Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

22 agosto 2011

Olho na vaca!

Olho na vaca!, upload feito originalmente por NJRO.
Certa vez, numa pequena cidade interiorana, apareceu um senhor de cabelos e barba branca, sandálias de couro desgastadas pela ação do tempo, apoiado em uma estaca de madeira, vestido apenas, com uma pequena tanga branca. Não trazia consigo nenhuma mala, cantil ou qualquer alimento. Sua pele, apesar da idade avançada, tinha um brilho bastante incomum. Com seu olhar penetrante, feito lamina afiada, anunciava as pessoas da cidade, que não muito longe dali, no topo de um monte, havia a mais bela vista, nunca antes conhecida por outros homens fora ele. Devido o modo de vida apressado de todos daquela cidade, mais o fato de sua aparência simplória, ninguém o levava a sério e, não raro, dele caçoavam. No entanto, parecia que ele era totalmente imune a tudo que lhe era dirigido. Não havia em seu olhar ou em suas palavras, nada que transmitisse qualquer tipo de necessidade. Havia propriedade no modo como anunciava a beleza do monte, assim como em seus passos. Ele dirigia a palavra a todos que se apresentavam em seu caminho, mas não havia naquelas palavras, nenhuma expectativa por aceitação; era um simples e amoroso testemunhar.
Numa pequena sacada, uma mulher de semblante bastante carregado, ao vê-lo vindo ao longe, riu-se de sua imagem, para ela, maltrapilha. Foi acompanhando com olhar, os passos seguros daquele velhinho e, quando já não mais podia avistá-lo, a insatisfação que até então sentia, tomou níveis quase que insuportáveis. Dentro dela, também começou a se instalar uma profunda ânsia para saber do que se tratava o anúncio feito por tal velhinho. Bastante inquieta e confusa, apagou seu cigarro, pegou sua bolsa de couro, contendo em seu interior uma enorme parafernália, dirigiu-se para seu carro e partiu a procura de tal velhinho. Andou por quase todas as ruas da cidade, perguntou nos estabelecimentos comerciais, onde todos afirmaram, com um sorriso jocoso, que ele havia por ali passado, mas, que nenhum deles sabiam de seu paradeiro, muito menos o tinham visto antes. Ninguém sabia lhe explicar para que direção, tal velhinho havia seguido. Ela, movida por tal ansiedade, decidiu-se por pegar a estrada solitariamente e, de modo bastante apressado, se dirigiu para um monte, onde, por uma pequena clareira, dava inicio a uma estreitíssima e íngreme estrada, cujo percurso dava-se em forma espiralada. Logo de inicio, se viu acometida de uma profunda vertigem, vertigem esta que era como que um convite para a desistência por tal busca. Em sua mente, um monólogo estressante, insistia por deixar aquele impulso para trás e para que retornasse para o conhecido conforto de seu lar. No entanto, algo dentro dela, sabia que, apesar de todo conforto, não encontraria nele, nada que pudesse aplacar o constante e conhecido tédio e insatisfação de seus dias. Como resultado de sua perseverança, a vertigem foi deixando lugar a uma observação da beleza do caminho por onde passava. A fauna e a flora do local, pareciam ter cores e vida como nunca antes testemunhadas. Essa constatação tocou forte em seu interior, fazendo com que uma ansiedade diferente daquela sempre experimentada, se instalasse dentro dela. Por causa de tal ansiedade, passou a acelerar seu carro, numa velocidade um tanto imprudente, considerando a forma espiralada da estrada.
Ao longe, pode notar que em sua direção, vinha um carro dando muitos sinais. Ela tratou de reduzir a velocidade e, quando o carro já estava quase que aparelhado com o seu, pode ver, o mesmo velhinho ao volante que, pela janela totalmente aberta, para ela gritou:
— Cuidado, vaca!
Ao ouvir suas palavras proferidas em sua direção, viu-se tomada de uma súbita raiva mortal. Tentou pelo retrovisor, anotar o número da placa de seu veículo, mas, a enorme poeira vermelhada levantada ao ar, não a permitiu. Na sua cabeça, todo tipo de reação se apresentava. Perguntava-se como podia tal senhor, apresentar tamanha dualidade em seu modo de ser. Como podia apresentar algo quando caminhando solitariamente e, logo a seguir, em seu carro, agredir a quem nem se quer conhecia. Sua raiva foi tão grande, que precisou parar por alguns minutos para se recompor. Enquanto se recompunha, mantinha seu olhar raivoso em direção contrária de seu destino. Passado o mal estar, devido às fortes vozes em sua mente, agora se via balançada quanto a seguir ou não sua viagem desconhecida. Em sua cabeça, toda forma de dúvida se manifestava:
