Casa vermelha! De seu pequeno jardim e vinhedo exala todo o sul dos Alpes. Muitas vezes já passei por ti e fizeste tremer essa ânsia de andarilho em meu ser fazendo que se lembrasse do seu oposto. Uma vez mais brinco com as velhas melodias: ter uma pátria, uma pequena casa num verde jardim, silêncio ao redor e mais além a pequena aldeia. No quartinho a minha cama olharia para o amanhecer, a minha própria cama, para o sul olharia a minha mesa e lá eu penduraria a pequena e antiga Virgem Santa que comprara em Brescia em outra viagem.
Como o dia que fica entre a noite e o amanhecer, assim entre o sonho por uma pátria e essa ânsia de viajante, transcorre a minha vida. Talvez um dia eu chegue até o ponto quando a viagem e a distância se encontrarão em minha alma e então levarei em mim as suas imagens sem ter que realizá-las. Também talvez chegue o dia em que possuirei pátria em mim, então não mais terei que namorar casinhas vermelhas e jardins. Ter uma pátria dentro de si mesmo!
Como seria então outra a vida! Ela teria um epicentro da qual emanariam todas as forças.
Dessa forma, porém, a minha vida não possui epicentro algum, esvoaça trêmula entre diversos pólos e contrapolos. Saudade de um lar aqui, saudade de estar a caminho lá, uma ânsia por solidão e retiro aqui, ânsia por amor e comunidade lá! Já fui colecionador de livros e quadros e já me desfiz de tudo. Já cultivei o vício e a volúpia que me levou à castidade e ao ascetismo, cônscio venerei a vida como matéria o que me fez descobri-la só como uma função e poder amá-la.
Bem, mas minha função não é transformar-me, isso é a função do milagre, quem porém o procurar, tentar atrai-lo para junto de si, tentar forçá-lo, desse ele só fugirá. O meu propósito é ficar flutuando entre muitas tensões contraditórias, mas estar pronto para quando o milagre chegar a mim. Meu propósito é estar sempre insatisfeito e sofrer inquietação.
Casa vermelha dentro desse jardim verdejante! Eu já te vivi, não devo desejar viver-te de novo. Já tive pátria uma vez, já construí uma casa, medi tetos e paredes e fiz os caminhos pelo jardim. As paredes enfeitei com os meus próprios quadros. Todo homem possui esse instinto, feliz sou eu de já ter podido viver isso! Muitos dos meus desejos já se realizaram em minha vida: queria ser poeta e consegui, quis possuir uma casa e construi uma, quis ter mulher e filhos e os tive, quis falar aos homens e impressioná-los e consegui, mas cada desejo, rapidamente, transformara-se em saturação e ficar enfastiado eu nunca suportei. Compor poemas ficou para mim suspeito, a minha casa me tolhia, nenhuma meta alcançada era uma meta, todo caminho era um desvio e todo descanso despertava uma nova nostalgia.
Ainda terei que trilhar muitos desvios e muitas satisfações me decepcionarão, mas algum dia tudo terá um sentido, pois é lá onde os contrastes se apagam que está o Nirvana, dentro de mim porém ainda brilham as amadas estrelas da saudade.
Caminhada