Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

11 junho 2015

A gangorra do observador ácido e o melancólico

Este é um tema muito importante no processo da retomada da Perene Consciência Amorosa Integrativa que somos. Um dos primeiros conflitos que acabam surgindo no processo está nas oscilações decorrentes entre a ação do “observador ácido” e o “observador melancólico”. Essas oscilações judiam demais uma vez que, em determinados momentos estamos por assim dizer, eufóricos e em outros momentos, demasiadamente letárgicos; num momento nos sentimos “o rei da cocada preta” e em outros momentos, as fezes pisadas do cavalo do príncipe do reino da angústia. Quando estamos nos sentindo o rei, apenas com nosso olhar, cortamos a cabeça dos demais com quem pensamos nos relacionar. Quando nos sentimos o príncipe, nos mantemos sorumbáticos, permanecendo por horas em nossa cama, nos fechando no quarto, amargando um bom tempo com as imagens e sons que de forma acelerada inundam a nossa mente.
Quando dominados pela identificação com o estado de observador ácido, alimentamos uma série de conflitos desnecessários; elegemos inimigos externos para dar vazão ao mal estar que sentimos devido ao nosso estado de fragmentação.
Não tivemos uma cultura e uma educação, não houve nada que alimentasse o desenvolvimento da consciência de que somos Espírito, de que somos “anima”, de que somos o “Sopro” no qual somos e interagimos. Só tivemos uma educação para a formação de uma consciência técnica, cartesiana, o que fez com que alimentássemos um estado de inconsciência sensória, fazendo com que passássemos décadas na inconsciente busca de alimentar os sentidos de forma imediata, estes completamente fragmentados, desestruturados, sem dar a devida atenção aos possíveis resultados.
O Paradigma Holotrópico é uma chamada para um processo de retomada de uma consciência espiritual, ou seja, de uma consciência que nos torna conscientes do nosso estado de ânimo diante de várias situações da vida de relação, as quais em situações passadas, se viam desprovidas de tal percepção anímica. Essa retomada de consciência nos tira do anterior estado automático e nos leva a percepção do modo com que nos sentimos diante de todas as nossas atividades: diante das nossas relações, diante dos conceitos sociais, diante dos sistemas de crença, diante das descabidas exigências sistêmicas e diante de nossa atividade profissional (entre outras tantas). É um chamado para uma atenção maior ao que ocorre em nosso interior, aos sussurros da voz mansa e suave que se manifesta no mais fundo de nosso ser, ao invés da ininterrupta voz no interior de nossa mente, a qual seguíamos de forma mecânica e dela, totalmente inconsciente. Com o despertar dessa consciência espiritual, começamos a perceber que essas vozes que dominavam nossa mente, não eram mais que ferozes e limitantes ecos das vozes de nossos pais, avós, parentes, professores, amigos, religiosos, políticos e demais pessoas significativas que fizeram parte de nossa formação psíquica emocional. Deixamos de dar atenção a estas falas e passamos a buscar cada vez mais, ajudados agora por momentos de silencioso recolhimento, a escuta atenta dessa voz mansa e suave, profundamente centrante e integrativa e que nos desperta para essa dimensão sensitiva, intuitiva. Essa consciência nos faz perceber que há algo que nos cala mais fundo, e que não é o corpo, e que não é a mente, mas que é uma “Presença”, que podemos chamar de alma.
Quando olhamos para o passado, não é difícil perceber que para a maioria de nós, sempre havia como que uma pulguinha atrás da orelha nos dizendo sempre que havia algo de errado em tudo aquilo que nos era forçado como verdade e valor. Desde criança, alimentávamos um impulso questionador, o qual, devido ao medo gerado pela necessidade de aceitação parental, acabamos na maioria das vezes por abafar. Para a maioria de nós, sempre houve uma exposição a uma repressão a qualquer forma de questionamento contrário aos valores estabelecidos e alimentados pelas pessoas significativas. Em resultado disso, acabamos reprimindo muita coisa, nos ajustando, nos formatando, nos adequando, e a garganta foi ficando entalada, por engolir um sapo atrás do outro e sem compreender esses sapos. Então nos chega de forma inesperada e totalmente desconhecida, o que chamamos de "crise iniciática", a qual pode se manifestar tanto pela experiência do absurdo como pela experiência da Graça, a qual coloca um basta nesse processo de ajustamento e na doentia mania de engolir sapos. E, a partir daí, as perguntas não feitas quase sempre começam a aflorar de forma abrupta. A observação se amplia; surge um novo olhar trazendo consigo uma imensa sede de anos sem respostas, juntamente com a necessidade de começar a se manifestar diante de tudo, quase sempre de modo contrário e desequilibrado. Nesse momento, a vontade é de cortar a cabeça de deus e do mundo através de uma rebeldia nem um pouco inteligente. Há um sentimento de vingança, não observado, por tantos anos de ajustamento forçado. Surge também uma imatura repulsa a qualquer tipo de valor ou pratica de cunho espiritual.
