Texto escrito em 13/10/2007, quando deixei os grupos anônimos
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O que estamos buscando nos grupos anônimos de auto-ajuda?
Nestes últimos dias, tenho passado por vários grupos de anônimos, procurando perceber o que busca a maioria de seus membros, seja de forma consciente ou por vezes inconsciente, dentro do ambiente destes grupos. O que digo, é o que vejo, e pode até ser que minha visão esteja completamente deturpada, mas, só por agora, é a visão que venho conseguindo obter.
Sei por experiência passada com outros leitores, que se você olhar para este texto com a mente presa ao que lhe é tradicional, ao que lhe é conhecido, presa nas próprias conclusões - não haverá a mínima possibilidade de acompanhar aquilo que estou tentando expressar - não poderá ver nada de novo, e é bem capaz que este texto venha tão somente acumular ainda mais confusão na sua própria confusão. Devido ao fato de as minhas palavras não baterem com a visão da consciência coletiva, é natural experimentar logo de início, a forte tendência de rejeitar este texto. No entanto, peço para que você procure ler este texto com a "mente aberta" e mais ainda, que procure ir observando os seus pensamentos e sentimentos durante a leitura do mesmo. Procure ler o que escrevo - não importando se verdadeiro ou falso - para depois poder ver os fatos por você mesmo, uma vez que não há nenhum valor para o autoconhecimento, ficar acumulando informações sobre o que os outros dizem. Procure olhar para os fatos; não se preocupando se a minha visão dos fatos difere da sua visão dos fatos. Procure constatar. Isso para mim é o que significa "manter a mente aberta": estar livre de qualquer concordância ou discordância imediata.
O que constatei é que não existe por parte da consciência coletiva, uma real compreensão da gravidade e seriedade do que se convencionou chamar de doença “mental e emocional”, com suas respectivas formas múltiplas de dependências; uma doença progressiva, de determinação fatal, que pode levar a pessoa à loucura ou à morte prematura. Essa consciência é presente somente num número muito pequeno de membros, que de forma alguma representam a expressão da consciência coletiva. Quando me refiro a loucura, não quero dizer com isso, um estado onde seja necessária uma intervenção clinica psicológica. O que me refiro a um estado de loucura, é continuar empurrando a existência dentro dos ditames da cultura da família e tradição social. O que chamo por morte, não é a morte biológica, mas sim, a morte do espírito (se bem, que a evolução da doença pode levar à morte biológica). Tenho me deparado com verdadeiros "semivivos", onde já não existe energia, o brilho no olhar, a alegria de viver e o tesão pela vida e seus vários relacionamentos. Devido essa total inconsciência quanto a seriedade da situação pela qual muitos de nós atravessamos, percebo a falta de seriedade para com o próprio processo de “recuperação”. Uso esta palavra “recuperação” devido o fato de a mesma fazer parte do jargão de palavras do condicionamento coletivo, e tão somente para poder comunicar minha maneira de ver os acontecimentos. Recuperar, para mim significa vir a obter novamente algo que já tive um dia. A julgar pela minha própria experiência e observação da experiência de terceiros, não creio que um ser humano que vem de um lar e de uma sociedade com um sistema de crenças e educação totalmente disfuncional, possa ter experimentado em algum dia de sua existência condicionada, o que seja um estado de bem-estar comum, fruto de uma unidade interna, onde não existe espaço para uma visão fragmentada da vida, onde não exista o “eu” o “mim” – patrocinadores oficiais de um modo de vida egocentrado. Então, ao meu ver, esta palavra, “recuperação”, não cabe como fator de busca. É uma busca ilusória. O que todos chamam “recuperação” é apenas a obtenção de um “ego melhorado”, e não um verdadeiro estado de transformação, fruto de uma experiência direta do que seja a realidade, a verdade, Deus, Poder Superior, ou seja, lá o nome que cada um de nós possa querer dar a esta energia inominável.
