Meu ignoto amigo. Se quiseres ser impenitente cultor da rotina e mediocridade, guia-te pelas normas seguintes:
Antes de pensar, informa-te sempre o que deve ser pensado, a fim de não introduzir no mundo o contra bando de idéias novas.
Não penses nunca com o próprio cérebro — mas sempre com a cabeça dos outros.
Dize sempre sim quando os outros dizem sim — e não quando os outros dizem não.
Lê cada manhã, ao café, o teu jornal, para saberes o que deve ser pensado naquelas 24 horas.
Quando vier alguém com idéias novas, evita-o como um perigo social e tem-no em conta de herege e demolidor.
Não te exponhas ao perigo de fazer o que o vizinho não faz — mas lembra-te da comprovada sapiência burguesa: o seguro morreu de velho.
Sê amigo dedicado da tua tépida poltrona — e não te exponhas a vertigens de vastos horizontes.
Prefere sempre as paredes maciças dum cárcere e as grades duma gaiola às incertezas dum vôo estratosférico.
Não abras nunca portas fechadas — abre tão somente portas abertas.
Não explores caminhos novos, como os bandeirantes — anda sempre por estradas batidas e sobre trilhos previamente alinhados.
Vai sempre com o grosso do rebanho, como os bons carneiros — e não procures caminho à margem da rotina geral.
Em suma, meu insigne cultor da mediocridade: Deixa tudo como está para ver como fica.
Destarte, conservarás a saúde e a tranqüilidade dos nervos e poderás tomar, cada dia, com sossego, teu chope ou coquetel — e passar por homem de bem.
* * *
Se, porém, resolveres, um dia, sair da rotina tradicional e expor-te ao perigo mortífero dum ideal superior, então lê com atenção o que te diz um homem que conhece a vida:
Vai às margens do Ganges e pede ao mais robusto dos elefantes que te ceda a sua pele paquidérmica, para com ela revestires a tua alma.
Vai as praias do Nilo e arranca ao mais velho dos crocodilos a sua impenetrável couraça e faze dela o invólucro do teu coração.
Senta-te aos pés de mestre Zenon, rei dos Estóicos, e pede que te ensine à filosofia de ser pedra in bloco de gelo, cadáver ambulante, indiferença absoluta.
E, depois de assim encouraçares a tua alma, sai por este mundo afora e dize aos homens da honesta mediocridade que vives por um ideal que não está no estômago, nem nos nervos nem no sangue — e verás que eles te declararão guerra de morte.
Pois, deves saber, meu amigo, que o mundo não sacrifica um só ídolo por um ideal.
Desde que o mais arrojado idealista da história foi crucificado, morto e sepultado — são todos os idealistas crucificados pelos culto da mediocridade.
Nada de grande acontece no mundo sem que o mundo se revolte.
Tudo que é belo e grande — acaba fatalmente entre os braços da cruz.
É esta a gloriosa tragédia dos homens superiores.
Huberto Rohden - Do livro: De Alma paraAlma