A mediocridade moral é impotência para a virtude e covardia para o vício. O homem honesto pode temer o crime sem admirar a santidade: é incapaz de tomar iniciativa para ambas as coisas.
A mediocracia de todos os tempos é inimiga do homem virtuoso: prefere o honesto e o escolhe como exemplo. Há um erro implícito nisso, ou mentira, que convém dissipar. Honestidade não é virtude, embora também não seja vício. É possível ser honesto sem sentir o anseio de perfeição; para isso é suficiente não ostentar o mal, o que não basta para ser virtuoso. Entre o vício, que é uma lacra, e a virtude que é uma excelência, flutua a honestidade.
A virtude se eleva sobre a moral corrente: implica em certa aristocracia do coração, própria do talento moral; o virtuoso se antecipa a alguma forma de perfeição futura e sacrifica o automatismo consolidado pelo hábito.
O honesto, pelo contrário, é passivo, circunstância que o coloca num nível superior ao vicioso, embora permaneça debaixo de quem pratica ativamente alguma virtude e orienta sua vida para algum ideal. Limitando-se a respeitar os preconceitos que o asfixiam, mede a moral com uma régua maior do que usam seus semelhantes.
A mediocridade está em não fazer escândalo nem servir de exemplo.
O homem honesto pode praticar ações cuja indignidade suspeita, se for obrigado a isso pela força dos preconceitos, que são obstáculos com que os hábitos adquiridos estorvam as novas variações. Os atos que já são maus no juízo original dos virtuosos, podem continuar sendo bons diante da opinião coletiva. O homem superior pratica a virtude tal como a julga, evitando os preconceitos que atam a massa honesta; o medíocre continua chamando de bem o que já deixou de sê-lo, por incapacidade de entrever o bem do futuro. Sentir com o coração dos outros equivale a pensar com a cabeça alheia.
A virtude costuma ser um gesto audaz, como tudo que é original; a honestidade é um gesto uniforme que se endossa de forma resignada. O medíocre teme a opinião pública com a mesma submissão com que o desonesto teme o inferno; nunca tem a ousadia de ir contra ela, muito menos quando a aparência do vício é um perigo inerente a toda virtude não compreendida. Renuncia a ela pelos sacrifícios que implica.
O honesto é inimigo do santo, assim como o rotineiro é do gênio; este é chamado de "louco" e aquele, de "amoral". E isso se explica: ele os mede com sua própria medida, na qual eles não cabem. Em seu dicionário, "sensatez" e "moral" são nomes que ele reserva para suas próprias qualidades. Para sua moral de sombras, o hipócrita é honesto; o virtuoso e o santo, que a excedem, parecem-lhe "amorais", e com esta qualificação insinua discretamente certa imoralidade...
Homens de qualidade inferior, poderia se dizer que são feitos de retalhos de catecismos e com sobras de vergonha: o primeiro interessado pode comprá-los a preço baixo. Frequentemente mantêm-se honestos por conveniência; algumas vezes, por simplicidade, se a tentação não inquietar sua imbecilidade. Ensinam que é necessário ser como os outros; ignoram que só é virtuoso aquele que deseja ser o melhor. Quando nos dizem ao ouvido que renunciemos ao sonho e imitemos o rebanho, não têm coragem de nos aconselhar diretamente a abjuração do próprio ideal para nos convidar a ruminar a merenda comum.
A sociedade prega: "não faça mal e será honesto". O talento moral tem outras exigências: "persiga uma perfeição e será virtuoso". A honestidade está ao alcance de todos; a virtude é de poucos eleitos. O homem honesto aguenta o jugo a que o condenam seus cúmplices; o homem virtuoso se eleva sobre eles com um bater de asas.
A honestidade é uma indústria; a virtude exclui o cálculo. Não há diferença entre o covarde que modera suas ações por medo ao castigo e o cobiçoso que as ativa com a esperança de uma recompensa: ambos levam a conta bancária junto com os preconceitos sociais. Aquele que treme diante de um perigo ou persegue uma homenagem é indigno de nomear a virtude: arrisca-se à proscrição ou à miséria. Nem por isso diremos que o virtuoso é infalível. Mas a virtude implica em ser capaz de se retificar espontaneamente, em reconhecer lealmente os próprios erros como uma lição para si mesmo e para os outros, em ser firmemente correto na conduta posterior. Aquele que paga uma culpa com muitos anos de virtude, é como se não tivesse pecado: purifica-se. O medíocre, pelo contrário, não reconhece seus erros nem se envergonha deles, agravando-os com o impudor, sublinhando-os com a reincidência, duplicando-os com o aproveitamento dos resultados.