Tenho visto que a grande maioria dos membros não possui seriedade com o próprio processo de autoconhecimento, sem o qual, não pode haver qualquer forma de transformação pessoal, capaz de levar o indivíduo à um estado de unidade interna e consequentemente, de bem-estar comum. A maioria nem sequer procura ler com profundidade a respeito da própria “doença”, ou mesmo se reunir em outros momentos que não sejam os das reuniões, para estudarem os pontos comuns do egocentrismo. Como podemos vencer um inimigo se não estudarmos seus passos, sua maneira de se movimentar, suas estratégias, seu modo de pensar? Mas não é isso no que está interessada a grande maioria; eles buscam por diversão, distração, companhia como forma de fuga da própria solidão. A maioria acaba usando o ambiente da sala, com as respectivas pessoas, para escapar de si mesmos, uma vez que não conseguem ficar com aquilo que são. Durante anos e anos, devido à tradição comportamental das irmandades anônimas, temos sido condicionados pela idéia da necessidade do desabafo, como sendo um fator de cura. Mas, o membro que se encontra condicionado a essa idéia nunca chegará a obter a capacidade de amar, que é um fator resultante do aprender sobre si mesmo, por si mesmo. Podemos continuamente desabafar com outra pessoa, mas o simples desabafo, não resolverá a nossa permanente solidão, originária da falta de compreensão de nós mesmos. O desabafo poderá nos dar a possibilidade de FUGIR do próprio sofrimento, do desespero e da confusão criada pela falta de compreensão dos próprios pensamentos-sentimentos. A idéia do desabafo oferece uma esperança de cura, que com o passar dos dias se mostra ilusória, irreal e que por fim, acaba se tornando uma espécie de ciclo vicioso - mais uma forma de dependência psicológica, alicerçada na idéia de espiritualidade.
Parte dos membros busca - dentro ou fora dos grupos - por um relacionamento, na esperança vã de encontrar consolo, apoio, ou aquilo que acham ser “amor”, e por meio dele, um pai, uma mãe, um marido, uma esposa, um amante, um amigo, - tudo para não lidar com a natureza exata dos próprios infortúnios: um profundo medo do sentimento de solidão, resultante de um modo de vida egocentrado. Outros, por já estarem vivendo a ilusão do que acreditam ser um “relacionamento”, buscam no prestígio, no status, no poder uma forma de segurança psicológica e de auto-afirmação. Puro auto-engano!... A maioria destes membros está presa na rede da busca ilusória de "amor" (que nada tem haver com amor), poder ou prestígio, como se isso pudesse nos proporcionar uma verdadeira transformação na nossa maneira de pensar e conseqüentemente de lidar com a própria existência. Outros buscam tão somente se libertarem da ansiedade, da depressão ou de outros sintomas para poderem se adaptar novamente ao padrão de comportamento social, sem tomarem consciência de que foi justamente por causa desse conformismo que chegaram a desenvolver a neurose, que não é nada mais do que uma ampliação da conformose (a patologia do conformismo). Esse conformismo tem seu início, logo ao chegarmos nos grupos anônimos. Como a maioria de nós chega a estes grupos com a vida de "ponta cabeça", o que mais queremos é saber "como" sair da enorme confusão em que nos encontramos. Só que nunca paramos para pensar que o "como", vindo da experiência de terceiros, é uma forma de ajustamento a um determinado método ou sistema de pensamento - o que obviamente só pode gerar um estado de conformismo, que por sua vez, nos leva a um estado de estagnação e mediocridade. Esse ajustamento ao pensamento de terceiros, acaba nos tornando escravos de um sistema de repetição, de mesmice, onde, por conseguinte, perdemos a capacidade de descobrir a nossa própria mensagem. A grande maioria dos chamados "veteranos" são bem versados na repetição dos princípios contidos nas literaturas do grupo a que pertencem, estando bem familiarizados com a "programação" destes grupos. Mas não é preciso muita psicologia para notar o fato de que esse constante repetir da "programação", ou de frases de outros livros lidos, em nada resolveu os seus problemas egocêntricos; eles continuam lá, encobertos, no mais profundo de si mesmos. Esse constante repetir, rouba-lhes a originalidade, e onde não existe a originalidade, não pode de fato, existir um estado de bem-estar pessoal e em consequência do mesmo, a presença de autênticos e profundos relacionamentos. Seus relacionamentos ficam apenas na superficialidade da adaptação, ou na zona de conforto da respeitabilidade alcançada. É notório o fato de que estes membros não estão interessados na liberdade pessoal, fruto do descondicionamento, mas sim, numa prisão mais espaçosa e colorida, resultante de um novo condicionamento, revestido pela capa da respeitabilidade.
