Não é um trabalho de um artista dar ao público o que o público quer. Se o público soubesse o que quer, eles não seriam o público, e sim seriam o artista. É o trabalho de um artista dar ao público o que ele necessita. – Alan Moore
Primeiro Ato
Chega!
Mil vezes um varredor de rua feliz, do que um normótico de sucesso... Mil vezes um rebelde insatisfeito do que um morno satisfeito; um Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito.
Recuso-me de vez à padronização cultural que me força a este estado de constante mediocridade.
Sim! Estou ciente de que não é fácil ser do grupo diferente e arriscado demais resistir ao ambiente...
Mesmo assim... Serei persistente!
Não quero com o avançar da idade, ter num corpo decadente, coração e mente dormentes, na poltrona retraído, distraindo-me com o débil movimento frenético de um controle remoto.
Chega!
Não dá mais para disfarçar este constante medo da vida, este medo da luta e das experiências novas, que aos poucos me rouba o espírito de aventura e o frescor da novidade.
Quero de vez me sentir livre do medo de ser e pensar diferente, ainda que em total desacordo com o padrão socialmente vigente.
Na verdade, farto estou desse falso respeito à arcaica e disfuncional tradição e autoridade...
Quero bradar por todos os cantos deste imenso palco da vida, a beleza deste espírito de descontentamento e de revolta, que agora, me toma por completo...
E não me venha com tuas frases prontas ou com teus arcaicos sistemas de crença organizada, pois os mesmos... Não conseguem mais me iludir... Tudo isso pode ser muito eficaz para distrair um infeliz iludido, mas não a um feliz insatisfeito consciente.
E tem mais: recuso terminantemente essa ilusória felicidade de segunda mão; quero descobrir algo original, pois até aqui, no que diz respeito à verdadeira felicidade, nada do que me foi dito teve valor.
Cansei de acreditar em políticos, governos e em sistemas de crença organizada, a qual erroneamente, muitos chamam de religião. Nenhuma destas instituições me quer psicologicamente autônomo e auto-suficiente: sei que isso me tornaria um problema para eles.
Mesmo assim: quero deixar de ser ajustado, mecânico e desprovido de surtos criadores.
Já não há mais como aceitar, como a grande maioria, sem a mínima reflexão, aos poucos me consumir consumindo as idiotices criadas por um idiota qualquer.
Pois bem: não sei onde, não sei quando e muito menos quem, disse que ousar é o preço do sucesso... Então, aqui expresso: ouso pelo Supremo, ouso pela Excelência de Ser, pois farto estou desse público e estagnante vicio pelo óbvio!
E não me olhe com teus olhos travados de ideologias, pois quero ser livre de toda influência... Já não tens como me reformar.
E o que será de mim? Não demoro a te responder: serei um desajustado, um nada, um anônimo, um ser livre da doentia expressão da vontade coletiva, secularmente imposta por uma minoria desconhecida...
O que será de mim?... Digo já: serei um imoral diante de teus olhos condicionados. Tudo bem! Não faz mal! Não me importa!
E pode ficar com teus usos, costumes, templos e livros sagrados, pois nada disso me serviu para viver a vida em toda a sua plenitude; muito ao contrário, me mantiveram por anos e anos apenas existindo feito um humanóide...
Sim um humanóide... Um escravo livre, preso na falsa segurança de uma carteira de trabalho assinada e na possibilidade de consumir em suaves prestações, numa importada loja de departamento qualquer...
Chega!
Nunca mais negarei minha liberdade de expressão, minha originalidade em nome das migalhas da aceitação parental e social...
A partir de agora, de todas as minhas células expurgo os tóxicos e familiares "você tem que" - os quais durante anos me mantiveram preso num ciclo vicioso de medo, culpa e vergonha e que por pouco não fragmentaram por completo meu canal com a Suprema Criatividade.
Chega, pois a partir de agora, Eu decido: serei um artista, um ator, um cantor, um poeta, um dançarino!
O que?... Achas que estou ficando louco?... Ora, ora! Que beleza!... Levam-se anos para chegar nesta santa loucura que a tudo cura.
Portanto, chegue mais perto e olhe... Olhe bem fundo em meus olhos – se é que consegues não desviar os teus dos meus - e veja o que agora ocorre: o velho homem está em seu leito de morte... E não ouse tentar ressuscitá-lo! Deixe que morra!...
Deixe que morra, feito que a morte do antigo é o nascimento do novo!...
Como sei que a estúpida maioria abomina a tristeza e vive a fugir da dor, ainda que doloroso, digo: deixe-me aqui insatisfeito, descontente... Porque debaixo da superfície prospera de minha vida passada, só rotina, frustração, ansiedade, desespero e ilusão eu experimentava.
Portanto, é com seriedade que imploro: deixe que o velho morra!...
Deixe-me ser por livre e espontânea vontade um ser humano dolorosamente sensível...
Chega!
Cansei de fazer parte da enorme massa de manobra sobre a qual, os poucos espertos inconscientemente prosperam materialmente num compasso espiritual decadente. Deixe-me só...
(fim do primeiro ato)
.................................