Pregar a honestidade seria excelente se ela não fosse uma renúncia à virtude, cujo norte é a perfeição incessante. Elogiá-la obscurece o culto da dignidade e é a prova mais segura do descenso moral de um povo. Elevando o fraudulento, ofende-se o severo; pelo que é tolerável, esquece-se do exemplar. Os espíritos acomodatícios chegam a detestar a firmeza e a lealdade à força de conviver com o servilismo e a hipocrisia.
Admirar o homem honesto é rebaixar-se; adorá-lo é envilecer-se. Stendhal reduzia a honestidade a uma simples forma de medo; convém acrescentar que não é um medo do mal em si mesmo, mas a recriminação dos outros; por isso é compatível com uma total ausência de escrúpulos para todo ato que não tiver sanção expressa ou se mantiver ignorado. O temor do vício e a impotência para a virtude se equivalem. São simples beneficiários da mediocridade moral que os rodeia. Não são assassinos, mas não são heróis; não roubam, mas não dão um centavo ao desvalido; não são traidores, mas não são leais; não assaltam abertamente, mas não defendem o assaltado; não violam virgens, mas não redimem as caídas; não conspiram contra a sociedade, mas não cooperam para o engrandecimento comum.
Frente à honestidade hipócrita - própria de mentes rotineiras e de indivíduos domesticados -, existe uma moral heráldica cujos brasões são a virtude e a santidade. É a antítese da tímida obediência aos preconceitos que paralisa o coração dos indivíduos vulgares e degenera nessa apoteose da frieza sentimental que caracteriza a irrupção de todas as burguesias. A virtude quer fé, entusiasmo, paixão, arrojo: deles vive. Deseja-os na intenção e nas obras. Não há virtude quando os atos desmentem as palavras, nem existe nobreza onde a intenção se arrasta. Por isso a mediocridade moral atinge mais os homens falsos e as classes privilegiadas. O sábio que trai sua verdade, o filósofo que vive fora de sua moral e o nobre que desonra seu berço, descendem à mais ignominiosa das vilanias; são mais imperdoáveis do que o desonesto enlameado no delito. Os privilégios da cultura e do nascimento impõem ao que os possui uma lealdade exemplar a si mesmo. É inútil que a nobreza que não segue o anseio de perfeição se apoie em pergaminhos e ancestrais ridículos; é nobre aquele que revela em seus atos um respeito por sua classe e não aquele que alega sua ascendência para justificar atos indignos. É pela virtude, nunca pela honestidade, que se medem os valores da aristocracia moral.
A virtude se eleva sobre a moral corrente: implica em certa aristocracia do coração, própria do talento moral; o virtuoso se antecipa a alguma forma de perfeição futura e sacrifica o automatismo consolidado pelo hábito.
O honesto, pelo contrário, é passivo, circunstância que o coloca num nível superior ao vicioso, embora permaneça debaixo de quem pratica ativamente alguma virtude e orienta sua vida para algum ideal. Limitando-se a respeitar os preconceitos que o asfixiam, mede a moral com uma régua maior do que usam seus semelhantes.
A mediocridade está em não fazer escândalo nem servir de exemplo.
O homem honesto pode praticar ações cuja indignidade suspeita, se for obrigado a isso pela força dos preconceitos, que são obstáculos com que os hábitos adquiridos estorvam as novas variações. Os atos que já são maus no juízo original dos virtuosos, podem continuar sendo bons diante da opinião coletiva. O homem superior pratica a virtude tal como a julga, evitando os preconceitos que atam a massa honesta; o medíocre continua chamando de bem o que já deixou de sê-lo, por incapacidade de entrever o bem do futuro. Sentir com o coração dos outros equivale a pensar com a cabeça alheia.
A virtude costuma ser um gesto audaz, como tudo que é original; a honestidade é um gesto uniforme que se endossa de forma resignada. O medíocre teme a opinião pública com a mesma submissão com que o desonesto teme o inferno; nunca tem a ousadia de ir contra ela, muito menos quando a aparência do vício é um perigo inerente a toda virtude não compreendida. Renuncia a ela pelos sacrifícios que implica.
O honesto é inimigo do santo, assim como o rotineiro é do gênio; este é chamado de "louco" e aquele, de "amoral". E isso se explica: ele os mede com sua própria medida, na qual eles não cabem. Em seu dicionário, "sensatez" e "moral" são nomes que ele reserva para suas próprias qualidades. Para sua moral de sombras, o hipócrita é honesto; o virtuoso e o santo, que a excedem, parecem-lhe "amorais", e com esta qualificação insinua discretamente certa imoralidade...