Outro fato que constatei é o de que a consciência coletiva não quer pensar, e por isso, não quer ver ninguém pensando, pois quando alguém começa a pensar fora dos “trilhos tradicionais”, começa a expressar seus pensamentos e sentimentos, que por sua vez, começam a abalar as bases das zonas de conforto do coletivo. A consciência coletiva não quer novos ares, quer ficar na mesma sala com o mesmo ar condicionado de sempre, porque o novo paradigma assusta! O novo paradigma traz consigo a responsabilidade pessoal e a responsabilidade pessoal traz consigo, a solidão mental, traz a discriminação por parte do que é tradicional. Você passa a ser visto como um perigo para a “unidade coletiva”, pelo simples fato de não estar falando a mesmice, da qual todos reclamam, mas se conformam a ouvir. Não raro, esta pessoa que começa a observar os fatos e que por meio dessa observação começa a transmitir aquilo que vê, logo é silenciada pelo método da substituição. Ela passará a não mais ser convidada para expor a sua experiência e invariavelmente será substituída por um "novo líder" que ainda esteja condicionado à programação tradicionalmente repetida pelo coletivo. A substituição é feita devido ao fato de que são bem poucos os que se interessam pela compreensão do significado do que está sendo dito pelo membro, por muitos chamado de "membro ingrato", por que talvez, na compreensão do que se está sendo dito por este membro, se faça necessária uma reviravolta, uma transformação completa da consciência coletiva, transformação esta, que muito poucos desejam. Quando se procura um substituto, um "novo líder", o que na realidade se procura, é simplesmente um novo dente que mantenha a atual engrenagem da Irmandade; não se busca com isso a compreensão, mas sim, pela manutenção da zona de conforto mantenedora da respeitabilidade e continuidade do que se é tradicional. Mas o velho, o tradicional, não têm frescor, não tem vida e por isso, não pode ser um canal de expressão de uma mensagem necessária para revitalizar os demais membros. Só o membro "realmente sério", que pela ação dessa seriedade, expressão do questionamento, se liberta do condicionamento coletivo, pode tornar-se "uma unidade indivisível", portadora de uma mensagem de bem-estar revigorante, capaz de fazer frente ao velho condicionamento coletivo que aprisiona os demais membros.
Voltando a questão das reuniões, é claro que as mesmas oferecem em seu curto período de duração, uma atmosfera de bem-estar, de identificação e acolhimento - proporcionam uma certa tranqüilidade momentânea que é um contraste raro com o sofrimento da rotina, do tédio e da mediocridade do dia-a-dia. Há uma certa "serenidade" nas reuniões, mas, fundamentalmente, estas reuniões só atuam como anestésicos; e, como anestésicos, com o passar dos dias, passam a nos insensibilizar a mente e o coração, por intermédio da repetição constante de frases e chavões antigos. As reuniões se tornam um hábito fortemente arraigado; tornam-se uma necessidade compulsiva onde muitos membros passam a não conseguir viver sem elas. Essa dependência emocional das reuniões é quase sempre justificada como parte fundamental de um "processo de recuperação" ou de "crescimento espiritual". Mas como podemos "crescer espiritualmente" (se é que existe crescimento do espírito) se alimentamos continuamente um processo de dependência? Se olharmos com os olhos bem abertos, longe das lentes do medo, poderemos constatar o fato de que a dependência das reuniões é uma maneira coletivamente aceita de se evitar o autoconhecimento e, sem o autoconhecimento, essas reuniões são muito pouco significativas; servem tão somente para que seus membros possam fugir da própria realidade solitária, fruto da própria dificuldade de comungar de forma efetiva da vida e seus relacionamentos, devido ao fato de não terem a capacidade de amar. Por mais anestesiantes que sejam, estas reuniões, da forma que transcorrem atualmente, são ilusórias, pois não conseguem direcionar o membro para onde apontam os princípios espirituais: uma experiência espiritual direta; elas não podem levar seus membros a uma experiência direta de Deus, ou do nome que se possa dar a essa energia imensurável; ao contrário, elas passam a ser um dos maiores empecilhos para a realização da mesma, sem a qual, não pode haver um autêntico estado de bem-estar e liberdade do espírito humano. É por isso que me fiz o questionamento: O que estamos buscando nas reuniões?
