Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

27 dezembro 2010

A ética do idealista

horto12

Poucos sonhadores encontram clima e ocasião propícios que os elevem à genialidade. A maioria deles é vista como exótica e inoportuna; os acontecimentos cujo determinismo não pode mudar tornam inúteis seus esforços. Daí provém certa acomodação às coisas que não dependem do próprio mérito; daí provém a tolerância de toda fatalidade invariável. Ao sentir a pressão exterior não se abatem nem se deixam contaminar: afastam-se, refugiam-se em si mesmos para se colocar à margem donde olham o riacho lamacento que corre murmurando, sem que nesse murmúrio se ouça um grito. São os juízes de sua época: vêem donde vem e como corre o turbilhão lodoso. Descobrem os omissos que se deixam turvar pelo limo, os caçadores de fama que brigam com o mérito e com a justiça.

O idealista estóico mantém-se hostil ao seu meio, assim como o romântico. Sua atitude é de resistência ostensiva à mediocridade organizada, resignação desdenhosa ou renúncia altiva, sem compromissos. Pouco se importa com a agressão ao mal que os outros consentem; mais vale estar livre para realizar toda perfeição que só depende de seu próprio esforço. Adquire uma "sensibilidade individualista" que não é egoísmo vulgar nem desinteresse pelos ideais que agitam a sociedade em que vive. São notórias as diferenças entre o individualismo doutrinário e o sentimento individualista; um é teoria e o outro é atitude. Em Spencer, a doutrina individualista é acompanhada de sensibilidade social; em Bakunin, a doutrina social coexiste com uma sensibilidade individualista. É questão de temperamento e não de idéias; aquele é a base do caráter. Todo individualismo, como atitude, é uma revolta contra os dogmas e os falsos valores respeitados pelos medíocres; revela energias ansiosas por expansão, contidas por mil obstáculos opostos pelo espírito gregário. O temperamento individualista chega a negar o princípio de autoridade, foge dos preconceitos, desacata toda imposição, desdenha as hierarquias independentes do mérito. São indiferentes aos partidos, seitas e facções, enquanto não descobrir neles ideais consoantes aos seus próprios. Acredita mais nas virtudes firmes dos homens do que na mentira escrita dos princípios teóricos; enquanto as melhores leis de papel não se refletirem nos costumes, não mudam de opinião sobre os que as admiram nem aceitam o sofrimento dos que as suportam.

A ética do idealista estóico difere radicalmente do individualismo sórdido que atrai a simpatia dos egoístas... É desprezível tudo o que o egoísta costuma desejar ou temer.Se as resistências no caminho da perfeição dependerem dos outros, convém ignorá-las, como se não existissem e redobrar o esforço engrandecedor. Nenhum contratempo material desvia o idealista. Se desejasse influir imediatamente sobre as coisas que não dependem dele, encontraria obstáculos em todas as partes. Contra essa hostilidade de seu ambiente só pode se rebelar com imaginação, olhando cada vez mais para seu íntimo. Aquele que serve a um ideal, vive dele; ninguém forçará a sonhar o que não quer nem impedirá ascender seu sonho. 

Esta moral não é uma contemplação passiva; somente renuncia a participar da alma. Sua aceitação do que é inevitável não é apatia nem inércia. Afastar-se não é morrer; é, simplesmente, esperar a hora possível de fazer, apressando-a com a pregação ou com o exemplo. Se a hora chegar, poderá ser uma afirmação sublime...

Quando o envilecimento dos domesticados se torna intenso, quando mais sufocante se torna o clima da mediocracia, eles criam um novo ambiente moral semeando ideais: uma nova geração, aprendendo a amá-los, se enobrece. Frente às burguesias enlouquecidas para remontar o nível do bem-estar material - ignorando que sua maior miséria é a falta de cultura -, eles concentram seus esforços para avaliar o respeito das coisas do espírito e o culto da originalidade. Enquanto a vulgaridade obstrui as vias do gênio, da santidade e do heroísmo, eles trabalham para restitui-las mediante a sugestão de ideais, preparando a chegada das horas fecundas que caracterizam a ressurreição das raças: o clima do gênio. 

Toda ética idealista transforma os valores e eleva o nível do mérito; as virtudes e os vícios trocam seus matizes, em mais ou em menos, criando um novo equilíbrio. Essa é, no fundo, a obra dos moralistas: sua originalidade está na mudança de tons que modificam as perspectivas de um quadro cujo fundo é quase imperturbável. Frente ao nivelamento comum, que leva à vulgaridade, os homens dignos afirmam com veemência o seu ideal. A mediocracia sem ideais - como um indivíduo ou um grupo - é vil e cética, covarde: contra ela cultivam profundos anseios de perfeição. Frente à ciência como ofício, a Verdade como culto; frente à honestidade de conveniência, a Virtude desinteressada; frente à arte lucrativa dos funcionários, a Harmonia imaculada da linha, da forma e da cor; frente à cumplicidade da política mediocrática, a máxima expansão do indivíduo dentro de cada sociedade.

Quando os povos se domesticam e calam, os grandes construtores de ideais levantam sua voz. Uma ciência, uma arte, um país, uma raça, estremecidos pelo seu eco, podem sair de seu caminho habitual. O Gênio é um roteiro que põe o destino entre dois parágrafos da história. Se aparecer nas origens, cria ou constrói; se ressurgir, transforma ou desorbita. Nesse instante todos os espíritos superiores remontam o vôo, moldando-se para obras perenes e pensamentos elevados.

José Ingenieros

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!