— Quem me garante que aquele velho não passa de um louco?... Devo estar ficando louca! Acho melhor voltar para casa!... Mas não posso deixar barato!... Tenho que lhe dar uma lição! Ninguém fala comigo dessa forma! Quem ele pensa que é? Vou chegar até o topo do morro e aguardá-lo para lhe dar uma lição!... Ele vai ver com quem se meteu!... Mas, e se ele for um perigoso criminoso?... Não! É apenas um velhote frustrado precisando de uma lição!...
Enquanto dirigia de forma automática, mecânica, sua mente se mantinha numa verdadeira masturbação mental, onde todas as formas de sugestões, dúvidas e medos, por ela passavam de forma totalmente ilógica. Quando estava quase que se recompondo da experiência conflitante, pode avistar ao longe uma enorme poeira vermelha levantando-se na estrada. Conforme foi se aproximando, pode perceber um rápido sinal de luz vindo dos faróis de um carro mais antigo que o seu. Ela diminui a velocidade, e eis que um moço de pele morena, com o vidro baixado pela metade, em direção a ela, gritou:
— Vaca!...
Automaticamente, se viu novamente tomada pela mesma reação, só que desta vez de uma forma e intensidade como nunca antes sentida. Desta vez, havia conseguido anotar a placa e, mesmo com a mente profundamente tumultuada e com seu carro em movimento, manteve uma mão ao volante e com a outra, tentava pegar seu celular, para tentar falar com alguma autoridade. No entanto, a grande quantidade de tranqueiras que carregava na bolsa, não conseguia achar pelo aparelho celular. Neste momento, a estrada estava ficando cada vez mais espiralada; ela deu uma rápida olhada para frente e inclinou-se para poder ver o interior de sua bolsa... Nisso, no meio da estrada, uma enorme vaca malhada encontrava-se estendida abandando seu rabo... Ela bem que tentou desviar, mas, não obtendo sucesso, atropelou a vaca, perdendo o controle do automóvel, atravessando a pista, indo cair num enorme penhasco que nessa altura, ali se apresentava. Não ouve a menor chance para socorro, tanto da vaca, como da pobre mulher, que acabou falecendo, sem conhecer a bela vista anunciada pelo velhinho, cujo comportamento, para ela foi tirado como dualista...
Essa não é uma história qualquer; essa é a história do funcionamento da mente humana, a história de nossa busca por um sentido existencial. Todos nós, em maior ou menor grau, já nos vimos totalmente envolvidos num modo de vida, onde o único objetivo era a conquista de bens transitórios, capazes de nos proporcionar uma zona de conforto, uma respeitabilidade estagnante e a conseqüente ilusão de segurança física e material, ilusão essa que é a grande responsável pelo nosso modo separatista de nos relacionar com o mundo.
Todos nós sabemos o que é ser acometido por constantes sentimentos de tédio, rotina e insatisfação. Sabemos bem o que é ter que recorrer a vários tipos de entretenimentos, a vários tipos de anestésicos, de drogas socialmente aceitas — e por vezes não — para aplacar a enorme inquietude causada por tais sentimentos oriundos de uma vida acelerada, limitada, apertada, uma vida destituída de genuínos relacionamentos nutritivos, uma vida que se mostre realmente bela, com cores, sons e sabores vividos. Nossa alma, nosso espírito, nosso verdadeiro Ser, — ou o nome que você achar mais apropriado para isto —, nesta história é representada por aquela mulher entediada na varanda, que num certo dia, se vê diante de algo inusitado, se vê diante de um chamado de seu desconhecido mestre interior.
Todos nós sabemos o que é ser tocado pelo “absurdo”, que, paradoxalmente é em sua simplicidade “uma graça”. Todos nós sabemos o que é este chamado interior por um modo de vida dotado de uma direção que faça real sentido. Todos nós sabemos quanto a insegurança, as dúvidas e os medos provenientes da ousadia de optar em direção ao que é desconhecido. Todos nós sabemos a força imperiosa deste impulso em direção ao inusitado. Nossa mente, em nada se diferencia da mente da pobre mulher... Sabemos o que é ser vitimados por esses constantes, incessantes e violentos monólogos interiores que nos mantém atados, estacionados, destituídos de energia e vitalidade, estacionados em nossa enorme confusão mental. Temos uma mente profundamente reativa, impulsiva, uma mente viciada a tirar conclusões