Percebo que muito deste processo de dependência é mantido e incentivado de modo inconsciente pelos assim chamados "veteranos". Em certa ocasião ouvi numa palestra a seguinte expressão: “Quando o antigo já não tem nada de novo para falar, eu fico preocupada!” Hoje vejo a grande sabedoria contida nesta expressão, uma vez que o contrário de saúde não é doença, mas sim, ESTAGNAÇÃO. O que percebo é que grande parte dos chamados veteranos estagnaram numa zona de conforto, se conformaram a viver ali, se ajustaram pela ação do medo ou pela busca de prazer, desejo, conforto e abrigo. Preferiram optar pelo bom no lugar do melhor e tudo isso, por medo! Medo de soltar as muletas, observar os próprios pensamentos e caminhar sozinho. Medo da solidão; medo do abandono - medo de se ver vazio, de ser nada, medo de se tornar consciente da sua própria agitação! E por causa desse medo, precisa se ocupar com diversas atividades, dentro e fora da irmandade, pois se ficar parado, corre o risco de se conhecer "como realmente é" e não com a imagem que formou de si mesmo. Se não se manter ocupado, se não se manter no controle, pode vir a descobrir algo sobre si mesmo que lhe cause medo ou que não seja capaz de resolver. E o grande problema é que o medo é capaz de fazer do falso o verdadeiro e do verdadeiro o falso. Não há nada de novo nesta observação que faço, quanto a dependência dos grupos e das reuniões, uma vez que, a muitos anos atrás, já escrevia sobre isso, o escritor e psicólogo, Erick Fromm:
"... a união com o grupo é a forma preponderante de superar o estado de separação. É uma união em que o eu individual em larga medida desaparece e em que o objetivo é pertencer ao rebanho. Se sou como todos os outros, se não tenho sentimentos ou pensamentos que me tornam diferente, se me conformo em matéria de usos, roupas e idéias, ao modelo do grupo, então estou salvo - salvo da terrível experiência da solidão... Todo homem, por natureza, possui no mais profundo de si mesmo, o conhecimento da verdade, mas que, no decorrer de seu desenvolvimento pessoal, com relação ao ambiente e a sociedade, é obrigado a "removê-lo", perdendo, desta maneira, sua sensibilidade e sua capacidade de perceber a realidade profunda das coisas"..
Perda da capacidade de perceber a realidade profunda das coisas... Perda da capacidade de perceber o falso, o ilusório e o verdadeiro! E, ao meu ver, é exatamente isso que está ocorrendo nestes grupos anônimos e por conseqüência, nas irmandades. Falta coragem para cortar as amarras do conhecido e do controle! Então fica muito mais fácil se adaptar, se ajustar ao nível de consciência do coletivo. E por causa disso, muitos dos assim chamados "veteranos", passam a filosofar sua "sabedoria" sobre o que é o amor, sobre o que é a vida e, não raro, acabam falando demais por não terem nada de novo a dizer e com isso, acabam condenando a consciência coletiva a um estado de mediocridade - resultante de uma "pseudo-espiritualidade". Muitos deles não conseguem perceber que essa pseudo-sabedoria é uma espécie de auto-idolatria, e que nunca, por meio desta, poderão resolver seus conflitos e sofrimentos ainda encobertos, e dessa forma, se auto-condenam a um estilo de vida vida semi-consciente. Permanecem assim, como que pequenos tambores: vazios por dentro; mas, barulhentos, quando em ação. Como estão sempre "jogando" com palavras de efeito e nunca se atrevendo a ir além, a não ser verbalmente, suas vidas continuam vazias, sem muita significação e sem o poder de transmitir vida para aqueles que os ouvem. Sua assim chamada "recuperação", acaba sendo auto-negada, por evitarem encarar a própria realidade de que não são felizes por ainda não serem capazes de, em solidão, sentarem com o próprio sofrimento. Talvez seja por isso, que o novo é a pessoa mais importante da reunião: uma vez que ele chega até nós limpo, depurado do condicionamento da irmandade; trazendo consigo sua singularidade, ainda que adoentada.
Há também um outro grupo de pessoas que acreditam na necessidade de um “ponto de segurança espiritual”, quase sempre alicerçado na figura de algum nome histórico como Jesus, Kardec, ou seja, lá quem for e por isso, abrem mão de pensar por si mesmos. Essas pessoas não são livres, mas pensam que assim o são, e não raro, vivem a convidar outros membros para ingressarem na mesma prisão em que vivem e esses membros, por estarem a procura de uma infinidade de receitas, métodos e sistemas, capazes de aliviarem de seus ombros a responsabilidade de aprenderem com as próprias experiências do cotidiano, acabam aceitando o convite para fazerem parte da mesma prisão. Essa prisão, pode se mostrar confortável momentaneamente, mas não passa de pura ilusão.
