Certo dia, Bankei estava ensinando tranquilamente aos seus seguidores quando a sua fala foi interrompida por um padre de uma outra seita.
Essa seita acreditava no poder dos milagres e pensava que a salvação vinha com a repetição de palavras sagradas.
Bankei parou de falar e perguntou ao padre o que ele queria dizer.
O padre alardeou que o fundador da religião dele podia ficar numa margem do rio com um pincel na mão e podia escrever um nome sagrado em um pedaço de papel mantido por um assistente seu na margem oposta do rio.
O padre perguntou: "Que milagres você pode fazer?"
Bankei respondeu: "Só um. Quando tenho fome, eu como, e quando tenho sede, eu bebo".
O único milagre, o milagre impossível, é ser só ordinário. O desejo da mente é o de ser extraordinário. O ego tem sede e fome de reconhecimento. O ego alimenta-se no reconhecimento de que você é alguém.
Uns alcançam esse sonho por meio da riqueza, outros, por meio do poder, da política; outros ainda podem alcançar esse sonho por meio de milagres, ilusionismo, mas o sonho permanece o mesmo: Eu não posso me tolerar sendo um joão-ninguém.
E este é o milagre: quando você aceita a sua nulidade, quando você é tão ordinário quanto qualquer outra pessoa, quando você não pede nenhum reconhecimento, quando você pode existir como se não existisse. Estar ausente é o milagre.
Toquinho
Composição: Belchior/ Toquinho
Era um cidadão comum
Como esses que se vê na rua.
Falava de negócios, ria,
Via show de mulher nua.
Vivia o dia e não o sol,
A noite e não a lua.
Acordava sempre cedo,
Era um passarinho urbano.
Embarcava no metrô,
O nosso metropolitano.
Era um homem de bons modos:
"Com licença", "Foi engano".
Era feito aquela gente
Honesta, boa e comovida.
Que caminha para a morte,
Pensando em vencer na vida
Era feito aquela gente
Honesta, boa e comovida.
Que tem no fim da tarde
A sensação da missão cumprida.
Acreditava em Deus
E em outras coisas invisíveis.
Dizia sempre "sim"
Aos seus senhores infalíveis.
Pois é, tendo dinheiro,
Não há coisas impossíveis.
Mas o anjo do Senhor,
Do qual nos fala o livro santo,
Desceu do céu pra uma cerveja
Junto dele no seu canto.
E a morte o carregou
Feito um pacote no seu manto.
Era feito aquela gente
Honesta, boa e comovida.
Que caminha para a morte,
Pensando em vencer na vida
Era feito aquela gente
Honesta, boa e comovida.
Que tem no fim da tarde
A sensação da missão cumprida.