..........Como é difícil compartilhar neste planeta de egos, a respeito da realidade e riqueza de um estado de ser em que o ser se faz presente, quando se usa palavras para referir a esse estado de Presença do Ser. Como a palavra realmente não é a coisa, a comunicação não ocorre. Não fosse pelo estado não reativo de quem se mantém no Ser, a discordância ocasionada pela limitação da visão autocentrada, portanto sempre tomada por pessoal, acabaria no estado de discórdia, tão caraterístico das relações sustentadas pelo intelecto. Agora dá para entender perfeitamente o que Krishnamurti queria dizer com a pergunta:
.........."Se nós dois não nos encontramos num mesmo campo de visão, que comunicação real pode haver entre nós? É possível a comunicação?
..........O interessante de tudo isso, ou melhor, — o triste pois nisso não há nada de interessante — é que a casa do indivíduo está a arder em chamas e o mesmo, em sua birra infantil, manifesta pelo seu modo de ser, modo de ser este sempre limitado em suas desgastadas certezas, aferra-se a elas, de modo insano e confortável sentado em meio da sala prestes a arder. O indivíduo, identificado com seu intelecto, em seu pequenino mundo confuso, repleto de conflitos, ausência de sólidas relações nutritivas, carente de verdadeira intimidade, dominado pela ânsia de buscar no externo por algo que aplaque o constante vazio interno, por não ter nada de próprio manter uma comunicação proselitista sustentada sempre, invariavelmente, na visão de outros, aferra-se as suas certezas, sem se dar conta, que é no canto escuro dos sanatórios, igrejas e demais instituições que se reúnem os que de modo incerto, solitariamente sustentam, ou confessam, o triste resultado da defesa de suas certezas. É triste a constatação da vitimização da miopia do intelecto, tanto ao indivíduo a ele identificado, como aos menos atentos com quem mantem seus limitados contatos, sempre escudado em suas frases prontas do passado, com as quais sustenta uma arrogância desinteligente. É essa arrogância manifesta que sustenta seu mundo de segredos e mentiras, ilusões, desconfianças, medos, inseguranças, complexos, inferioridades, limitações, tudo isto e muito mais que mantem de si e dos outros de forma velada sobre a mascarada postura de sabedoria e bem-estar. Se existe realmente sabedoria nesse modo de vida autocentrado, onde boa parte da energia fica presa pela necessidade de constante auto-proteção, se existe realmente essa sabedoria, porque então, não cessaram as buscas, os debates e as necessidades de defender separatistas bandeiras?
..........Vivemos um mundo repleto de conflito e desigualdade, como nunca antes. A base, o sistema que comanda este mundo, formado por indivíduos em si mesmos divididos, está no próprio "eu" que cria a idéia de um "nós", de um "outro", que cria toda ilusão de separatividade formada pela defesa de "sua idéia" "minha idéia", "sua visão" "minha visão", idéia essa que sustenta a busca egocêntrica de privilégios que usurpam o que é de direito. Tentar atacar o sistema, tentar olhar para o "sistema externo", sem observar e não mais absorver o que de externo se fez interno, — o que está sistematizado em nós mesmos — se faz mero idealismo. A sabedoria, que é fruto direto da manutenção diária deste estado de presença no Ser que nos faz ser, não está nem no fundamentalismo, nem no idealismo. Essa manifestação impessoal de sabedoria só é possível através do auto-observar-se, que, que em última análise é a "pedra de sustentação", capaz de mover a "pedra de tropeço" que é a nossa resistência, a qual dá vida a este sistema interno, que se reflete no externo, de forma totalmente desumana, totalmente destituída de fraternidade, amorosidade e comunhão. Em vista disso, qual a inteligência de aferra-se em defender limitadas e emboloradas certezas, sempre vindas de terceiros, colecionadas na ação do tempo? Onde nisso, se encontra sabedoria e liberdade de ser acima do bem e do mal?
Nelson Jonas R. de Oliveira