Outro fato que percebi é no tocante a questão da dependência formada das palestras e seus respectivos palestrantes (da qual fiz parte ativa). A maioria dos membros da irmandade se encontram confusos, com seus relacionamentos um tanto conflitados e não raro, vivem a correr atrás das palestras na expectativa de terem seus problemas solucionados através de uma fala do palestrante. Só que, por estarem confusos, não percebem que os próprios palestrantes também são pessoas confusas, fragmentadas, não resolvidas e com relacionamentos também confusos (isso os que tem relacionamentos!). Embora aparentem uma "serenidade", são também seres humanos confusos, fragmentados e presos em seus próprios sistemas de crenças. E os novos, por "ainda" não terem condições de ver o falso no falso, acabam fazendo desses palestrantes, verdadeiras "autoridades anônimas", pelo simples fato de aceitarem como verdadeiro, tudo aquilo que ouvem dos mesmos; e, não raro, saem pelas salas a fora, fazendo propaganda das falas do palestrante, endeusando-o, e dessa forma, alimentando o processo de formação das autoridades anônimas. O que o palestrante não percebe é que com isso, acaba se transformando numa barreira que corrompe o novo membro, que passa a esperar sempre de fora, ao invés de aprender a buscar dentro de si mesmo, as respostas para as próprias confusões. Mas, se o novo membro quiser realmente experimentar por si mesmo o que é a liberdade, serenidade e paz de espírito, precisará superar a barreira da dependência das "personalidades anônimas" com suas compreensões fragmentadas. Precisará se libertar dessa tendência de buscar por entretenimento, através destas palestras, para o tédio da sua própria vida. Precisará se questionar do por que de sempre correr atrás do palestrante, e se realmente está fazendo algo com o que ouve ou se essas reuniões não passam de mero entretenimento, do qual, não há a mínima possibilidade de transformar sua própria realidade conflituosa. Mas, o fato, é que a maioria não quer saber de se libertar. Quer apenas ficar falando sobre a liberdade de um certo comportamento do passado, ou dizendo ao sair dessas "palestras", o quanto que "fulano ou cliclano é inteligente, maravilhoso, espiritualizado" e até mesmo incentivando-o para não deixar de continuar repetidamente dando as suas palestras - imputando-lhe assim, respeitabilidade. A maioria destes membros não estam comprometidos com a busca de liberdade, pois voltam para suas casas e, como antes, dão continuidade a maneira insana de viver.
Me parece bastante claro, que alguns de nós já se tornaram conscientes destes fatos, mas, que também não querem assumir sua posição quanto a conscientização da consciência coletiva para o caos para a qual aponta o futuro destes grupos e consequentemente das irmandades no seu todo. Talvez, sejam motivados pelo medo de perderem a atual "respeitabilidade" que alcançaram. Mas, se queremos realmente ver o crescimento de nossos membros e de nossos grupos - não em questão de números, mas sim, de consciência - é preciso ter a coragem de pontuar o lado negativo que está mantendo nossos membros e grupos estagnados. Precisamos ter a coragem de ver que nossos grupos estão desmoronando e que uma das razões básicas está no fato de que estamos perdendo nossa originalidade, nossa autenticidade emocional. Estamos todos imitando e copiando a experiência dos outros; não temos a coragem de ficar com a nossa própria experiência - temos sempre que estar recorrendo à experiência do outro, ou mesmo, da outra irmandade. Essa imitação coletiva é que está nos mantendo fragmentados e interiormente, num estado de conflito silencioso. Repetimos os mesmos lemas, os mesmos chavões, os mesmos movimentos, as mesmas falas. Não somos indivíduos porque não temos unidade interna - somos como uma máquina de repetição em série - nossas atitudes e reações são condicionadas segundo o padrão da irmandade a que pertencemos. Estamos matando lentamente a singularidade dos novos membros, moldando-os no mesmo molde em que fomos moldados; reprimindo muitas de suas falas e pensamentos. E não me venham falar que não estamos fazendo isso! Uma das causas fundamentais do atual processo inconsciente de desintegração - já instalado em nossa irmandade - é a imitação, que é dissiminada pelos líderes, cuja essência mesma é a imitação... Estamos sendo uma cópia de segunda mão do Bill, Bob, Grover, Rick, do fundador do grupo, do palestrante, do padrinho ou do escritor do momento.
