Este blog não foi criado para quem já fechou as persianas de sua mente e cuidadosamente as fixou para que nenhum filete de luz de novas idéias penetre e perturbe sua sonolenta e estagnante zona de conforto. Este blog é para os poucos que querem entrar na terra firme da experiência direta por não verem outro caminho mais seguro a tomar.

20 junho 2015

A dor desabituação e o novo Samurai

Este texto é dirigido para todo leitor que se encontre vivenciando os primeiros momentos de birra da adolescência emocional no caminho do autoconhecimento; semelhante aquela birra de quando não queremos mais ficar morando na casa dos pais, mas ainda não temos a autonomia financeira, muito menos psicológica para assumir a vida por si mesmo e que se mostra um momento bastante confuso e delicado.
Para iniciar nossa meditação, cremos ser oportuno debruçarmos sobre a questão: Será que escolhemos, por nós mesmos, nos encontrarmos neste momento de “ordenação”? Será que escolhemos passar por essas dificuldades emocionais, que fizeram com que começássemos a buscar por significativas respostas para o porquê disso em que nos encontramos? Respostas que nos esclareçam o porquê dessa crise se apresentar apenas para nós e — ao menos pelo que parece — não fazer parte do momento daqueles que nos cercam? Será que não tem algo ai, nos apontando que existe um motivo real para esse tipo de “chamado”?
Com certeza, não há nada mais desesperador do que se deparar com perguntas como estas e, de modo algum encontrar respostas para as mesmas. Um dos grandes desesperos iniciais que se apresenta no caminho do autoconhecimento, está justamente nessa dificuldade de encontrar por esclarecedores ecos, os quais nos apontem um solo firme, no qual possamos sentir no mais fundo de nós, que de modo algum estamos perdendo a sanidade. Geralmente, o alívio para essas dúvidas iniciais acabam sendo amenizadas, quando nos deparamos com o ambiente fértil de alguma escola iniciática. É nelas que temos o sentimento de alívio caracterizado pela certeza de que não estamos loucos, de que não estamos sós, de que não somos os únicos que se deparam com desconhecidos ambientes de total escuridão, onde não raro, nos deparamos com emoções e sentimentos distorcidos pelo tédio, pela insatisfação, mesmice, solidão, revolta causada pelo observador ácido-melancólico e a dor do medo do que acaba sendo visto. Encontrar por uma escola iniciática, onde nos deparamos com uma escuta atenta, amorosa e que valide nossos sentimentos sem qualquer sombra de julgamento ou incentivo a conformação, é que nos proporciona aquele apoio tão necessário para a manifestação dos primeiros passos em nosso processo de ordenação.
Esse momento inicial traz consigo sentimentos dolorosos, repletos de confusão e instabilidade emocional, semelhantes ao processo de retirada de algum determinado padrão de comportamento obsessivo-compulsivo, como o álcool e as drogas. Na realidade, o que se apresenta nestes momentos, é também um processo de retirada de uma forma de droga: a droga do ajustamento parental-social, a qual, igualmente a outras drogas, traz consigo os mesmos sintomas torturantes, sendo que para as drogas socialmente conhecidas, muitos já conhecem e validam os sintomas de tal crise, sendo mais difícil, quando se trata do caso da pensamentose. Estamos nos abstendo de uma poderosa droga social, cujo sistema de retroalimentação do tráfico, mantém seus pontos bem protegidos e abastecidos, em todos os locais por onde mantemos contato. A droga social, a droga cultural, a droga da tradição está ai para quem quiser, sendo a droga de mais fácil e barato acesso. O acesso é quase que de graça, porém, não apresenta nenhuma graça e, como nas demais drogas, o que nos apresenta é tão somente um pesado colar de desgraças, o qual nos faz andar de modo cabisbaixo pelos ilusórios caminhos da aceitabilidade social.
Como nas demais drogas, a pensamentose apresenta sintomas mentais, emocionais e físicos, entre eles o tédio, a raiva, o medo, a angústia, os dolorosos sintomas psicossomáticos... Os nervos travados, a lombalgia, os ombros tensos, os problemas estomacais, as alergias na pele, a queda dos cabelos, a pressão na cabeça, a enxaqueca, a solidão... Não a solidão física — se bem que geralmente acaba ocorrendo —, mas a solidão psíquica, de não ter pessoas que entendem e comunguem de tal estado de espírito, os quais sentimos no mais fundo de nossas vísceras sem ter a menor compreensão dos mesmos, o que torna ainda mais difícil a compreensão por parte das demais pessoas.
Outro ponto que acaba nos afetando demais nessa fase inicial de ordenação do processo de autoconhecimento, está na manifestação de uma profunda sensibilidade energética, com sua alergia psíquica e a resultante emotiva ressaca psicossomática. Para alguns, talvez, essa afirmação acabe soando com ares de misticismo, caso ainda não tenham com elas se deparado, uma vez que a mente lógica cartesiana só acredita em coisas que lhe sejam palpáveis; não acredita que somos um campo de energia sutil. Pegamos de modo muito fácil — e quase sempre de maneira inconsciente —, a carga energética, tanto dos ambientes como das pessoas que neles se encontram. Então, se não estamos atentos, é natural nos “embolarmos” nessa pesada e desestabilizadora energia, a qual clama pela retroalimentação de instintos há muito degenerados, e que depois de indevidamente nutridos, não sabemos o que fazer com seus resultados. Aqui também acabamos sofrendo outro tipo de conflito, proveniente da influência daqueles que nos são psicologicamente significativos e que, por desconhecerem por completo a natureza daquilo que nos aflige, de modo algum aceitam a presente e emergente necessidade de retiro, isolamento e solidão, a qual nos vemos momentaneamente acometidos.  Por mais que tentemos explicar, nossas palavras soam como um idioma totalmente desconhecido para estes e, não raro, tudo o que dizemos — como na famosa Lei de Miranda, tão citada nos filmes hollywoodianos —, em seu devido tempo, acabam sempre sendo usados contra nós, o que faz com que na maior parte das vezes, devido a nossa imaturidade, acabemos mergulhados no fétido pântano da raiva ilusoriamente justificada ou da autopiedade.