precipitadas, sempre baseadas em seus achismos, em seus limitados conhecimentos, em suas imagens extraídas das experiências passadas. Apesar de sabermos não sermos livres, por sabermos de nossa limitação, insistimos em defender que “sabemos alguma coisa”, insistimos em “fazer escolhas”, as mesmas escolhas de sempre que terminam nos mesmos resultados estressantes. Temos uma mente que não consegue escutar, a não ser a si mesma, a não ser o conteúdo de seus próprios monólogos, de seus próprios desejos limitantes, de suas próprias sabotadoras vozes de auto-proteção. Muitos de nós, nem sequer a isso conseguem escutar, vivendo num modo, onde a completa identificação com a mente, lhes proporciona um modo de vida profundamente mecânico, profundamente medíocre. Todos nós, quando acometidos pela vergonha e pela culpa causadas por nossas obtusas escolhas, podemos bem nos lembrar dos inúmeros “velhinhos” que passaram por nossa vida, tentando nos avisar dos obstáculos, das nossas pedras de tropeço, que mesmo diante de nossos olhos, não podíamos, ou melhor, insistíamos em não enxergar. Eles bem que tentaram nos avisar, muitas vezes de forma sofrida, diante de nossa teimosia, diante de nossa prepotência, diante da nossa insana atividade de optar pelo conhecido modo de ser, causador de tantos conflitos, de tantas confusões, de tanto isolamento, onde, quase sempre, os mais afetados, somos nós mesmos.
Temos uma mente tagarela, uma mente imatura, uma mente prepotente, soberba, profundamente limitada, viciada, que parece se abrir, somente quando acometida por profunda, dilacerante e demolidora dor, dor esta que coloca ao chão, todo tipo de escolha, todo tipo de condição, toda birra infantil. Somente essa dor é que faz com que deixemos de exigir por atenção e partirmos, pela primeira vez na vida, a dar atenção ao outro. Enquanto a dor é suportável, insistimos com nossa escolhas, com nossas condições, com nossas certezas, com nossos achismos, com nossa intelectualóide inteligência de segunda ou terceira mão, sempre extraído de um conteúdo livresco. Insistimos em carregar na bolsa de couro que é a nossa mente, uma enorme quantidade de quinquilharias que nada tem de essencial, e que acabam ocultando aquilo que realmente nos é essencial, aquilo que pode nos proporcionar um contato consciente com uma real autoridade que é toda Consciência Amorosa. Insistimos, mesmo debilitados, a dirigir o carro de nossa vida, sem firmeza na direção, sem nenhuma orientação. Não ouvimos os avisos daqueles que já se encontram com a janela de sua mente aberta por inteiro, muito menos daqueles que já estão com ela aberta, mesmo que pela metade. Em nossa prepotência, em nossa neurótica auto-suficiencia, com os vidros fechados de nossa mente, distorcemos seus avisos, recebemos suas palavras, suas orações, de forma totalmente equivocada, o que é sempre motivo de profundas confusões, de profundos isolamentos, de profundos danos pessoais e o pior de tudo, muitas vezes, danos pessoais a terceiros. Por não ouvir, por não se permitir a escuta atenta, por não abaixar a guarda, por não tirar o pé do acelerador, por não tirar a mão do volante do carro de nossa vida, muitos de nós morrem completamente desconhecidos do “Monte da Consciência”, do monte de sinais, do monte onde temos a “bela visão” de nosso ser real, a bela visão de nossa Real Natureza, a bela visão de uma mente amorosa, de uma mente dotada de uma simplicidade, de uma firmeza, de uma propriedade, nunca antes percebida, de uma mente que sente e de um coração que pensa. Temos uma mente, que em sua imaturidade, se afirma ser uma mente séria. Onde existe real seriedade, não há a mínima necessidade de auto-afirmação. Nesta história, essa pseudo-seriedade, está representada pela “vaca de tropeço”.
Espero que você tenha a ousadia de ouvir o grito deste que pela primeira vez na vida, tem seu vidro aberto, ainda que menos que a metade. Você pode ouvir este grito e entender que é um grito amoroso, não um grito de ofensa. Estou gritando para que você se aperceba da vaca, antes que sua vida vá para o brejo, antes que a sua vida termine no precipício do desconhecimento do Ser, no precipício que é uma representação do inevitável encontro da morte em estado de total desconhecimento de sua Real Natureza. É com amorosidade que lanço meu grito no ar:
- Cuidado, vaca!

Nelson Jonas R. de Oliveira

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!