Se examinarmos minuciosa e destemidamente a realidade das relações existentes em nossos grupos, não será dificil perceber que não estamos verdadeiramente interessados uns nos outros; embora se fale muito de amor e companheirismo, não estamos de fato interessados uns nos outros. A maioria só mantém relacionamento com aqueles que lhes agradam, que lhes proporcionam um refúgio, satisfação ou que falam aquilo que esperam ouvir. No momento em que ocorre qualquer perturbação, controvérsia ou que se diga alguma coisa que não está nos moldes do coletivo e que acabe causando algum tipo de desconforto, o membro é logo deixado de lado. É muito fácil falar que a "Irmandade é amor", quando na realidade, estamos bem longe disso, pois o que ocorre, é que só existe o que "acham ser amor" enquanto as pessoas satisfazem alguns dos nossos interesses egocêntricos (agora revestidos por uma capa de espiritualidade).
Outro fato que constatei é que, para aqueles que possuem um mínimo de seriedade, as Irmandades Anônimas os libertam do modo de vida do "passado"; mas, no entanto, os mantém presos psicologicamente ao passado pela ação do temor de uma "futura recaída" e é justamente esse medo do "futuro" - modelado pela memória do passado - que impede os membros de viverem a liberdade do "agora". A maioria dos membros acabam se tornando como que prisioneiros da irmandade a que fazem parte, devido ao medo constante da liberdade, fator este sempre condicionado pelo coletivo. É por causa desse medo que a grande maioria acaba se "conformando" a viver uma vida de 2ª mão, onde não há a mínima possibilidade de se potencializar a própria singularidade, autênticidade e autonomia de pensamento. Existe tão somente, um processo coletivo de imitação. Por negarem a própria liberdade, devido a dependência do coletivo, deixam de obter uma experiência espiritual direta, pessoal, única, capaz de lhes revelar a mensagem própria, pessoal, singular e com isso, estão condenados a viver repetindo a experiência pessoal do passado, ou, a experiência de terceiros. É preciso muita coragem e seriedade para se observar a realidade deste fato, pois é através dessa consciência, que iniciamos o processo de libertação da dependência do coletivo. Perceber tudo isto, por meio de um "contato consciente" com tudo isso é o começo da formação da unidade interna, de um estado de bem-estar comum, de uma autêntica autonomia e autosuficiência mental e emocional - e só assim é possível a liberdade, que nada tem a ver com "quebra de unidade", "quebra de Tradição" ou propagação da "desordem". Muito pelo contrário: esta liberdade traz consigo a responsabilidade do uso da inteligência para a transmissão da própria mensagem, uma vez que a mesma contraria toda zona de conforto e estagnação. Sei muito bem, por experiência própria, que não é nada agradável olhar para isto com propriedade, pois este olhar, vem carregado de medo, assim como com a total desaprovação e crítica por parte do coletivo. Neste momento da minha caminhada, procurei por alguns membros antigos que com seus argumentos sutis, quase me confundiram. Essa experiência me fez perceber que temos o medo de "estar errando" em nossas escolhas e é justamente esse medo que nos atrai fortemente para o conformismo ao modo de vida conhecido do coletivo, onde "parece" haver segurança e ausência de conflitos. Mas, se queremos chegar à experiência espiritual desconhecida, capaz de nos libertar de toda e qualquer dependência, temos que nos concientizar de que onde há medo não pode haver liberdade - e por meio desta consciência - optar pela liberdade da solidão, que se encontra no Aberto. Fica aqui a questão: como transmitir esta mensagem àqueles que ainda sofrem da ilusão de que já não sofrem pelo simples fato de se absterem do modo de vida do passado?
Ao pensar em tudo isso me vem à mente uma imagem, pela qual tento mostrar a minha visão dos demais níveis de consciência pelo qual muitos de nós vamos atravessando. Podemos mostrar sua progressão nesta escala do centro para fora:
Boa parte dos membros chegam aos nossos grupos de apoio num nível de consciência a qual denomino de “compuesfera”; uma esfera de consciência presa a um ou mais tipos de padrões de comportamentos compulsivos. Esta é a fase progressiva e de determinação fatal que pode levar a pessoa à loucura ou morte prematura. Ela pode ser tanto um ponto inicial na evolução da consciência, ou então um ponto de estagnação e deterioração do potencial humano, uma vez que seu movimento natural é sempre descendente.
A fase seguinte é a que denomino de “normoesfera”; uma fase um tanto ilusória, onde muitos buscam por segurança devido o fator de ser este o nível de consciência onde se situa a maioria da humanidade. Nesta faixa de consciência não é raro a presença de constantes “recaídas” para a “compuesfera”. Os mais sensíveis conseguem dar um salto consciêncial para a próxima esfera, onde a consciência do ego se torna maior: a “egoesfera”.