Esse é um momento muito delicado, uma vez que esse impulso reativo aflora de tal forma que, quase sempre, torna-se impossível evitar os desequilibrados confrontos diretos com aqueles que até então, nos forçavam ao ajustamento, seja de forma consciente ou totalmente inconsciente. Raiva passa a ser a energia maior que corre em nossas veias, o que faz com que paguemos um preço emocional muito caro por isso e quem fica com a fatura, geralmente, é o corpo. Aqui é preciso ter sempre em mente que o conflito é o alimento da mente adquirida. Se alimentamos o conflito, a mente adquirida não morre de forma alguma. Para que ocorra a manifestação da experiência que nos lança novamente na dimensão do domínio da Perene Consciência Amorosa Integrativa, se faz necessário que a mente e os pensamentos, que estão sempre se manifestando na ponte do tempo passado-futuro, cheguem à morte natural. Como que ocorre uma morte natural? Basta não alimentar com água e comida. Então, aqui, nossa observação nos leva a consciência de evitar a todo custo o desequilíbrio emocional, quase sempre gerado pelo exercício da controvérsia pública. Nesse momento, mais do que nunca, nosso idioma quando em meio dessas situações conflitantes precisa ser o silêncio. O trabalho com um confrade mais antigo de caminhada, aqui se mostra de profunda importância, como uma espécie de “válvula de pressão”. É com ele que compartilhamos de nossas percepções de forma franca, honesta, o que faz com que possamos compreender melhor, não só os acontecimentos nos quais nos vemos envolvidos, mas, o principal, o modo como somos influenciados por eles. É por meio dessa troca aberta que vão sendo instalados em nós os alicerces de um modo maduro de estar na vida de relação.
Na infância com o Paradigma Holotrópico, muito coisa surge para ser trabalhada, sendo que muitas delas se mostram de forma bastante confusa e dolorosa. Ele começa a nos trabalhar para a formação de uma consciência quanto aos nossos sentidos adulterados. Então, uma das primeiras coisas que começamos a trabalhar é o apaziguamento e a reorientação dos nossos sentidos; é a percepção de como eles se encontram adulterados e do quanto que esses sentidos acabaram por adulterar aos demais com quem mantivemos contato. Este é um processo de ir reparando, de ir observando, observação esta que nos leva ao progressivo apaziguamento dos sentidos, e a instalação de um estado de silêncio mental até então nunca sequer imaginado. Conforme os sentidos vão retornado ao seu devido funcionamento, começamos a experimentar um novo estado de calma. Conforme esses sentidos vão sendo apaziguados, conforme através da observação desses sentidos e da influência das relações vamos descobrindo nossas falsas dependências psicológicas, também vamos nos acalmando, também vamos deixando de receber nutrição na esfera mental.
Uma das dificuldades iniciais está no fato de não conseguir exercitar a observação sem alguma forma de escolha, ou seja, sem a ocorrência do automático vício do julgamento daquilo que é percebido. Conforme se vai percebendo e aceitando as limitações da mente adquirida e nessa aceitação — o que não significa se comprazer com elas — ir percebendo que o processo é assim mesmo, que não poderia ter sido diferente, vamos reparando e olhando bem para tudo isso, e quando menos percebemos, nos deparamos com a instalação de uma percepção presencial de si mesmo e do ambiente não reativa. Inicialmente isso é bastante doloroso. Mas, conforme vemos que isso ocorreu igualmente para todos, conforme vemos que somos todos prisioneiros entre prisioneiros, todos adultos adulterados adulterantes, vai se instalando uma maturidade no olhar que nos permite constatar que as coisas não poderiam ser diferentes, o que faz com que se torne mais fácil soltar e relaxar... soltar e relaxar... vai ficando mais fácil de estar mais próximo dos demais e das situações, porque essa percepção presencial, tanto de si mesmo como do ambiente em que estamos inseridos, essa percepção presencial tanto interna como externa, vai nos proporcionando algo que para muitos pode acabar soando como algo místico: a percepção de uma Presença, a qual nos possibilita um observar muito mais sutil, que supera em muito a antiga forma grosseira de nos relacionarmos com tudo que é. Começamos a sentir “Algo” dentro de si, começamos a sentir uma Presença; começamos a sentir que há dentro de nós um local mais seguro onde podemos nele nos recolher e nos preparar para poder estar em nossas relações de modo consciente, centrado e integrativo.
É interessante notar que a sociedade dá muito valor à concentração, ao retiro, para determinadas situações, dando especial ênfase a isso, principalmente nos noticiários esportivos. Exalta-se o retiro e a concentração de alguns dias para o sucesso em determinada prática esportiva. Para o esporte isso já faz parte da condicionada cultura popular. No entanto, não desenvolvemos a percepção da necessidade da concentração para os demais modos de relação. Não temos a cultura de nos “conectarmos” com essa Presença que nos habita e na qual somos, antes de mantermos conexão com as demais situações do cotidiano.
Com o exercício do observar do Paradigma Holotrópico, vai surgindo em nós essa necessidade de recolhimento e de centramento, para poder estar integro, quando diante dos desafios do cotidiano, uma vez que a vida é relação. Com essa prática, tudo vai se mostrando mais fácil; os sentidos vão se apaziguando; os pensamentos vão silenciando; porque, com os sentidos  e a mente agitados, não há como sentir algo de uma dimensão mais sutil; não há como perceber a energia que somos, a consciência que somos... Não há possibilidade disso. Mas, conforme vai ocorrendo esse aquietamento, que não é algo forçado, mas sim, uma resultante da prática do recolhimento, da observação e reparação dos acontecimentos e das coisas que foram tomadas por verdadeiras durante um longo processo de inconsciência e inconsequência, essa abertura vai se ampliando, essa percepção de que somos essa Presença, de que somos essa energia, de que somos esse caloroso e centrante Sopro, o qual nos dá condição de não levarmos a sério a própria mente e também a mente dos demais com quem mantemos contato. Fica muito fácil de deixar de levar a mente dos outros a sério quando deixamos de levar a sério nossa própria mente. Quanto mais damos risada dos conteúdos — sem conteúdo — de nossa mente, mais fácil se torna a vida de relação, mais fácil se faz a compreensão do espírito que anima a conhecida frase cristã: “Pai, perdoa, porque eles não sabem o que fazem”.

Outsider

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!