..........Enquanto no ego, vivemos a separatividade da crença ou da descrença. Tanto a crença como a descrença são mecanismos de defesa criados pelo próprio ego, pelo próprio eu. A crença não é fruto da vivência direta; a crença é uma organização feita pelo intelecto acerca da vivência direta de outra pessoa, portanto, toda crença tem que ser separatista uma vez que tem seu principio num ponto fixo, num ponto finito, relativo a experiência de um terceiro. A crença sempre cria separação, seja de forma direta, explícita, ou de forma indireta, velada.
..........Quem não tem a vivida consciência direta dessa Presença Infinita, Ilimitada, se agarrará ou a crença ou a descrença e tomará sempre uma postura defensiva em relação a tudo que contraria sua escolha. Já os agraciados pelo toque dessa benfazeja Presença Infinita, percebem com clareza e sem esforço, a limitante falsidade dos dois lados dessa moeda — crença e descrença. Para essa pessoa, agraciada pelo despertar dessa Consciência, desse estado de consciência nessa Consciência Ilimitada, o fato de ver a falsidade dessa moeda, não lhe impede de viver harmonicamente, tanto com aquele que crê, como aquele que não crê. Ao contrário da postura defensiva, separatista de quem se apega a um dos lados dessa moeda, para este que vive neste estado de Presença, ou melhor, neste estado de Ser que somos, de quem mantém um contato consciente, direto com essa Ilimitada Consciência, sua postura é de um estado de acolhimento amoroso. Trata-se de um estado de amorosa paciência em relação ao tempo do “outro”, ao momento do “outro”, ao campo de visão do “outro”. Uma paciência amorosa que aguarda pelo momento divino em que se manifesta o desarme que provoca uma brecha nas fronteiras do ego, do intelecto, brecha essa que cria o campo fértil para a palavra, o som, que potencializa no “outro”, a vivência direta da real natureza que somos; a experiência da vivência da Presença libertadora de toda forma de crença ou descrença.
..........Ao contrário da crença que necessita de todo um sistema de organização ritualística, o estado de Presença no Ser, dispensa qualquer formalidade organizacional, mantendo-se tão somente com a beleza da simplicidade. Aqui, toda forma de ritual, todo tipo de fórmula, todo tipo de simpatia, todo tipo de segredo, como num simples passe de mágica, cai por terra; aqui só conta a consciência da manutenção desse contato consciente com este estado de Presença benfazeja. A devoção aqui, não se dá mais em locais de arquiteturas faraônicas produzidas pelo intelecto; o altar de devoção é uma extensão de seu interior, de seu Ser, no interior e no Ser que o “outro” é — o Ser ainda encoberto devido os condicionamentos que este “outro” insiste em trazer consigo. A devoção não se encontra mais nas imagens de um Deus longínquo, impessoal, mas sim na comunhão interna com essa Presença que habita tudo que é, e sua energia está totalmente voltada para a consciência de um estado de Presença que possa romper frestas nas grossas paredes das fronteiras do intelecto do “outro”, para que assim possa se dar esse estado de comunhão de Presença. Quando isso ocorre, temos o que agora chamo de “comunhão dos santos”, pois santidade, nada mais representa do que a qualidade daquele que possui sanidade mental. Nesse encontro, toda forma de insanidade proveniente da identificação com os dizeres, com os monólogos destrutivos da mente, interrompem por completo. Nesse encontro com essa Presença dentro de nós, o intelecto, a mente, passa a ocupar seu devido lugar de servidora de confiança desta amorosa Consciência. No silenciar desses insistentes, recorrentes monólogos internos da mente, a qualidade do estado de ser que antes era confusão e conflito, passa a ser clareza, leveza, compaixão amorosa, capacidade de visão e de sentir. A partir desse encontro interno com essa Consciência — que sempre esteve aí — toda forma de resistência, toda forma de esforço são dissolvidos na chama quente e suave do Ser.
..........Uma vida com qualidade com abundância na simplicidade é uma vida sustentada no estado de comunhão com essa consciência de Presença, que em última análise é a substância de todas as formas, de tudo que é. Esse movimento, que não é decorrente de qualquer movimentação do intelecto — ao contrário, toda forma de movimentação de sua parte para o alcance deste maravilhoso e inefável acontecimento, apenas serviu para postergá-lo, uma forma de impedimento — esse movimento, esse acontecimentos é uma verdadeira ordenação. Em observação mais profunda, toda movimentação sempre partiu do Ser, mas o intelecto, desse movimento tenta se apropriar. Aqui não se trata da ordenação no sentido da aquisição de títulos de respeitabilidade separatista — sempre tão almejados pelo ego — mas sim, de colocar em divina ordem a função do intelecto, dos sentidos, dos instintos, dando a eles, talvez pela primeira vez, a realidade do adjetivo da palavra “humano”. Essa ordenação a que me refiro, nada mais representa do que a restauração do estado de ordem de unidade interna entre coração e mente, mente e coração, estado de ordem esse do qual nos vimos distanciados por anos, décadas e mais décadas, devido a tentativa de responder as exigências descabidas do intelecto, do ego, do “eu”, tanto para consigo msmo, como para com os demais. Todas essas formas de exigências foram infiltradas em nós através de nossa educação, de nossa cultura, de nossa exposição excessiva à ambientes disfuncionais e de nossas respostas, nossas reações aos mesmos. Toda nossa cultura, toda nossa educação, todo nosso "adestramento", nos preparam muito mais para as observações que alimentam as leis do ego, do que as leis desta Presença amorosa, das Leis do Ser que nos faz ser.
..........É somente através do contato consciente com esta Ilimitada Consciência, que é a sua natureza real, que o homem tem restaurada a sua sanidade mental, emocional e psicológica. Nessa restauração, que vem de forma direta através do Ser e não através das atitudes ou escolhas do intelecto, é que o homem passa a saber por experiência — não pela crença ou descrença — o que significa um estado de unidade interna e bem-estar que é comum, ou seja que não é passageiro, que não é relativa aos acontecimentos, as situações em que se encontra envolvido. Trata-se de uma autonomia emocional, espiritual, psicológica, fruto de uma vivência direta, vivência em que toda limitação externa deixa de fazer parte de sua realidade. Tudo passa a ser ordem quando nesse estado de presença. Aqui, há um profundo sentimento, há uma profunda consciência de que se está em terreno seguro, um sentimento de que tudo está certo, que tudo corre em direção ao que é mais correto — isso só ocorre quando se abre a mão de toda forma de controle, de toda forma de resistência que são produtos do “eu”, do “ego”. Quando não há a predominância do intelecto, do eu, essa Consciência amorosa, — que é a natureza real do homem —, direciona todo o campo de ação e, a partir daqui, a vida passa a ser uma grande aventura, uma grande aventura de infinitas possibilidades em amor.
Nelson Jonas R. de Oliveira