A “egoesfera” é uma fase bastante crítica no processo de desenvolvimento, uma vez que somos constantemente bombardeados pela nossa tendência para a busca de segurança no que é normal, tradicional. É uma fase em que cobramos por demais perfeição de nós mesmos, o que não deixa de ser uma manifestação do nosso ego, que agora entra pela porta dos fundos. Como a dor aqui é muito forte, muitos acabam recaindo feio para a fase da “compuesfera” e por já terem conhecido algo de superior não conseguem ficar muito tempo neste nível de consciência e acabam entrando numa espécie de “CICLO VICIOSO” entre a compuesfera e a egoesfera.
No entanto, todo este movimento começa a apurar a consciência da própria “consciência” e acaba nos levando para um outro nível, a qual denomino de “conscioesfera”. Esta fase é um verdadeiro fio de navalha”, o buraco da agulha, ou se preferir, “a porta estreita” pela qual apenas os que forem “pobres” de condicionamentos, apegos, distrações e fugas, podem atravessar, ou melhor fazer o movimento para abrir a porta. Mas, não somos nós que abrimos a porta. Aqui é somente o ABERTO que pode se manifestar; cabe aqui por nossa parte somente a boa vontade – fruto de um total descontentamento e desilusão com relação a tudo que é conhecido, que é produto do pensamento humano.
É extremamente difícil manter-se neste caminhar durante esta fase, uma vez que a pessoa não encontra por outras pessoas que também estão trilhando esse caminho. Outra característica marcante está na dificuldade de transmitir ao outro aquilo que estamos vivenciando. Não raro, a pessoa que atravessa este momento é mal interpretada e na maioria das vezes acaba sofrendo com o ostracismo coletivo. O ego então, aproveita a situação para lançar na mente a dúvida de que a pessoa esteja ficando louca por estar falando uma linguagem completamente diferente do condicionamento coletivo.
Não há como mensurar, como falar sobre o ABERTO para as demais pessoas, uma vez que o ABERTO é uma experiência única, singular e pessoal que pode ser comparado com o paladar. Se você não provou o mel, não há maneiras de explicar para você qual é o seu sabor. Uma vez que você o provou, não há mais como esquecer o sabor do mel. E se você o provou, não existem maneiras de você explicá-lo para alguém que ainda não o tenha experimentado por experiência própria. Como explicar o sabor do mel para alguém que nunca o tenha experimentado? O que podemos fazer é tentar transmitir da melhor maneira possível que encontrarmos, através da limitação das nossas palavras, de uma forma que as mesmas possam aguçar no outro a vontade de também conhecer por si mesmo este nível de consciência. Mas, o mais triste é constatar que ninguém está buscando pelo ABERTO, pois ele é o desconhecido e no desconhecido a respeitabilidade do ego não pode encontrar segurança e continuidade. Esta é uma fase bastante delicada, pois o sentimento de solidão é tão grande que não raro surgem a mente as idéias de suicídio como forma de escape para o vazio da solidão. O medo entra em cena, e o ego tenta atacar por todos os lados para manter seu domínio. O que se faz necessário aqui é um “egocídio” consciente e não um suicídio inconseqüente. Mas são poucos os que se aventuram neste caminhar solitário e que possuem a perseverança necessária para “carregar sua cruz” até o final, conseqüentemente, são poucos os que podem “ressuscitar” da neurose para a experiência da grande Vida, no Aberto em si mesmo.
Talvez você esteja agora afirmando que tudo isso não passa de loucura de minha parte, uma grande viagem, ou então, faça como tantos outros membros já condicionados, e que, através desse condicionamento se julgam tão inteligentes, tão cheios de conhecimento, que nem se dão ao trabalho de olhar de olhos bem abertos para tudo isso. Ou quem sabe, se for uma pessoa que "mantém o simples", de mente aberta, comprometida com a busca da liberdade pessoal, abandone tudo o que leu até aqui, e de olhos bem abertos, aceite o desafio que lhe faço de ver por si mesmo, o que estamos buscando nestes grupos. Se o fizer, essa observação pura dos fatos, poderá lhe proporcionar o estado de autonomia e autosuficiência necessária para a libertação de todas as formas de condicionamentos que limitam a expressão do ser, sem a qual, não pode haver liberdade.