Homens de qualidade inferior, poderia se dizer que são feitos de retalhos de catecismos e com sobras de vergonha: o primeiro interessado pode comprá-los a preço baixo. Frequentemente mantêm-se honestos por conveniência; algumas vezes, por simplicidade, se a tentação não inquietar sua imbecilidade. Ensinam que é necessário ser como os outros; ignoram que só é virtuoso aquele que deseja ser o melhor. Quando nos dizem ao ouvido que renunciemos ao sonho e imitemos o rebanho, não têm coragem de nos aconselhar diretamente a abjuração do próprio ideal para nos convidar a ruminar a merenda comum.
A sociedade prega: "não faça mal e será honesto". O talento moral tem outras exigências: "persiga uma perfeição e será virtuoso". A honestidade está ao alcance de todos; a virtude é de poucos eleitos. O homem honesto aguenta o jugo a que o condenam seus cúmplices; o homem virtuoso se eleva sobre eles com um bater de asas.
A honestidade é uma indústria; a virtude exclui o cálculo. Não há diferença entre o covarde que modera suas ações por medo ao castigo e o cobiçoso que as ativa com a esperança de uma recompensa: ambos levam a conta bancária junto com os preconceitos sociais. Aquele que treme diante de um perigo ou persegue uma homenagem é indigno de nomear a virtude: arrisca-se à proscrição ou à miséria. Nem por isso diremos que o virtuoso é infalível. Mas a virtude implica em ser capaz de se retificar espontaneamente, em reconhecer lealmente os próprios erros como uma lição para si mesmo e para os outros, em ser firmemente correto na conduta posterior. Aquele que paga uma culpa com muitos anos de virtude, é como se não tivesse pecado: purifica-se. O medíocre, pelo contrário, não reconhece seus erros nem se envergonha deles, agravando-os com o impudor, sublinhando-os com a reincidência, duplicando-os com o aproveitamento dos resultados.
Pregar a honestidade seria excelente se ela não fosse uma renúncia à virtude, cujo norte é a perfeição incessante. Elogiá-la obscurece o culto da dignidade e é a prova mais segura do descenso moral de um povo. Elevando o fraudulento, ofende-se o severo; pelo que é tolerável, esquece-se do exemplar. Os espíritos acomodatícios chegam a detestar a firmeza e a lealdade à força de conviver com o servilismo e a hipocrisia.
Admirar o homem honesto é rebaixar-se; adorá-lo é envilecer-se. Stendhal reduzia a honestidade a uma simples forma de medo; convém acrescentar que não é um medo do mal em si mesmo, mas a recriminação dos outros; por isso é compatível com uma total ausência de escrúpulos para todo ato que não tiver sanção expressa ou se mantiver ignorado. O temor do vício e a impotência para a virtude se equivalem. São simples beneficiários da mediocridade moral que os rodeia. Não são assassinos, mas não são heróis; não roubam, mas não dão um centavo ao desvalido; não são traidores, mas não são leais; não assaltam abertamente, mas não defendem o assaltado; não violam virgens, mas não redimem as caídas; não conspiram contra a sociedade, mas não cooperam para o engrandecimento comum.
Frente à honestidade hipócrita - própria de mentes rotineiras e de indivíduos domesticados -, existe uma moral heráldica cujos brasões são a virtude e a santidade. É a antítese da tímida obediência aos preconceitos que paralisa o coração dos indivíduos vulgares e degenera nessa apoteose da frieza sentimental que caracteriza a irrupção de todas as burguesias. A virtude quer fé, entusiasmo, paixão, arrojo: deles vive. Deseja-os na intenção e nas obras. Não há virtude quando os atos desmentem as palavras, nem existe nobreza onde a intenção se arrasta. Por isso a mediocridade moral atinge mais os homens falsos e as classes privilegiadas. O sábio que trai sua verdade, o filósofo que vive fora de sua moral e o nobre que desonra seu berço, descendem à mais ignominiosa das vilanias; são mais imperdoáveis do que o desonesto enlameado no delito. Os privilégios da cultura e do nascimento impõem ao que os possui uma lealdade exemplar a si mesmo. É inútil que a nobreza que não segue o anseio de perfeição se apoie em pergaminhos e ancestrais ridículos; é nobre aquele que revela em seus atos um respeito por sua classe e não aquele que alega sua ascendência para justificar atos indignos. É pela virtude, nunca pela honestidade, que se medem os valores da aristocracia moral.
José Ingenieros
O Homem Medíocre