecidos”. Chamo a cadeia de sintomas que caracterizam a codependência de cerne, ou sintomas primários, e estes descrevem como os codependentes são incapazes de ter um relacionamento sadio consigo mesmos. Esses são os sintomas primários, ou cerne da codependência:


  1. Dificuldade para experimentar níveis apropriados de auto-estima, o que significa dificuldade de amar a si mesmo.
  2. Dificuldade em estabelecer fronteiras funcionais com outras pessoas, o que significa dificuldade de proteger a si mesmo.
  3. Dificuldade de absorver a própria realidade, o que significa dificuldade de saber quem é, e de saber como partilhar com outros.
  4. Dificuldade de satisfazer as necessidades e defeitos do adulto, o que significa dificuldade em cuidar de si mesmo.
  5. Dificuldade em experimentar e expressar a própria realidade com moderação, o que significa dificuldade em comportar-se de forma adequada para a própria idade e circunstâncias.

Além desses, existem cinco sintomas secundários que refletem a forma como os codependentes acreditam que o comportamento das outras pessoas é o motivo pelo qual não conseguem relacionamentos saudáveis. Os pensamentos originados nesses sintomas secundários criam problemas em relacionamentos dos codependentes com outros, porém tais sintomas derivam do cerne do problema, que é a dificuldade de relacionamento consigo mesmo. Os cinco sintomas secundários são:
  1. controle negativo
  2. ressentimento
  3. disparidade espiritual
  4. vícios, ou doença física e mental
  5. dificuldade com a intimidade.
1. CONTROLE NEGATIVO

Os codependentes (1) tentam controlar os outros, dizendo-lhes como devem ser a fim de que eles próprios se sintam confortáveis; ou (2) permitem que os outros controlem suas ações, e digam quem os codependentes devem ser, para que os outros sintam-se confortáveis. Qualquer dessas formas de controle negativo cria respostas negativas na pessoa que está sendo controlada, o que leva os codependentes a culpar os outros por sua falta de habilidade em lidar com eles mesmos.

2. RESSENTIMENTO

Os codependentes utilizam o ressentimento como uma forma fútil de proteger a si mesmos e readquirir auto-estima. Quando as pessoas são agredidas, experimentam duas coisas com intensidade: uma queda de auto-estima e valor, e uma profunda necessidade de encontrar uma forma de parar a agressão.

A raiva enche as pessoas com um sentido de poder e energia. Em quantidades saudáveis, a raiva fornece a força necessária para se proteger a si mesmo. Mas quando reciclamos a raiva, e a combinamos com uma obsessão no sentido de punir o agressor, ou apenas vingança, temos o ressentimento. Se realizamos ou não esses atos, não é determinante, e sim o desejo de realizá-los. O ressentimento debilita o codependente por causa do processo de repassar a agressão mentalmente, o que provoca emoções dolorosas, como a vergonha, raiva não extravasada, e frustrações deprimentes. O ressentimento representa um papel importante no atraso que os codependentes sofrem ao culpar os outros pela própria incapacidade de proteger a si mesmos estabelecendo limites sadios.

3. DISPARIDADE ESPIRITUAL

Os codependentes tornam outra pessoa seu Poder Máximo, através do ódio, do medo ou da adoração, e da tentativa de tornar-se esse Poder Máximo. Esteja ou não consciente desse procedimento, o sintoma secundário pode causar mágoa, ou ser prejudicial para a saúde e para a vida do codependente.

4. VÍCIOS, OU DOENÇAS FÍSICAS E MENTAIS

Nossa habilidade de enfrentar a realidade está diretamente ligada com um relacionamento saudável consigo mesmo, o que significa amar a si mesmo, proteger a si mesmo, identificar-se consigo mesmo, cuidar de si mesmo, e moderar-se. Viver tal relação sadia consigo mesmo nos permite enfrentar a realidade sobre quem somos, quem são os outros, quem é o Poder Máximo em nossas vidas, e a realidade da situação atual. Desenvolver essas habilidades e percepções é o cerne da recuperação da codependência. Porém, quando não conseguimos um relacionamento interno, nem senso de adequação, a dor resultante em nosso interior, em nossos relacionamento com os outros e com o Poder Máximo, freqüentemente nos leva a um processo viciante, para aliviar rapidamente a dor.

Acredito, portanto, que uma pessoa viciada é provavelmente também codependente; e pelo raciocínio inverso, um codependente tende a desenvolver um ou mais processos viciantes ou obsessivos. Esse sintoma secundário, portanto, é o primeiro elo de ligação entre os codependentes e qualquer outro vício - particularmente o vício de amar. Enquanto experimenta a dor interna, muitas vezes sem reconhecê-la, o Viciado em Amar culpa outros por sua falha de relacionamento consigo mesmo, e volta-se para um determinado tipo de relacionamento íntimo, acreditando que a outra pessoa deva e consiga amenizar essa dor, doando amor e atenção incondicionalmente, e cuidando do Viciado em Amar.

5. DIFICULDADE COM A INTIMIDADE

A intimidade envolve o ato de partilhar nossa própria realidade e receber a realidade de outro sem julgamentos, e sem tentar modificá-la. Os codependentes com dificuldade de saber quem são (sua realidade), e partilhar esse conhecimento, não conseguem ter uma forma sadia de intimidade. Sem partilhar suas realidades, os codependentes não podem verificar suas concepções imaturas e continuam a ter problemas em seus relacionamentos.
(...)

QUEM É A VÍTIMA?

A imaturidade combinada de cada um intensifica o relacionamento interviciado e também o torna caótico e não confiável. Os dois são responsáveis por isso. Nenhum é mais sadio ou doentio do que o outro, pois cada um à sua maneira explora o outro. O Viciado em Amar pode parecer uma vítima indefesa, e o Viciado em Evitar pode parecer mau, ou insensível, porém os dois atingem o companheiro; nenhum é vítima isolada.

O que complica o assunto é que numa relação amorosa esperamos que nossos companheiros se comportem com maturidade, embora nós mesmos continuemos agindo como crianças mimadas, reclamando e esbravejando. Nunca esquecerei o dia em que saí do estado de negação, parei de me iludir sobre minha maturidade e comecei a enxergar a realidade da pessoa com a qual meu marido estava vivendo - eu. Sair da negação foi um grande choque, mas acredito que foi o início da minha recuperação.

Os ciclos que estivemos mostrando são imaturos, estéreis e cheios de dor.

Felizmente existe uma forma sadia e compensadora de conviver num relacionamento.

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Do Livro - O Vício de Amar - Pia Melody
Editora: Best Seller / Círculo do Livro
Ano: 1992
Número de páginas: 263
Acabamento: Capa Dura
Formato: 13,5 x 21

Leia também: O Vício de Evitar

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!