Ao meu ver, a programação é "temporariamente" necessária, para desprogramar o que por anos e anos nos foi programado. Mas, para que a programação possa cumprir sua real função, deve auto-desprogramar-se, para que possa nos libertar até mesmo da programação usada para nos desprogramar. E quem sabe, ao se desprogramar, possamos saber o que é amar.
Gostaria de encerrar este texto, com uma pérola rara, cuja autoria é do Prof. Huberto Rohden, o qual retrata bem o meu sentimento neste momento:
Post Scriptum
"Muitos dos leitores que tiveram a coragem de avançar até aqui, estarão escandalizados com as “heresias” que o autor apresentou. Para esses vou acrescentar umas palavrinhas de explicação e, quiçá, de reconciliação.
Meus caros amigos “ortodoxos”. Eu não tenho intenção alguma, como, aliás, já frisei no prefácio, de lhes arrancar do coração uma “fé” sem a qual a sua vida seria horrivelmente frígida e insuportável. Pelo contrário, recomendo-lhes sinceramente que conservem e cultivem a sua “fé”, enquanto dela necessitarem para sua tranqüilidade e consolação interior. Esse apego ferrenho ao que apelidam a sua “fé” é sinal certo de que dela necessitam ainda; que sem ela seriam infelizes, como que suspensas no vácuo, sem base sólida sob os pés. Ninguém deve abandonar uma idéia ou uma doutrina antes que o possa fazer com espontânea naturalidade e sem nenhuma dilaceração interior. Enquanto uma fruta está muito presa à haste, é sinal, geralmente, de que ainda não está madura. Só se deve abandonar uma idéia ou uma doutrina quando se pode fazê-lo sem nenhuma violência psíquica, sem nenhuma hemorragia moral, com espontânea facilidade e verdadeira alegria de espírito, porque isto é prova de que chegou o tempo da maturidade e que a alma está pronta para um novo passo, rumo ao reino de Deus.
Quando o bicho da seda chegou ao termo da sua vida de lagarta, enclausura-se num casulo de fios de seda, que tira da própria boca, não para ficar sempre nesse invólucro, mas para proteger o seu misterioso sono de crisálida contra possíveis inimigos externos, e, destarte, preparar tranqüilamente o seguinte estágio da sua evolução. Seria insipiência não querer enclausurar-se no casulo protetor — e insipiência não menor seria não querer, a seu tempo, romper o sedoso invólucro a fim de atingir a sua metamorfose final de borboleta alada.
Enquanto o leitor sentir a necessidade interna de repousar dentro do seu lindo casulo, tecido da substância da sua filosofia e teologia, não saia desse abrigo acolhedor. Não se esqueça, todavia, de que qualquer casulo de humana teologia e exegese, por mais lindo e sólido, não passa de um “meio”, e não é um “fim” em si mesmo, e tem de ser usado tanto quanto servir para a consecução do fim supremo e último do homem, que é o pleno conhecimento, amor e posse do reino de Deus. Seja, pois, o leitor sincero consigo mesmo, tanto no “conservar” como no “abandonar” qualquer sistema de pensamento, de conformidade com o seu destino supremo. Não idolatre, não se enamore, não se agarre fanaticamente a nenhuma filosofia, teologia ou exegese. Deus é absoluto e definitivo, mas todos os nossos conhecimentos sobre Deus e seu reino são relativos e em constante evolução.
Não pense, pois, o caro leitor que eu lhe queira arrancar as muletas de que se serve para andar nos caminhos de Deus. Use as suas muletas enquanto lhe forem necessárias nessa longa jornada — mas não se esqueça de que elas são um meio, e não um fim em si mesmas. Bem sei que é melhor andar de muletas do que ficar estendido à beira da estrada. Nada tenho contra suas muletas; tolero-as enquanto necessárias — estou interessado unicamente em ajudá-lo a adquirir saúde perfeita, em encher de vigor espiritual a sua alma. No dia e na hora em que meu ignoto amigo tiver adquirido essa saúde e esse vigor, não lhe darei ordem para jogar fora as suas muletas — porque o amigo já as terá abandonado espontaneamente e correrá jubilosamente nos caminhos do reino de Deus.
No caso que o irmão em Cristo não possa ainda compreender o sentido desta linguagem simbólica, nem tenha a coragem e a humildade de aceitar o que lhe digo, não se irrite nem se revolte contra o autor — mas retire-se freqüentemente à intensa oração e abisme-se profundamente na comunhão com Deus...
E compreenderá...
Com os meus mais sinceros votos de que você seja livre, leve e solto!
Um abraço fraterno,