Poder Criativo, foto por NJRO.
O medíocre não inventa nada, não cria, não empurra, não rompe, não engendra; mas, em compensação, protege zelosamente a estrutura de automatismos, preconceitos e dogmas acumulados durante séculos, defendendo esse capital comum contra a cilada dos inadaptáveis. O rancor pelos criadores é compensado pela sua resistência aos destruidores. Os homens sem ideais desempenham na história humana o mesmo papel que a herança tem na evolução biológica: conservam e transmitem as variações úteis para a continuidade do grupo social. Constituem uma força destinada a contrastar o poder dissolvente dos inferiores e a conter as antecipações atrevidas dos visionários. A coesão do conjunto precisa deles, como o mosaico bizantino necessita o cimento que o sustenta. Mas - é preciso dizer - cimento não é mosaico.
Sua ação seria nula sem o esforço fecundo dos originais, que inventam o que é imitado depois pelos outros. Sem os medíocres não haveria estabilidade nas sociedades; mas, sem os superiores não seria possível conceber o progresso, pois a civilização seria inexplicável numa raça constituída por homens sem iniciativa. Evoluir é variar; somente se varia mediante a invenção. Os homens imitativos se limitam a acumular as conquistas dos originais; a utilidade do rotineiro está subordinada à existência do idealista, como a fortuna dos livreiros está na genialidade dos escritores. A "alma social" é uma empresa anônima que explora as criações das melhores "almas individuais", resumindo as experiências adquiridas e ensinadas pelos inovadores.
Estes são a minoria; mas são o fermento das maiorias vindouras. As rotinas defendidas hoje pelos medíocres são simples anotações marginais coletivas de ideais concebidos ontem pelos homens originais. O grosso do rebanho social vai ocupando, a passo de tartaruga, as posições atrevidamente conquistadas muito antes por seus sentinelas perdidos na distância; e estes já estão muito longe quando a massa acredita estar alcançando a sua retaguarda. O que ontem foi ideal contra uma rotina amanhã será rotina, por sua vez, contra outro ideal. Indefinidamente, porque a perfectibilidade é infinita.
Se os hábitos resumem a experiência passada dos povos e dos homens, dando-lhes unidade, os ideais orientam sua experiência vindoura e marcam seu provável destino. Os idealistas e os rotineiros são fatores igualmente indispensáveis, embora uns receiem os outros. Complementam-se na evolução social, ainda que se olhem tortos. Se os primeiros fazem mais pelo futuro, os segundos interpretam melhor o passado. A evolução de uma sociedade, estimulada pelo afã de perfeição e contida por tradições dificilmente removíveis, se deteria para sempre sem aquele e sofreria sobressaltos bruscos sem estas.
José Ingenieros
O Homem Medíocre