Outra questão recorrente no início do processo é muito bem apresentada numa cena do filme “O Último Samurai”, onde o personagem principal — Capitão Nathan Algren — interpretado pelo ator Tom Cruise, ao sair numa manhã chuvosa para brincar com espadas junto com um menino da aldeia, acaba sendo interrompido pelo personagem Ujio, interpretado por Hiroyuki Sanada, o qual tenta por várias vezes retirar-lhe a espada de madeira de suas mãos, tendo que lhe dar uma enorme surra, até deixa-lo totalmente prostrado ao chão. Em sua birra, o Capitão Nathan Algren, por várias vezes não se dá por rendido, tentando bravamente fazer valer sua obstinada vontade. Essa cena se dá durante uma forte chuva, o que é uma simbologia do processo inicial de limpeza de nossos instintos e da ordenação interior de nossa vontade. Essa cena mostra de modo muito claro os dolorosos resultados que surgem da nossa recusa de abrir mão de nossa obstinada vontade, a recusa de defender os nossos desejos e condicionamentos, sem a qual não se faz possível o estado de total rendição, aceitação e prontificação para que tenha início “um novo treinamento transcultural”, o qual nos possibilita a revelação de nosso livre espírito “Samurai”, ou seja, como literalmente aponta o significado desta palavra, “aquele que serve”. Em outras palavras, sair do estado umbigóide de ser, característico da excessiva exposição à antiga e adoentada cartilha cultural, para o sagrado exercício de Cuidar do Ser. É aqui que a vida reencontra o seu pleno significado. Antes disso, o que fica é muita dúvida, muitos questionamentos, muita ânsia por respostas, as quais nos remetem a um terreno carregado de medo e ansiedade. Como no filme, a comunicação é bastante difícil por causa da incompreensão do novo idioma, bem como das práticas culturais. Não raro somos tomados por impulsos suicidas. Caímos na dúvida quanto a funcionalidade dos ensinamentos. Queremos provas da observação do que se apresenta, realmente nos possibilite a liberdade. Como a mente é viciada em colecionar certezas emprestadas, saímos em busca da certeza de que aqueles que nos apresentam o novo idioma do espírito tenham de fato alcançado o livre estado de “Samurai”. Temos o nosso sono atormentado pela desesperadora culpa de nossas ações passadas. Somos bombardeados pelos velhos impulsos de narcotização de nossos pensamentos e emoções. Vemo-nos solitários e trancafiados numa terra desconhecida, em meio de desconhecidos. Diante da total impotência dos que nos cercam, vivemos a noite escura da alma, a qual parece jamais chegar a seu fim. Nos ressentimos por não ser “normal” como as demais pessoas; invejamos a mediocridade de suas vidas, mesmo tendo dela consciência. Praguejamos contra o chamado e rotulamos de modo pejorativo aqueles que tentam nos ensinar “a luta livre do esforço mental”. Não percebemos que o lamento é a lama da mente, que nos faz patinar e nos impede de sair do lugar. O desespero aumenta quando percebemos que não temos outra opção a não ser dar continuidade num processo totalmente desconhecido, uma vez que já conhecemos os ambientes das estradas anteriormente percorridas. A dúvida, que significa estar preso entre duas vidas, grita de modo tão forte, que não conseguimos uma escuta nem de nosso coração, nem daqueles que tentam nos apoiar.
Neste momento de nosso processo, o compartilhar com os demais que já se encontram há mais tempo na jornada do autoconhecimento se faz profundamente funcional. Compartilhar de forma franca e aberta a qualidade dos pensamentos, emoções e sentimentos, fazem como que uma espécie de “fio terra” que ajuda a estabilizar a nossa energia vital. Ver confirmado em seus olhos e palavras a natureza do processo, perceber neles um estado de ser muito mais equilibrado que o nosso é que nos dá a necessária confiança para seguir viagem. Afinal, não é nada fácil arrancar as algemas do sistema de ilusão no qual nos vimos excessivamente expostos... Mostra-se extremamente doloroso abrir mão dos nossos antigos valores de vitrine, sobre os quais tivemos a nossa embotada formação... A mente tenta falar mais alto do que a ainda fraca voz da intuição que nos pede para seguir rumo ao desconhecido. A mente quer que continuemos na larga trilha do estabelecido, na trilha do convencionado. Como ainda estamos muito amarrados e comprometidos com pessoas e instituições a mente se apavora e abomina a ideia da possibilidade de investir na estreita trilha do desconhecido.
Então, aqui é um momento em que somos testados pra ver se realmente estamos prontos para fazer o devido trabalho que nos possibilite receber uma “espada de cura”, espada essa que tem sua lâmina afiada pela compreensão e transcendência dos erros do nosso passado e pela maestria de uma nova linguagem manifesta pela disposição de servir ao Senhor Único, mesmo que tenhamos que morrer em nome disso. 

Outsider

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Escolho meus amigos pela pupila

Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco! Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois ao vê-los loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU! JUNTE-SE À NÓS!